Os
estímulos externos, que tumultuam a coração e mente dos introvertidos,
podem apaziguar a dos extrovertidos. Mas é quando começamos a ouvir as
vozes aqui dentro que embarcamos na grande aventura
Crônica de Maria Bitarello | Imagem: Cathy Schoenberg
Dizem
que as pessoas podem ser divididas em dois grupos primários de
personalidade: gatos e cachorros. As pessoas felinas seriam as mais
introvertidas; e as caninas, as extrovertidas. Umas gostam de ficar
sozinhas, preferem o silêncio, precisam de sossego. Outras buscam mais
estímulos, querem gente por perto, se alimentam do coletivo. Tal como as
pessoas sociáveis, os cães são considerados animais mais amáveis,
companheiros, brincalhões e também atrapalhados e carentes. Os gatos,
por sua vez e seguindo o mesmo raciocínio pros reclusos, são vistos como
elegantes, autossuficientes, ágeis, esnobes, desconfiados e até
ardilosos. Pensar as pessoas como felinas ou caninas pode trazer insights
interessantes, mas, mais que isso, revela nossa preferência – enquanto
cultura – pelos extrovertidos. E, de tabela, nosso juízo sobre os
introvertidos.
Antes
de qualquer coisa, introvertidos não são tímidos. Não necessariamente
pelo menos. A timidez me parece ter mais a ver com o medo do ridículo,
da exposição social; não é disso que falamos. Introversão é ter uma vida
interior fértil. Falamos aqui, portanto, das pessoas que têm necessidade, talvez maior que a média (se é que existe uma), de
momentos de reclusão. Falo de quem prefere as atividades solitárias,
como a leitura, por exemplo, mesmo que o faça em uma biblioteca ou num
café, onde há gente em volta. Gente que vai sozinha ao cinema, ao
teatro, à exposição. Falo daqueles a quem o hiper-estímulo vindo do
mundo exterior provoca curto-circuito no sistema. Dos que ficam exaustos
com aquela conversinha mole na hora do almoço. Dos que preferem
infinitamente ficar em casa a sentar numa mesa grande e animada de bar.
Não é só que acham chato; o desconforto pode ser visceral, espiritual.
Falo de todos aqueles que, em maior ou menor intensidade, com mais ou
menos culpa, ficam ou já ficaram se justificando, arrumando desculpas
pra furar um jantar e evitar de explicar por que precisam do que
precisam: quietude. E qual é a justificativa, afinal? Não é preciso uma.
As pessoas são diferentes, simples assim.
Naturalmente,
salvo exceções que suponho existam, nos encontramos todos em algum
ponto do espectro que vai da introversão à extroversão, mas um ponto que
muda o tempo todo. Temos todos necessidade, com maior ou menor
frequência, desses momentos de reclusão interior; é uma questão de
sanidade. Mas o ponto em que essa reclusão vira (se virar) desconforto
vai variar de pessoa pra pessoa. Cada um cada um.
Desde
a mais tenra infância, introvertidos são estimulados – quando não
coagidos – a se extroverterem. As escolas costumam valorizar ideais de
extroversão, de líderes, de ações – das mesas coletivas aos trabalhos em
grupo. O aluno que se destaca entre colegas e professores é quase
sempre simpático, falante, socialmente hábil, muitas vezes independente
de seu desempenho acadêmico. E é assim mesmo: quando a pessoa tem
carisma, não dá pra resistir. No mundo do trabalho é parecido. As
empresas adoram espaços de criação coletiva e termos como brainstorming.
O mundo tal como é, ou seja, voltado pro extrovertido, por vezes
tiraniza aqueles que operam em outra frequência, que têm outra dinâmica
de pensamento e ação e, sobretudo, esse mundo tenta padronizar uma certa
forma de ser e de se estar nele. E isso me parece meio burro.
O
que, por outro lado, me parece mais intuitivo hoje é que os estímulos
externos afetam diferentemente a cabeça e o coração de uns e outros. Só
isso. Se tumultuam a dos introvertidos, podem também apaziguar a dos
extrovertidos. Afinal, com o silêncio, quando cessa todo o ruído lá
fora, começamos a ouvir as vozes aqui dentro e é aí que embarcamos na
grande aventura. Uma que me parece importante desbravar. Saber estar só e
bem, viver a solitude alegre,
povoar sua própria solidão. Tenho pra mim que quem aprende a navegar
nessas águas vive mais e melhor. Porque envelhecer é tornar-se cada vez
mais só. E talvez seu amigo ermitão saiba disso melhor que você.
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Por Maria Bitarello.
Fonte: http://outraspalavras.net/ acesso 11/05/2017
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