Lya Luft*
O que é inspiração, como lhe vem a
inspiração...? – pergunta que persegue artistas criadores a vida inteira. Que
músicas escuta para se inspirar? Que pessoas o inspiram? Cada escritor (falo do
meu território) dará uma resposta diferente. Alguns precisam de silêncio,
outros, de música, outros escrevem em qualquer parte, alguns ainda só na sua
toca, seu escritório: mil maneiras de trabalhar.
Há quem diga que inspiração é bobagem, o que importa é a transpiração. Não é bem assim. Importa uma harmonia entre as duas coisas, pois, sem esse chafariz de ideias e emoções que se organiza quando escrevemos e acaba num romance, um conto, um poema, dificilmente se faz um bom trabalho.
Qualquer pessoa com alguma fantasia e bom conhecimento do seu português consegue fabricar um texto, até um livro. Mas arte não é assim, e possivelmente vai faltar a centelha que diferencia uma obra fabricada conforme os esquemas vigentes de uma obra de arte, por mais fraquinha que seja. Sim, obras de arte podem ter gradações de “bom, médio, ótimo, incrível”...
Não acredito também que artista tenha de sofrer para produzir. Em tempos muito difíceis de minha vida (sim, também os tive), passei seis anos sem escrever, só traduzindo. Pensei ter ficado afásica para sempre, e, como já tinha escrito vários livros, deduzi que a fonte tinha secado. E de repente, caminhando na beira da praia sem pensar em nada importante, voltou a história que eu tinha começado a fantasiar seis anos antes. Sem computador, sem máquina de escrever ali, corri para a papelaria, comprei canetas e papel em profusão e comecei a escrever feito desvairada. Voltando para casa, botei tudo no computador ou na máquina de escrever, não lembro, e publiquei A Sentinela, em 1994.
De onde vem, enfim, a tal inspiração? Cada caso é um caso, cada autor é um autor. Comigo, é como se tudo o que vivo, olho, sonho dormindo, sonho acordada, me contam, assisto, se depositasse em mim através dos anos, como aquela lamazinha no fundo de um aquário. Quando alguma coisa me toca especialmente (ou não), é como se mexessem com um lápis nessas águas tranquilas, e todo o depósito do fundo sobe à superfície: feita a inspiração, a história que estava meio pronta nas neblinas do inconsciente começa a emergir. Eu lhe dou nomes e formas, trabalho, escrevo e reescrevo, e com sorte tenho um texto.
Também quero dizer que, para ser escritor, coisa que me perguntam incessantemente, é preciso, primeiro, ler muito. Ler sempre. Segundo, dominar o mais possível o idioma, pois o bom escritor é como o cirurgião que sabe manejar o bisturi, conhece anatomia, a doença, e o resto. Ninguém escreve “de ouvido”. E atenção: português ou qualquer língua não se aprende decorando regras, mas lendo. Além disso, é bom abusar de simplicidade, paciência, humildade, autocrítica sem neurose, e usar dessa maravilhosa liberdade que o texto nos dá.
É difícil? É difícil. Porque, além disso, precisa de sorte, persistência, nada de ressentimento do tipo “ninguém se interessa por meu livro, ninguém quer me publicar”, pois quase todos nós levamos várias recusas, esperamos algum ou muito tempo para finalmente iniciar (iniciar...) o caminho dessa arte e dessa profissão que serão o chão por onde caminharemos, amados, criticados, abominados ou estimulados, pelo resto da nossa vida.
Há quem diga que inspiração é bobagem, o que importa é a transpiração. Não é bem assim. Importa uma harmonia entre as duas coisas, pois, sem esse chafariz de ideias e emoções que se organiza quando escrevemos e acaba num romance, um conto, um poema, dificilmente se faz um bom trabalho.
Qualquer pessoa com alguma fantasia e bom conhecimento do seu português consegue fabricar um texto, até um livro. Mas arte não é assim, e possivelmente vai faltar a centelha que diferencia uma obra fabricada conforme os esquemas vigentes de uma obra de arte, por mais fraquinha que seja. Sim, obras de arte podem ter gradações de “bom, médio, ótimo, incrível”...
Não acredito também que artista tenha de sofrer para produzir. Em tempos muito difíceis de minha vida (sim, também os tive), passei seis anos sem escrever, só traduzindo. Pensei ter ficado afásica para sempre, e, como já tinha escrito vários livros, deduzi que a fonte tinha secado. E de repente, caminhando na beira da praia sem pensar em nada importante, voltou a história que eu tinha começado a fantasiar seis anos antes. Sem computador, sem máquina de escrever ali, corri para a papelaria, comprei canetas e papel em profusão e comecei a escrever feito desvairada. Voltando para casa, botei tudo no computador ou na máquina de escrever, não lembro, e publiquei A Sentinela, em 1994.
De onde vem, enfim, a tal inspiração? Cada caso é um caso, cada autor é um autor. Comigo, é como se tudo o que vivo, olho, sonho dormindo, sonho acordada, me contam, assisto, se depositasse em mim através dos anos, como aquela lamazinha no fundo de um aquário. Quando alguma coisa me toca especialmente (ou não), é como se mexessem com um lápis nessas águas tranquilas, e todo o depósito do fundo sobe à superfície: feita a inspiração, a história que estava meio pronta nas neblinas do inconsciente começa a emergir. Eu lhe dou nomes e formas, trabalho, escrevo e reescrevo, e com sorte tenho um texto.
Também quero dizer que, para ser escritor, coisa que me perguntam incessantemente, é preciso, primeiro, ler muito. Ler sempre. Segundo, dominar o mais possível o idioma, pois o bom escritor é como o cirurgião que sabe manejar o bisturi, conhece anatomia, a doença, e o resto. Ninguém escreve “de ouvido”. E atenção: português ou qualquer língua não se aprende decorando regras, mas lendo. Além disso, é bom abusar de simplicidade, paciência, humildade, autocrítica sem neurose, e usar dessa maravilhosa liberdade que o texto nos dá.
É difícil? É difícil. Porque, além disso, precisa de sorte, persistência, nada de ressentimento do tipo “ninguém se interessa por meu livro, ninguém quer me publicar”, pois quase todos nós levamos várias recusas, esperamos algum ou muito tempo para finalmente iniciar (iniciar...) o caminho dessa arte e dessa profissão que serão o chão por onde caminharemos, amados, criticados, abominados ou estimulados, pelo resto da nossa vida.
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Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9787813.xml&template=3916.dwt&edition=31143§ion=70
- 06 de maio de 2017 |
N° 18838
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