Luiz Felipe Pondé*
A atividade intelectual é um tanto solitária. Por isso, muitos parecem
gente estranha, com hábitos pouco comuns. Muita leitura e silêncio podem
deixar você um tanto distante do mundo. Lugares mais quietos e
recolhidos são bons para a atividade intelectual. Pensar horas a fio
também é uma constante nesse ramo.
Como tudo, tem "seu lado mais e seu lado menos". Um "lado menos" dos
intelectuais já é conhecido desde o século 18, com o advento do
Iluminismo: intelectuais facilmente viajam na maionese e falam de mundos
que não existem. O homem não é o ser racional que pensavam os
iluministas, nem revoluções em nome do povo se saem muito bem.
Normalmente, há que matar muita gente para se chegar ao povo que muitos
intelectuais têm na cabeça.
A pergunta que me faço é: os intelectuais não aprendem com a
"experiência histórica", essa mesma que tanto falam por aí? Por que,
muitos insistem no mesmo erro? Qual erro?
Antes de tudo, que fique claro que não creio que o capitalismo seja o
paraíso na Terra nem que sua majestade, o mercado, resolva tudo. Mas,
sim, creio que o Estado, quando grande e gastador, destrói a economia e a
vida as pessoas, fingindo que as ajuda.
Acredito também que posições liberais (em economia, política e moral)
costumam ser melhores, no meu entendimento, para formar pessoas mais
maduras na lida com a realidade do que posições mais dadas ao controle
da vida das pessoas, em nome do "bem" delas.
O resto é contingência e experiência de lida com esta contingência.
Dito isso, voltemos ao erro acima. O erro é o seguinte: muitos
intelectuais parecem beirar a idiotia no que se refere à capacidade de
dizer frases que pareçam fazer sentido, mas que, se analisadas no
contexto da realidade, se revelam estúpidas.
Imagine alguém que diz o seguinte: "o modo de divisão do trabalho deve
mudar no mundo". Uma frase dessas, que parece responder aos problemas
mundiais relativos à vida das pessoas e seu trabalho, peca de várias
formas. Quer ver?
Quem faria essa mudança? Você? Eu? Ele? Um ser iluminado? Uma comissão?
Como seria escolhida essa comissão? Qual método? Quantas pessoas?
Quantas reuniões ela deveria ter pra decidir? Quem decidiria quantas
reuniões? Como seria feita essa reunião? Teria hierarquia dentro da
comissão? Como seria essa hierarquia? Quem decidiria como seria? Qual
seria essa mudança?
Uma vez "decidido" por um tipo de mudança (sem entrar no mérito de qual
mudança seria nem quem disse que ela seria melhor), como seria posta em
prática? Se alguém discordasse dela, como se resolveriam as
discordâncias? Como se identificaria esse "modo de divisão de trabalho"
exatamente?
Basta um livro "dizendo" que é assim que se dá esse "modo de divisão de
trabalho" ou muitos livros? Quantos exatamente? Alguma instituição seria
utilizada como credenciada para "dizer" isso? Quem credenciaria a
credencial dessa instituição credenciada pra dizer qual é o "modo de
divisão de trabalho" a ser mudado? Todas as forma de trabalho
existentes? Ou haveria algum tipo de ajuste a formas especificas de
trabalho?
Como se decidiria o quão especifica é uma forma de trabalho? Como
resolver o fato de que muitas funções acabam com o tempo e outras são
criadas por conta, por exemplo, de mudanças tecnológicas? Como se
ajustaria essa mudança ao fator tempo? Por quanto tempo essa mudança
valeria?
Cansei de fazer essa lista de perguntas que parece escapar à mente
brilhante de alguns intelectuais. Soltam pérolas que, na verdade, seriam
identificadas como falas de um idiota caso o agente da fala no caso não
fosse visto como um cara inteligente ou um dos caras mais importantes
no pensamento contemporâneo.
Outro exemplo? "O povo deveria decidir diretamente tudo na democracia."
Brilhante! O povo já provou que escolhe qualquer coisa a qualquer
momento. Agora, na Turquia, acabou de dar poder a um islamita
autoritário que quer ser sultão.
O povo escolhe de acordo com a melhor propaganda ou a melhor retórica
que atenda aos seus "pequenos" interesses cotidianos. Seriam os
intelectuais idiotas?
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela
Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião,
ciência.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2017/05/1883913-os-intelectuais-nao-aprendem-com-a-experiencia-historica.shtml
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