domingo, 21 de maio de 2017

As coisas humanas

Lya Luft* 
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Quando me chamaram para voltar à ZH e pertencer de novo à família RBS, em começos de 2016, fiquei feliz, era um momento de certa orfandade, e me reintegrar aqui foi uma alegria. É uma alegria. Fui recebida feito filha da casa, meu ego desinflado melhorou e, mesmo que eu não vá à Redação habitualmente, de coração estou entre colegas, funcionários e amigos queridos. Um dos pedidos ao fazermos os acertos foi antes uma sugestão: não escrever sobre política como vinha fazendo nos últimos anos em uma revista. Na verdade, nunca fui uma entendida ou comentarista política. Aliás, o tema me assusta. Sempre afirmei, e escrevi, apenas como uma brasileira comum moradora deste planeta complicado que se chama Brasil. Agora a Zero Hora afirmava que escrever o que acho de “coisas humanas” era o que o leitor mais queria de mim.

Achei meio engraçado, meio comovente, me surpreendi um pouco – porque, afinal, política é coisa muito humana e muito nos atinge, aflige ou anima –, mas compreendi que se tratava dessas coisas humanas essenciais: afetos, amizades, colegas, família, otimismo, sofrimento, esperança, decepção, educação, convívio, segurança, moralidade, enfim. Tenho feito isso, e isso tem me feito muito bem. Não posso deixar (ou: posso, mas não quero) de comentar aqui brevemente que a nossa realidade política, que tanto corrói a economia e tanto nos afeta em nossa lida cotidiana, roubando esperanças e jogando aflição sobre todos, mexe extraordinariamente com cada pessoa.

Porém, é preciso reconhecer que, mais do que nunca – como eu disse outro dia a um grupo de funcionários aqui da casa, que me receberam com tanto afeto que me emocionei –, ao fim e ao cabo, no meio das maiores loucuras, confusões e medo, cada vez mais importam as pessoas: clientes, amigos, patrões, funcionários, família, colegas, até meros conhecidos. Se cada um tentar, com simplicidade, o seu melhor nesses lugares e ocasiões, se cada um fizer na vida e no trabalho o melhor que puder, é possível que este mundo, este Brasil, esta cidade melhorem um pouco. Que a gente se sinta mais confortável, mais amparado, mais otimista, mais importante.

Alguém certa vez me fez entender que todo mundo precisa saber-se importante: não em cargos, dinheiro, grandes façanhas, mas pelo menos no seu grupo, seja ele qual for. Eu sei, não é fácil conviver bem. Há pessoas naturalmente irritantes e desagradáveis. Traições acontecem. Afastamentos incompreensíveis também. Mas ser importante para uma pessoa que seja já vale muito. Ser benquisto entre seus colegas é muito. Ser bem-visto e respeitado por clientes, patrões, empregados, ser considerado uma pessoa confiável, um ser humano decente, é muitíssimo. E nos faz bem. E nos estimula.

Ninguém é inteiramente amado, totalmente compreendido, absolutamente respeitado: faz parte do aprendizado da vida. Mas ser uma pessoa decente é o essencial, porque, neste momento caótico e preocupante, muitas vezes desanimador, saber que existe alguém bom, honrado, atento, digno, é uma dádiva.

Apesar de todas as nossas dificuldades e imperfeições, as coisas humanas são o melhor de tudo – e isso nem um Everest de dinheiro, de grandeza, de importância ou de poder poderá substituir.
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* Escritora. Tradutora. Colunista da ZH
 lya.luft@zerohora.com.br
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9797090.xml&template=3916.dwt&edition=31212&section=70
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