Em uma sala no 9º andar do prédio do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em Brasília, dois paramédicos
medem a pressão arterial do presidente da entidade, Claudio Lamachia.
Passava das 19 horas, a Esplanada dos Ministérios ainda ardia em chamas e
contava com a proteção das Forças Armadas. Entre conversas no WhatsApp e
goles de chimarrão, Lamachia fazia ajustes finais no pedido de
impeachment do presidente Michel Temer que levaria à Câmara no dia
seguinte. É seu segundo em um ano e quatro meses de gestão. Para
Lamachia, o ato se justifica diante do comportamento “criminoso” de
Temer perante os crimes relatados pelo empresário Joesley Batista, do
grupo JBS. “O presidente nada fez com relação a tudo que ouviu”, diz.
Lamachia vê com reservas uma mudança na Constituição para estabelecer
eleições diretas caso Temer deixe o cargo. “Esse é o receio que tenho,
de estarmos diante de um casuísmo”, diz. No final da conversa, uma
paramédica pediu um suco de maracujá para o hipertenso Lamachia.
ÉPOCA – O afastamento de Dilma Rousseff e a posse de Michel Temer ocorreram dentro das balizas da Constituição. O que deu errado para estarmos, em tão pouco tempo, diante de um novo processo de impeachment?
Claudio Lamachia – É o trato que alguns políticos hoje têm dado à coisa pública. A chapa Dilma-Temer demonstrou que alguns compromissos não foram cumpridos e agora nós vemos o desfecho desse processo. Quando Dilma foi retirada do poder, Temer assumiu, não com a legitimidade das urnas, mas com a legitimidade constitucional. Ao longo do tempo, porém, muitos equívocos foram cometidos. O primeiro deles quando o presidente da República deixa de nomear um ministério de notáveis e prioriza um ministério muito voltado para a política, com alguns investigados.
ÉPOCA – Essa aliança com investigados foi o maior erro de Temer?
Lamachia – O principal erro do presidente foi não ter aproveitado o momento para romper definitivamente com determinadas práticas políticas que a sociedade brasileira hoje tem repelido.
ÉPOCA – Qual crime o presidente Temer cometeu no episódio envolvendo Joesley Batista?
Lamachia – Para a OAB, o presidente cometeu crime de responsabilidade. Essa avaliação não está vinculada especificamente aos áudios. Está muito mais fundada no que o presidente não disse em suas manifestações à nação. O mais grave é o fato de o presidente afirmar que escutou Joesley [dizer que subornara um procurador e um juiz], mas que não o levou em consideração porque ele seria um “fanfarrão” e “delinquente”. Isso é seriíssimo, porque alguns dos fatos narrados naquele diálogo se confirmaram, são graves, e o presidente nada fez. Não estamos discutindo palavras trocadas, se foi mais ou menos incisiva a conversa, ou se o áudio teve uma ou duas edições. O que a OAB levou em conta foi a palavra do próprio presidente em seus posicionamentos à nação, em que ele torna os fatos incontroversos.
ÉPOCA – Há outros fatos...
Lamachia – Sim. O primeiro deles, a audiência foi marcada s no Palácio do Jaburu, tarde da noite, sem constar da agenda. O empresário entrou no Palácio com um nome falso e eu não posso crer que a segurança da Presidência da República admitiria isso, e tem o diálogo que teve com o próprio presidente. Isso é de uma gravidade muito grande.
ÉPOCA – O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que não vai analisar os pedidos de impeachment como se fosse um “drive-thru”. O que a OAB acha?
Lamachia – A prerrogativa de exame de um procedimento de impeachment é do presidente da Câmara dos Deputados, mas toda prerrogativa traz consigo uma responsabilidade. Imagino que ele deva sintonizar o pedido de impeachment com a expectativa da sociedade em relação a seu papel.
ÉPOCA – Se rejeitados todos os pedidos de impeachment, a OAB vai se alinhar ao pedido de renúncia do presidente?
Lamachia – A renúncia é um ato personalíssimo. A solução para este momento pode passar, pelo estágio em que o processo está, por uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral.
ÉPOCA – Com a eventual queda do presidente, que alternativas a OAB defende?
Lamachia – O cumprimento estrito da Constituição. Não podemos trabalhar com a ideia de qualquer ruptura nos termos constitucionais. O que não quer dizer que não possamos avaliar a melhora do sistema político, com PECs [Propostas de Emenda à Constituição] que estão no Congresso.
ÉPOCA – Não seria uma “pedalada constitucional” aprovar uma PEC prevendo eleições diretas já?
Lamachia – É o receio que tenho, de estarmos diante de um casuísmo. Isso não é bom em uma democracia. Enfatizando: defendo que não haja ruptura, mas não sou contra a ideia de se debater uma PEC que pretenda aprimorar o sistema político criando a ideia de eleições diretas no caso de vacância do cargo até, por exemplo, seis meses antes do final. Desde que isso não seja um casuísmo.
ÉPOCA – Dois pedidos de impeachment no intervalo de um ano e quatro meses é sintoma de uma anormalidade, não?
Lamachia – Essa situação que vivemos hoje demonstra quanto a política está totalmente comprometida e a necessidade de aprovar com muita rapidez uma profunda reforma política no Brasil. Todos os fatos denunciados nos trazem uma certeza: quanto a Ordem estava certa quando ingressou no STF com uma ação para buscar proibir o financiamento de empresas para políticos e partidos. Aí está a raiz desse processo de corrupção, a relação promíscua entre empresários e alguns políticos na busca ou do financiamento de campanha ou de benefício pessoal.
ÉPOCA – Este Congresso pode fazer a reforma política?
Lamachia – Bom, o Congresso Nacional tem legitimidade constitucional e das urnas. Temos deputados e senadores eleitos pelo voto. Temos de questionar onde erramos enquanto cidadãos, porque os políticos que aí estão hoje foram eleitos por nós. Voto não tem preço, tem consequência. A consequência de uma escolha malfeita é exatamente essa crise ética e moral sem precedentes que vemos hoje no Brasil. Eduardo Cunha, Paulo Maluf, essas pessoas não aterrissaram na Câmara do nada: foram eleitas pela sociedade e espero que, diante de tudo que estamos passando, as pessoas possam ter condição de refletir quanto é importante o voto para o desenvolvimento de uma nação.
ÉPOCA – O decreto convocando as Forças Armadas para patrulhar Brasília após atos de vandalismo se justificou?
Lamachia – A função das Forças Armadas não é essa. Deve-se recorrer às forças policiais, como a Força Nacional e a própria PM, que são preparadas e têm competência para zelar pela segurança de todos os cidadãos.
ÉPOCA – O presidente errou, então?
Lamachia – Entendo que sim.
ÉPOCA – Criminalistas renomados divulgaram manifesto com duras críticas ao juiz Sergio Moro e à Operação Lava Jato. A Lava Jato comete excessos?
Lamachia – A Lava Jato cumpre um papel fundamental, notadamente num momento de ruptura com um sistema político absolutamente comprometido. Mas sim, em determinados momentos cometeu sim, aqui e acolá, um ou outro excesso. Por exemplo, há pouco tempo tivemos uma audiência que ocorreu no Paraná em que os advogados foram proibidos de ingressar na sala de audiência com seus respectivos celulares, que são hoje um material de trabalho fundamental e indispensável para o advogado. Portanto, a prerrogativa do advogado acabou sendo violada.
ÉPOCA – Na delação, executivos da JBS relatam episódios em que escritórios de advocacia lavaram dinheiro por meio de notas fiscais frias. Para a OAB, falta uma fiscalização maior dessas atividades desses escritórios?
Lamachia – Não, a OAB tem um Código de Ética e Disciplina muito rigoroso. A Ordem tem sido proativa na condenação de advogados que se desviem do procedimento ético que o código determina. Lógico que a OAB também tem a obrigação de assegurar o devido processo legal e a ampla defesa para esses profissionais. Nesse caso da delação da JBS e esses ditos mais de 100 escritórios, eu requeri expressamente ao ministro Edson Fachin que me informe se existe alguma declaração ainda em sigilo e se há algum elemento envolvendo advogados ou escritórios de advocacia. Se tivermos qualquer prova contra um advogado, a Ordem dará tratamento de acordo com seu estatuto.
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REPORTAGEM POR : MATEUS COUTINHO 26/05/2017
Fonte: http://www.oab.org.br/noticia/55137/revista-epoca-claudio-lamachia-esses-politicos-foram-eleitos-por-nos-onde-erramos
ÉPOCA – O afastamento de Dilma Rousseff e a posse de Michel Temer ocorreram dentro das balizas da Constituição. O que deu errado para estarmos, em tão pouco tempo, diante de um novo processo de impeachment?
Claudio Lamachia – É o trato que alguns políticos hoje têm dado à coisa pública. A chapa Dilma-Temer demonstrou que alguns compromissos não foram cumpridos e agora nós vemos o desfecho desse processo. Quando Dilma foi retirada do poder, Temer assumiu, não com a legitimidade das urnas, mas com a legitimidade constitucional. Ao longo do tempo, porém, muitos equívocos foram cometidos. O primeiro deles quando o presidente da República deixa de nomear um ministério de notáveis e prioriza um ministério muito voltado para a política, com alguns investigados.
ÉPOCA – Essa aliança com investigados foi o maior erro de Temer?
Lamachia – O principal erro do presidente foi não ter aproveitado o momento para romper definitivamente com determinadas práticas políticas que a sociedade brasileira hoje tem repelido.
ÉPOCA – Qual crime o presidente Temer cometeu no episódio envolvendo Joesley Batista?
Lamachia – Para a OAB, o presidente cometeu crime de responsabilidade. Essa avaliação não está vinculada especificamente aos áudios. Está muito mais fundada no que o presidente não disse em suas manifestações à nação. O mais grave é o fato de o presidente afirmar que escutou Joesley [dizer que subornara um procurador e um juiz], mas que não o levou em consideração porque ele seria um “fanfarrão” e “delinquente”. Isso é seriíssimo, porque alguns dos fatos narrados naquele diálogo se confirmaram, são graves, e o presidente nada fez. Não estamos discutindo palavras trocadas, se foi mais ou menos incisiva a conversa, ou se o áudio teve uma ou duas edições. O que a OAB levou em conta foi a palavra do próprio presidente em seus posicionamentos à nação, em que ele torna os fatos incontroversos.
ÉPOCA – Há outros fatos...
Lamachia – Sim. O primeiro deles, a audiência foi marcada s no Palácio do Jaburu, tarde da noite, sem constar da agenda. O empresário entrou no Palácio com um nome falso e eu não posso crer que a segurança da Presidência da República admitiria isso, e tem o diálogo que teve com o próprio presidente. Isso é de uma gravidade muito grande.
ÉPOCA – O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que não vai analisar os pedidos de impeachment como se fosse um “drive-thru”. O que a OAB acha?
Lamachia – A prerrogativa de exame de um procedimento de impeachment é do presidente da Câmara dos Deputados, mas toda prerrogativa traz consigo uma responsabilidade. Imagino que ele deva sintonizar o pedido de impeachment com a expectativa da sociedade em relação a seu papel.
ÉPOCA – Se rejeitados todos os pedidos de impeachment, a OAB vai se alinhar ao pedido de renúncia do presidente?
Lamachia – A renúncia é um ato personalíssimo. A solução para este momento pode passar, pelo estágio em que o processo está, por uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral.
ÉPOCA – Com a eventual queda do presidente, que alternativas a OAB defende?
Lamachia – O cumprimento estrito da Constituição. Não podemos trabalhar com a ideia de qualquer ruptura nos termos constitucionais. O que não quer dizer que não possamos avaliar a melhora do sistema político, com PECs [Propostas de Emenda à Constituição] que estão no Congresso.
ÉPOCA – Não seria uma “pedalada constitucional” aprovar uma PEC prevendo eleições diretas já?
Lamachia – É o receio que tenho, de estarmos diante de um casuísmo. Isso não é bom em uma democracia. Enfatizando: defendo que não haja ruptura, mas não sou contra a ideia de se debater uma PEC que pretenda aprimorar o sistema político criando a ideia de eleições diretas no caso de vacância do cargo até, por exemplo, seis meses antes do final. Desde que isso não seja um casuísmo.
ÉPOCA – Dois pedidos de impeachment no intervalo de um ano e quatro meses é sintoma de uma anormalidade, não?
Lamachia – Essa situação que vivemos hoje demonstra quanto a política está totalmente comprometida e a necessidade de aprovar com muita rapidez uma profunda reforma política no Brasil. Todos os fatos denunciados nos trazem uma certeza: quanto a Ordem estava certa quando ingressou no STF com uma ação para buscar proibir o financiamento de empresas para políticos e partidos. Aí está a raiz desse processo de corrupção, a relação promíscua entre empresários e alguns políticos na busca ou do financiamento de campanha ou de benefício pessoal.
ÉPOCA – Este Congresso pode fazer a reforma política?
Lamachia – Bom, o Congresso Nacional tem legitimidade constitucional e das urnas. Temos deputados e senadores eleitos pelo voto. Temos de questionar onde erramos enquanto cidadãos, porque os políticos que aí estão hoje foram eleitos por nós. Voto não tem preço, tem consequência. A consequência de uma escolha malfeita é exatamente essa crise ética e moral sem precedentes que vemos hoje no Brasil. Eduardo Cunha, Paulo Maluf, essas pessoas não aterrissaram na Câmara do nada: foram eleitas pela sociedade e espero que, diante de tudo que estamos passando, as pessoas possam ter condição de refletir quanto é importante o voto para o desenvolvimento de uma nação.
ÉPOCA – O decreto convocando as Forças Armadas para patrulhar Brasília após atos de vandalismo se justificou?
Lamachia – A função das Forças Armadas não é essa. Deve-se recorrer às forças policiais, como a Força Nacional e a própria PM, que são preparadas e têm competência para zelar pela segurança de todos os cidadãos.
ÉPOCA – O presidente errou, então?
Lamachia – Entendo que sim.
ÉPOCA – Criminalistas renomados divulgaram manifesto com duras críticas ao juiz Sergio Moro e à Operação Lava Jato. A Lava Jato comete excessos?
Lamachia – A Lava Jato cumpre um papel fundamental, notadamente num momento de ruptura com um sistema político absolutamente comprometido. Mas sim, em determinados momentos cometeu sim, aqui e acolá, um ou outro excesso. Por exemplo, há pouco tempo tivemos uma audiência que ocorreu no Paraná em que os advogados foram proibidos de ingressar na sala de audiência com seus respectivos celulares, que são hoje um material de trabalho fundamental e indispensável para o advogado. Portanto, a prerrogativa do advogado acabou sendo violada.
ÉPOCA – Na delação, executivos da JBS relatam episódios em que escritórios de advocacia lavaram dinheiro por meio de notas fiscais frias. Para a OAB, falta uma fiscalização maior dessas atividades desses escritórios?
Lamachia – Não, a OAB tem um Código de Ética e Disciplina muito rigoroso. A Ordem tem sido proativa na condenação de advogados que se desviem do procedimento ético que o código determina. Lógico que a OAB também tem a obrigação de assegurar o devido processo legal e a ampla defesa para esses profissionais. Nesse caso da delação da JBS e esses ditos mais de 100 escritórios, eu requeri expressamente ao ministro Edson Fachin que me informe se existe alguma declaração ainda em sigilo e se há algum elemento envolvendo advogados ou escritórios de advocacia. Se tivermos qualquer prova contra um advogado, a Ordem dará tratamento de acordo com seu estatuto.
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REPORTAGEM POR : MATEUS COUTINHO 26/05/2017
Fonte: http://www.oab.org.br/noticia/55137/revista-epoca-claudio-lamachia-esses-politicos-foram-eleitos-por-nos-onde-erramos
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