Os grupos de terrorismo paramilitar da Colômbia representam organizações de direita
REUTERS/Jose Miguel Gomez
Cientistas submeteram 66 terroristas paramilitares da Colômbia a vários testes e comparam os resultados com um grupo de homicidas e com outro de não criminosos.
Dito assim parece tudo menos surpreendente. Uma equipa de
investigadores da área das neurociências e psicologia avaliou um grupo
de terroristas paramilitares da Colômbia e concluiu que têm o juízo
moral distorcido. Submetidos a vários testes, estes terroristas que
estiveram presos e revelaram que consideram, por exemplo, que fazer mal a
alguém com um propósito é mais admissível do que ferir alguém
acidentalmente. Para eles, concluem os autores o artigo publicado na
revista Nature Human Behaviour, “os fins justificam os meios”.
A conclusão de que os terroristas têm um julgamento moral distorcido
parece algo óbvia para o comum dos mortais, sobretudo nos dias que
correm. Porém, essa é apenas a diferença mais evidente e significativa
da investigação que comparou um grupo de terroristas com pessoas que
nunca praticaram um acto criminoso e mesmo com homicidas condenados, e
que envolveu outras variáveis. O estudo que se baseou em vários testes
realizados a 66 terroristas paramilitares da Colômbia que cumpriram pena
de prisão (em média cada um deles causou 33 vítimas mortais), avaliou
também as capacidades intelectuais e motoras, o comportamento agressivo e
o reconhecimento emocional, entre outros traços.
Segundo este
estudo, o que separa estes terroristas e um grupo de 13 assassinos
condenados e um outro grupo de 66 pessoas (das mesmas idades, formação
académica e género) que nunca cometeram um acto criminoso é claramente o
a diferença no que chama de “cognição moral”. Perante cenários que
exigiam que julgassem uma determinada acção praticada, com uma intenção
ou de forma acidental, e das suas consequências, os terroristas
mostraram que estão focados sobretudo nos resultados. “Para eles, os
fins justificam os meios”, referem os autores do estudo.
Entre muitas outras comparações feitas no estudo, os autores notam
que o grupo de não criminosos considerou que fazer mal a alguém de forma
acidental era mais admissível do que um dano intencional, com um
propósito. A diferença de “pontuação” dada a estas situações foi a mesma
no grupo dos terroristas mas de forma inversa, mostrando que
consideravam “um dano intencional como mais permissível do que um
acidental”, refere o artigo. Os resultados sugerem que a distorção da
cognição moral será mesmo um traço distintivo, um marcador, da
mentalidade de um terrorista.
Os testes revelaram outras
diferenças. Por exemplo, nas escalas que servem para avaliar a
agressividade, os terroristas conseguiram valores mais elevados em todos
os parâmetros e sobretudo na agressividade proactiva. No que se refere
aos testes sobre o reconhecimento emocional, os resultados também
mostram diferenças: com os terroristas a obter valores mais baixos em
todas as emoções a que foram expostos, desde o medo, a raiva, a
tristeza, surpresa e a repugnância. Porém, sublinha-se, os
investigadores concluíram que é a diferença na cognição moral que mais
claramente distingue o grupo de terroristas dos outros grupos.
No
que se refere a outras variáveis avaliadas, como a inteligência verbal e
fluida (que serve para resolver problemas imediatos), memória verbal e
espacial, controlo da inibição verbal ou conflito de instruções, entre
outras, a “classificação” obtida pelo grupo dos terroristas e do grupo
de controlo foi muito semelhante.
Os investigadores asseguram que
os terroristas paramilitares avaliados neste estudo não sofrem de
qualquer perturbação psiquiátrica ou neurológica nem são consumidores de
drogas ou álcool, factores que teriam uma influência nos resultados.
Por outro lado, o tempo de cumprimento de pena também foi tido em conta
para perceber se este poderia ter afectado o juízo moral destas pessoas.
“Não encontrámos nenhuma associação significativa entre o padrão moral
específico revelado pelos terroristas e o tempo que passaram na prisão”,
referem os autores.
A equipa estudou elementos de grupos de
terrorismo paramilitar da Colômbia que representam organizações de
direita inicialmente formadas para responder aos movimentos das
guerrilhas. “As suas práticas violentas aumentaram de forma tão abrupta
que a Colômbia tem hoje dos mais altos níveis de terrorismo em todo o
mundo”, refere o artigo, que adianta ainda que a Amnistia Internacional
estima que, nas últimas duas décadas, pelo menos 70 mil pessoas foram
mortas por terroristas neste país. Milhares de pessoas desapareceram,
foram raptadas e torturadas. Porquê? Em nome de quê? “Paradoxalmente, os
terroristas justificam as suas acções por imperativos morais. De facto,
eles invocam a necessidade de uma ‘limpeza social’, matando milhares de
toxicodependentes, criminosos, prostitutas, homossexuais e sem-abrigo
em nome de uma campanha de ‘purificação moral’.”
E os terroristas que matam a Europa?
O
que separa estes terroristas dos autores dos atentados que temos tido
na Europa? “Não nos parece que o terrorismo paramilitar e outras formas
de terrorismo sejam diferentes no que diz respeito ao recurso a práticas
desumanizantes, ao abuso de inocentes e à consequente condenação moral
que merecem. No entanto, pode haver diferenças nas origens e traços
psicológicos de diferentes formas de terrorismo”, referem ao PÚBLICO,
por email, Agustín Ibáñez e Adolfo Garcia, dois dos principais autores do estudo.
Mas,
notam, há diferenças. Na população que estudaram a religião não é
relevante, por exemplo. E mesmo a questão ideológica apenas terá um
impacto parcial. “Grande parte dos ex-combatentes na Colômbia aderiu a
grupos paramilitares por razões económicas, uma vez que lhes era pago um
salário. Apenas aproximadamente 13% dos ex-combatentes tinha uma
motivação ideológica para se juntarem ao grupo paramilitar”, explicam os
investigadores. Assim, os actos terroristas dificilmente terão sido
praticados apenas por convicções ideológicas. “Consistentemente, as
teorias das ciências sociais sugerem que ideologia e acção estão ligadas
às vezes, mas nem sempre. Muitos terroristas não são ideólogos ou
crentes profundos de uma doutrina extremista”, explicam os autores do
artigo.
Mas, para além desses factores, Agustín Ibáñez e Adolfo
Garcia defendem que, se olharmos com mais detalhe para todo o contexto, o
conflito colombiano parece ser único. “A luta tripartida entre
militares, paramilitares e guerrilheiros, a mistura de posições
políticas liberais e conservadoras envolvidas no conflito, e a mistura
da população civil, bem como narcotraficantes nesses conflitos fizeram
do cenário colombiano um fenómeno único e muito complexo”, argumentam.
Porém,
apesar da especificidade colombiana e quando questionados pelo PÚBLICO
sobre o mais recente ataque na Europa, ocorrido na última segunda-feira
em Manchester (Reino Unido), os investigadores não hesitam em considerar
que esta acção confirma as conclusões do estudo que fizeram: para os
terroristas, os fins justificam os meios.
Mas, adiantam, “se este
padrão anormal de cognição moral pode ser observado entre outros grupos
terroristas (ISIS e Al-Queda) é uma questão empírica e ainda sem
resposta”.
Quando somos confrontados com vítimas inocentes tão
jovens (crianças e adolescentes foram mortas e feridas em Manchester),
será caso para nos questionarmos se os terroristas (estes ou outros) têm
limites. “Claro que pessoalmente percebemos que não têm limites para
alcançar os seus objectivos. Porém, como cientistas não nos sentimos
autorizados a dar opiniões sobre os traços psicológicos destes
terroristas, simplesmente porque não temos acesso a dados sobre os seus
perfis cognitivos, afectivos e sociais. No entanto, as suas acções
parecem claramente organizadas e delimitadas, sugerindo que são capazes
de ir demasiado longe para cumprir os seus objectivos”, respondem.
A
equipa internacional que elaborou o estudo reúne neurocientistas,
psicólogos e outros especialistas de várias instituições na Argentina
(Fundação Ineco, Universidade Favaloro e Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico), na Colômbia (Universidade
Autónoma do Caribe, Universidade dos Andes e Universidade ICESI), no
Chile (Universidade Adolfo Ibáñez) e nos EUA (Boston College).
O
próximo passo da investigação ainda não é na direcção dos terroristas
islâmicos ou outros, mas vai manter-se em terreno colombiano. “Estamos
agora a estudar as vítimas do conflito armado. Além disso, estamos a
começar a avaliar crianças sob condições violentas na guerrilha. Por
outro lado, também estamos a estudar os perfis sociais e cognitivos dos
paramilitares, comparando-os com pessoas da guerrilha. Por fim, também
lançámos (em colaboração com agências nacionais da Colômbia) alguns
programas de intervenção em populações desmobilizadas e ex-combatentes,
com base nos quais estamos a realizar estudos longitudinais.” Assim, na
Colômbia, há várias frentes de ataque científico que pretendem explorar e
desmascarar o inimigo terrorista. É uma forma de luta.
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Fonte: https://www.publico.pt/2017/05/27/ciencia/noticia/os-terroristas-tem-uma-distorcao-do-juizo-moral-esta-confirmado-1773563
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