Foto REUTERS/John Gress
Há um lado negro do poder. Uma investigadora portuguesa da University
College de Londres analisou vários estudos feitos nos últimos 15 anos
para perceber como são e o que fazem as pessoas que chegam ao poder.
São geralmente as primeiras pessoas a falar num grupo, falam mais,
falam mais alto, muitas vezes interrompem os outros, são confiantes,
dominadoras, podem ser egocêntricos e reagir de forma agressiva quando
ameaçados. Definem metas, correm mais riscos, agem e decidem depressa.
Em determinadas circunstâncias podem ser corrompidos e corromper, trair e
negligenciar as necessidades de terceiros. Conhece alguém assim? Este é
o retrato resumido (e simplificado) de uma pessoa com poder, segundo um
artigo publicado na edição deste ano da revista Annual Review of Psychology.
Ana Guinote é professora de psicologia experimental na University
College de Londres e publicou o estudo com o título: “Como o poder
afecta as pessoas: Accionar, Procurar e Definir Metas”. A investigadora
analisou diversos artigos publicados nos últimos 15 anos de várias
áreas, desde a psicologia às neurociências, passando pela gestão. No
artigo há vários exemplos de experiências realizadas. Há por exemplo um
inquérito feito a deputados do Parlamento inglês, que revelou que a
capacidade de decisão de um primeiro-ministro é mais valorizada do que a
honestidade. A investigadora fala também de estudos que associaram o
exercício de poder à activação de circuitos cerebrais relacionados com a
recompensa, o que se reflecte na libertação do neurotransmissor
dopamina.
O artigo de revisão faz cair algumas máscaras do poder. Exemplos?
Mais importante do que ser verdadeiramente inteligente, revela, será
mesmo só parecer inteligente. A investigadora nota que a inteligência
foi inicialmente considerada como um bom indicador para prever uma
posição de poder mas os estudos indicam, que, afinal, a relação entre
uma coisa e outra é fraca. Basta a reputação de inteligente – que se
consegue através da extroversão e comportamentos confiantes – para ser
um candidato mais forte a ocupar uma situação de poder.
E o mesmo vale para a competência. “No contexto social, as pessoas
dominadoras são assertivas e decididas. Esta assertividade cria a
impressão de competência, mesmo quando elas não são necessariamente mais
competentes e a competência (ou apenas a sua aparência) é o
factor-chave para chegar até um lugar de poder.”
A relação entre
testosterona e poder também tem o que se lhe diga. “Ao nível hormonal, a
testosterona tem sido associada a personalidades dominadoras”, refere o
artigo esclarecendo, no entanto, que a relação entre a hormona
masculina e o poder também é frágil. O que terá mais peso são factores
como a produção da hormona cortisol em resposta a situações de stress.
Por outro lado, nota a investigadora, a relação seria sempre recíproca
porque ter poder também pode aumentar os níveis de testosterona.
Quem chega lá?
Na cabeça de Trump
https://www.publico.pt/2016/06/12/mundo/noticia/na-cabeca-de-donald-trump-1734563
Se tivéssemos que escolher os principais traços de personalidade de
um forte candidato a uma posição de poder, a autoconfiança, o optimismo e
um carácter dominador tinham de surgir no topo da lista. “São as
pessoas que sabem dar uma resposta às necessidades de um grupo que
tendem a emergir como líderes mais facilmente”, refere Ana Guinote ao
PÚBLICO, acrescentando que “têm uma grande autoconfiança, que aumenta
quando têm poder”.
Os estudos que faz em laboratório confirmam que
estas pessoas “são muito voltadas para a acção, tomam decisões mais
rápido, com mais determinação e com uma visão clara”. Tudo isto é bom.
No entanto, o facto de serem muito voltadas para os seus objectivos e
metas faz com que muitas vezes descurem outros aspectos “como o contexto
social e as necessidades das pessoas à volta”.
Nota-se assim,
“uma certa tendência, um certo enviesamento” para o egoísmo. “Mas não é
por causa do poder em si próprio, mas geralmente porque alguma coisa já
existe nessas pessoas. O poder abre as portas, dá espaço para
defendermos o que achamos importante que, nesse caso, podem ser os
próprios interesses. O poder aumenta a personalidade das pessoas.”
Desfaça-se
o possível equívoco: o poder não é um território frequentado apenas por
más pessoas. “Uma pessoa que não seja egoísta quando tem poder não vai
ficar mais egoísta por isso. Há muitos líderes que servem a sociedade e
que são muito voltados para o interesse dos outros”, esclarece a
investigadora, que conclui: “o poder é sempre um risco.”
Um dos
perigos mais evidentes é também a vulnerabilidade à corrupção,
acrescenta Ana Guinote, que reconhece que as pessoas com poder são
corrompidas e corrompem mais facilmente. Não só porque o poder lhes dá
“espaço de manobra” mas também porque são como são: dominadoras, focadas
nos objectivos. Porém, mais uma vez é a personalidade da pessoa que
acaba por ser o factor mais determinante, sendo, por isso, necessário
que exista já uma tendência para a corrupção e que, numa situação de
poder, ganha força.
A separação entre o lado negro do poder e o
lado mais positivo do poder faz-se muitas vezes com a interferência do
ambiente, do grupo, da cultura em que a liderança é exercida. “A cultura
organizacional, social, é importante porque no fundo os poderosos em
termos evolutivos surgem porque defendem os interesses dos grupos.
Normalmente, as pessoas com poder assumem metas organizacionais, metas
relacionadas com o seu papel.” E, constata, há organizações que são mais
voltadas para as pessoas, outras mais voltadas para a produção, para o
lucro.
“Os que têm poder são focados em objectivos e se a
organização, por exemplo, estiver muito centrada no produto, na parte
financeira, os líderes vão ter isso como objectivo principal e podem
negligenciar os trabalhadores, as pessoas à sua volta ou outros
aspectos. Por isso, a cultura é uma maneira de ter algum controlo sobre
as pessoas que têm poder”, defende Ana Guinote. Um dos estudos citados
no artigo da investigadora envolveu um questionário a empresários de 15
países a quem foi pedido que fizessem uma lista com os seus principais
objectivos. O crescimento do negócio estava no topo da lista seguido da
continuidade do negócio e dos lucros. Os interesses familiares estavam
no último lugar.
Mais infiéis?
Entre os vários trabalhos
analisados pela professora de psicologia experimental também há os que
se dedicaram a avaliar a vida pessoal das pessoas com poder. Focadas em
perseguir os seus objectivos, as pessoas com poder também colocam uma
dedicação especial na satisfação dos seus desejos, incluindo simples
experiências recompensadoras como comer bem ou fazer sexo, constata Ana
Guinote. Resultado: há mais infidelidade e casos de assédio sexual entre
os “poderosos”, nota a investigadora. “As pessoas no poder são mais
autoconfiantes e isso manifesta-se em vários contextos, também no
domínio romântico. Mas é importante referir que é algo que acontece a
homens e mulheres. As mulheres que têm poder também são mais infiéis”,
explica, acrescentando que “o poder parece abrir as portas para tudo o
que se possa desejar”.
E pode tornar-se um vício? “As pessoas
quando têm poder não querem perdê-lo. Pode ser uma espécie de um vício. A
questão é saber se o poder dá prazer.” Os estudos com modelos animais
que olharam para dentro do cérebro, e que revelaram que este tipo de
papel desencadeia a produção de dopamina e a activação dos circuitos
cerebrais associados à recompensa, parecem indicar que sim: o poder dá
prazer.
Há muitas formas de poder que jogam com múltiplos traços
de personalidade. Mas há traços comuns no arriscado exercício do poder,
como mostra Ana Guinote que em Junho deverá lançar um livro em
co-autoria com Arménio Rego, da Faculdade de Economia e Gestão da
Católica do Porto (ou Católica Porto Business School, no nome oficial), e
Miguel Cunha, da Faculdade de Economia e Gestão da Nova (Nova Business
School, no nome oficial), com o título: “Poder: Veneno e Remédio”. Para
já, acredita que o artigo de revisão agora publicado na revista Annual Review of Psychology
pode ser útil para evitar o veneno ou o “lado negro do poder”. “É
importante que, através do treino, se contrarie a tendência das pessoas
que estão no poder para serem demasiado focadas nas metas,
organizacionais ou pessoais. O treino, de facto, funciona. Depois
pode-se alterar a cultura das organizações para que estejam mais
conscientes e vigilantes para este tipo de perigos associados ao poder: a
tendência para a corrupção ou outros. Devemos também ter o cuidado de
seleccionar pessoas para ocupar cargos de poder que tenham um certo
perfil pessoal que favoreça as relações com os outros, o respeito.”
O
artigo de Ana Guinote não faz distinções de idades no que toca a poder.
Porém, a investigadora adianta que as crianças têm um código diferente e
que, até por volta dos sete anos, é a força física que distingue quem
tem ou não tem poder. Depois, o “estatuto” no grupo começa a ganhar
importância. E os mais velhos? “Neste momento, estou a comparar os
efeitos do poder ao longo do desenvolvimento adulto. Por exemplo, casos
como Donald Trump ou Theresa May que são pessoas com poder e que são
mais velhas. Não se sabe muito bem como é que o poder afecta as pessoas
depois da meia-idade. Os estudos são feitos normalmente com pessoas mais
novas.” Para já, Ana Guinote descreve o actual Presidente dos Estados
Unidos como alguém que “parece uma pessoa bastante dominadora e muito
voltada para o uso de força”. Alguém discorda?
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Fonte: https://www.publico.pt/2017/05/01/ciencia/noticia/o-que-e-que-o-poder-faz-as-pessoas-1769022
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