Luiz Felipe Pondé*
A
primeira vez que ouvi a expressão "cansaço dos materiais", de um
amigo engenheiro, me pareceu muito peculiar, uma vez que significa que pontes,
cimento, prédios, ferros se cansam. Se eles, que são indestrutíveis, se cansam,
que dirá nós.
Achei,
com o tempo, que se tratava de uma expressão de rara elegância. Até os átomos
ficam de saco cheio de viver na função de ser átomo. Uma ponte cansa de ser
ponte, um prédio de ser prédio, uma viga de ferro de ser viga de ferro.
Pareceu-me ser este cansaço indício de que exista um Deus. E que os materiais
foram feitos também à sua imagem e semelhança. E que não haveria um Deus mais
sincero do que um Deus cansado do que criou.
Somos
um mundo fadado ao cansaço, mas sem direito a ele. O imperativo do sucesso é a
prova de que nosso mundo está condenado. O simples fato de que o normal,
esperado e necessário, é o crescimento econômico eterno já nos devia fazer
duvidar do que fazemos todo dia.
Você
é uma daquelas pessoas que pensam ter resolvido esse problema só porque tem
tempo de ir a pé para o trabalho? Ou come sem pressa de manhã porque esse
hábito em nada vai alterar sua capacidade de consumo? Bem, se você for uma
dessas pessoas, ou é rica ou não tem qualquer possibilidade de sobreviver (e
nesse caso não estaria me lendo nesse exato instante, estaria passando fome em
algum lugar), ou vive só com muito pouco e jamais deixará de ser só porque faz
parte da cultura single (hoje em dia o marketing dá nomes em inglês para
justificar seus custos, tipo "cozinhar em casa" virou "comida
comfort"), ou seu pai paga pra você não ter pressa de manhã e você fará
duas pós-graduações, uma em Nova York e outra em Barcelona.
Não
há saída dessa economia non-stop. Quer saber por que não há saída? É fácil
descobrir. Venha comigo. Quem pode abrir mão de wi-fi, cultura mobile, Airbnb,
aviões cada vez mais seguros, direitos civis cada vez mais definidos, hospitais
cada vez mais equipados, exames laboratoriais cada vez mais precisos, Netflix,
gente fácil pra fazer sexo sem encher o saco depois, bikes cada vez mais leves,
crianças cada vez mais caras e da cidade de Gonçalves como paradigma de gente
bacana, tolerante e cool (esse tipo de gente custa muito caro)?
Ninguém
abrirá mão dessas coisas, e muitas outras —a lista é interminável e cansativa,
então não vou insistir nela.
Nunca
houve na Terra uma geração de jovens mais cansada e sem futuro. Claro que falam
muito deles como estrelas high-tech. Uma mistura de high-tech com sensibilidade
vegana. Pais babam quando bebês colocam os dedinhos na tela do iPhone 7 e
sorriem. Como são inteligentes esses pequenos!
Ouço
constantemente de jovens que eles são narcisistas, intolerantes com pessoas
reais (e tolerantes com rúculas, baleias e crianças na África), ansiosos e
arrogantes porque nós lhes legamos um mundo em chamas. Um mercado de trabalho
incerto os acompanha há algum tempo. Alguns idiotas da tecnologia acham que o
Chatbot fará um mundo melhor graças a sua brilhante inteligência artificial. O
novo gozo é com o "algoritmo", mas o que ele vai fazer mesmo é
destruir empregos na velocidade da luz. Esses idiotas da tecnologia se julgam
mais livres porque trabalham pelo WhatsApp em casa no domingo.
Mas
como escapar dessa economia frenética, se o Waze e o Uber são formas de
algoritmo, e se sem esses dois as pessoas bacanas não existem? E temos que
criar algoritmos cada vez melhores e mais rápidos e mais precisos para termos
mais gente superbacana.
Todos
os que afirmam ser possível escapar desse frenesi da produção têm um neurônio a
menos. Faça um teste e liste o que você considera essencial pra sua vida. Sem
mentir, tá? Se pegar um celular na mão, desista de qualquer utopia, você já
perdeu a partida porque esse seu celular "cool", provavelmente,
depende de salários baixos em algum elo da cadeia produtiva, do contrário ele
seria ainda mais caro do que é.
A
China venceu. Você compra roupa "cool" feita por mão de obra quase
escrava sem culpa porque no Facebook xinga o Trump e acha o Haddad um grande
estadista.
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela
Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião,
ciência. Escreve às segundas
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2017/05/1888206-idiotas-da-tecnologia-se-julgam-livres-porque-trabalham-usando-whatsapp.shtml
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