Para o economista, o desequilíbrio das contas fiscais é 'brutal' e não há mágica para resolver este problema
SÃO PAULO - O economista Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, afirma que a aprovação da reforma da Previdência é fundamental para evitar que o Brasil fique insolvente e volte a ter crescimento econômico. O desequilíbrio das contas fiscais brasileiras é "brutal" e não há mágica que resolva este problema, é preciso fazer o ajuste e avançar com as reformas. Se a sociedade não quiser mudanças na aposentadoria, é só esperar pelo precipício, disse ele ao Broadcast em seu escritório nesta quarta-feira, 2.
Delfim avalia que o presidente Michel Temer está indo no caminho certo, mas vai ficar só com o ônus das reformas. O bônus, disse ele, vai ficar para o próximo presidente, eleito em 2018, e para "nossos filhos e netos”. Leia a seguir trechos da entrevista:
Broadcast: A reforma da Previdência proposta pelo governo é correta?
Delfim Netto: Eu acho que foi uma boa proposta. Está sendo corrigida no Congresso e aqui é preciso dizer o seguinte. Quando o Congresso corrige uma proposta do Executivo, não significa que o Executivo está perdendo, que está cedendo. O poder supremo de legislação está no Congresso. Portanto, o Legislativo, que foi eleito legitimamente, representa a sociedade na formulação destas reformas. O que o Legislativo decidir é o máximo que a sociedade quer.
A reforma da Previdência nos moldes que ficou vai contribuir para melhorar as contas fiscais?
Sim, sem dúvida. É claro que não terá o mesmo efeito que teria a reforma original. Mas é aqui que eu digo, a reforma que vai sair é a reforma consistente com a vontade da sociedade e mais do que isso, se a sociedade disser, "não quero reforma", não há o que reclamar, é esperar o precipício. Depois não se queixa na hora que cair. Sem o ajuste fiscal, vai juntar pé com cabeça, vai destruir tudo, no final nem as aposentadorias serão pagas. Como já vem acontecendo no Rio. Vamos continuar desregrados e caminhar para a insolvência. Ou seja, o final de tudo é que a defesa intransigente de uma Previdência generosa é a morte da Previdência.
Broadcast: Se houver muitas concessões na reforma da Previdência, vai ser preciso ser feita outra nos próximos anos?
Mesmo com esta reforma, se sair agora como está, daqui a 5 anos vai precisar de outra. Aqui eu queria chamar atenção para um fato. A aprovação não vai dar nenhuma bônus para o Temer, pelo contrário, o Temer só vai levar o ônus. O bônus quem vai levar são os próximos governos e nossos filhos e netos. Você teve que acomodar a regra de transição, o que é natural, é normal. A regra feita pelo burocrata era muito dura.
Qual o principal ponto da reforma?
A idade mínima é fundamental. É difícil você entender a histeria do combate à reforma, porque ela esconde uma única coisa, o interesse dos histéricos. A oposição é o estamento estatal que se apropriou do poder no Brasil. Pode observar, a maioria dos opositores são funcionários públicos, bem acomodados e que não compreendem uma coisa elementar, que aliás o Brasil esqueceu. Para ser funcionário público você tem que passar por um teste de honestidade, tem um concurso. Depois do concurso você tem a garantia da estabilidade, dos salários, a irredutibilidade dos salários, tem a aposentadoria integral. Por que em todo lugar do mundo é proibida a greve do funcionalismo público? Ele não tem o que reivindicar. A sociedade deu pra ele tudo o que era preciso.
A reforma da Previdência e outras medidas vão permitir que os juros reais caiam mais no Brasil?
Ninguém sabe qual a taxa de juros real de equilíbrio no
Brasil. É evidente que esta taxa depende da conjuntura. Ora, a reforma
da Previdência junto com o teto dos gastos, junto com as medidas
microeconômicas, vai provocar uma queda na taxa da taxa de juros real de
equilíbrio, se é que ela existe. O custo da dívida pública vai
encolher. Este encolhimento mais os recursos promovidos por uma correção
justa da Previdência vai liberar recursos para a saúde, educação,
investimento em infraestrutura, sem os quais o Brasil nunca mais vai
voltar a crescer.
O Banco Central está agindo corretamente no ciclo atual de corte de juros?
O que eu vejo com muita alegria é que o BC, que recebeu
plena autonomia do Temer, está agindo com muito cuidado, soube esperar a
oportunidade, resistiu, na verdade, aos apelos afoitos de que reduzisse
mais rapidamente a taxa de juros. Isso não funciona. Isso cria
surpresas no mercado financeiro que se voltam contra você mesmo. Eu
acredito que o BC tem consciência deste problema. Ele tem que ir como
está indo.
Porque a retomada da economia está sendo tão lenta?
Na verdade, o desarranjo fiscal é brutal. Nós queremos
ignorar este fato e insistir como se existisse mágica. Você destruiu, na
verdade, o equilíbrio fiscal do Brasil, mas destruiu de maneira muito
profunda. As implicações desta destruição são enormes na economia. Eu
acho que a escolha que o Temer adotou é correta. É corrigir alguns
desequilíbrios que são tão visíveis e que têm implicação global. Um é no
nível macroeconômico, que é na verdade o problema da Previdência, e o
outro é no nível micro, que é o problema trabalhista. Os dois devem
conduzir lentamente para melhorar as condições da economia. Por que você
não pode ampliar o investimento hoje? Porque você está consumindo parte
importante do Produto Interno Bruto (PIB) em uma Previdência Social
extremamente generosa.
Como o senhor avalia a reforma trabalhista aprovada na Câmara na semana passada?
É correta. Você pode ter uma divergência aqui e ali, mas
é óbvio que o axioma da justiça do trabalho, que é ela mesma um pouco
extravagante, é de que o trabalhador é um hipossuficiente e não sabe
quais são seus interesses e que todo empresário é ladrão. Portanto,
precisa de um juiz honesto para arbitrar estas relações. Isto é produto
de uma concepção absolutamente equivocada. E no fundo esta legislação
foi avançada para o momento em que ela foi feita, no tempo do
(presidente ) Getúlio (Vargas), mas que hoje obviamente está
(desatualizada), porque mudou a qualidade do trabalho, mudou a natureza
do trabalho.
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Reportagem por
Altamiro Silva Junior
03 Maio 2017 |
Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,sem-reforma-da-previdencia-e-esperar-pelo-precipicio-diz-delfim-netto,70001762125?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=manchetes
Foto: Hélvio Romero/Estadão
Foto: Hélvio Romero/Estadão
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