Martha Medeiros*
Nunca escondi que meu maior desejo de criança era me
tornar adulta. Desde pequena, intuía que seria a parte mais divertida da
minha história
Outro dia li um artigo que denunciava como alienante uma prática familiar: a de excluir as crianças da mesa dos adultos na hora das refeições, preparando uma separada para elas.
Quando eu era criança, isso acontecia apenas em dia de festa, quando havia muitos convidados. Nos almoços e jantares diários, em casa, comíamos todos juntos, lógico. Porém, o artigo condenava até mesmo que se fizesse essa separação em ocasiões especiais. Segundo o autor, a prática é traumática e impede a criança de estreitar o vínculo com o pai e a mãe.
Eu devo estar virando matusalém antes do tempo, pois já entrei na fase de achar que tudo isso é mimimi, que estão promovendo besteiras como se assunto sério fosse.
Nunca escondi que meu maior desejo de criança era me tornar adulta. Desde pequena, intuía que seria a parte mais divertida da minha história (uma amiga, outro dia, escutou eu dizer isso e me olhou com uma candura que até me comoveu, ela chegou a murmurar um “coitada” entre os lábios, mas cada qual com seu defeito de origem, esse é um dos meus e nem é dos mais graves). Brincar de boneca, andar de balanço, pedalar, subir em árvore: tudo muito emocionante, eu adorava. Mas o que dizer sobre viajar para Londres, namorar, pegar uma estrada, ver filmes até tarde, beber vinho, ler livros sem figuras – tem comparação? A mim sempre pareceu um confronto desleal. Se alguém aí levantar a questão da inocência perdida, a boa notícia é que a minha segue firme e forte. Somos todos crianças grandes, só as brincadeiras é que mudaram.
Pensando assim, seria de se esperar que eu não aprovasse a ideia de sentar numa mesa só para crianças, sendo excluída do mundo adulto, mas eu sentia justamente o contrário: estando em meio aos adultos, eu teria alguém para servir meu prato, para me mandar repetir a lasanha, para vigiar meus modos, e eles conversariam entre si em voz baixa ou através de metáforas sobre algo que considerassem impróprio aos meus ouvidos, o que era humilhante.
Numa mesa sem a presença deles, eu poderia brincar de ser gente grande, enfim.
A mesa era menor, improvisada, exclusiva para meus primos e eu, todos mais ou menos com a mesma idade – pouca. Eu me sentia num restaurante entre amigos, sem nenhuma vigilância, exercendo um papel que eu não via a hora de estrear pra valer: o de estar sob minha própria responsabilidade. E conversando sobre assuntos que os adultos não poderiam escutar, claro. Direitos iguais.
Pelo visto, ainda sou bem infantil, pois quase tudo que a pedagogia considera um trauma, eu encaro como aventura.
Outro dia li um artigo que denunciava como alienante uma prática familiar: a de excluir as crianças da mesa dos adultos na hora das refeições, preparando uma separada para elas.
Quando eu era criança, isso acontecia apenas em dia de festa, quando havia muitos convidados. Nos almoços e jantares diários, em casa, comíamos todos juntos, lógico. Porém, o artigo condenava até mesmo que se fizesse essa separação em ocasiões especiais. Segundo o autor, a prática é traumática e impede a criança de estreitar o vínculo com o pai e a mãe.
Eu devo estar virando matusalém antes do tempo, pois já entrei na fase de achar que tudo isso é mimimi, que estão promovendo besteiras como se assunto sério fosse.
Nunca escondi que meu maior desejo de criança era me tornar adulta. Desde pequena, intuía que seria a parte mais divertida da minha história (uma amiga, outro dia, escutou eu dizer isso e me olhou com uma candura que até me comoveu, ela chegou a murmurar um “coitada” entre os lábios, mas cada qual com seu defeito de origem, esse é um dos meus e nem é dos mais graves). Brincar de boneca, andar de balanço, pedalar, subir em árvore: tudo muito emocionante, eu adorava. Mas o que dizer sobre viajar para Londres, namorar, pegar uma estrada, ver filmes até tarde, beber vinho, ler livros sem figuras – tem comparação? A mim sempre pareceu um confronto desleal. Se alguém aí levantar a questão da inocência perdida, a boa notícia é que a minha segue firme e forte. Somos todos crianças grandes, só as brincadeiras é que mudaram.
Pensando assim, seria de se esperar que eu não aprovasse a ideia de sentar numa mesa só para crianças, sendo excluída do mundo adulto, mas eu sentia justamente o contrário: estando em meio aos adultos, eu teria alguém para servir meu prato, para me mandar repetir a lasanha, para vigiar meus modos, e eles conversariam entre si em voz baixa ou através de metáforas sobre algo que considerassem impróprio aos meus ouvidos, o que era humilhante.
Numa mesa sem a presença deles, eu poderia brincar de ser gente grande, enfim.
A mesa era menor, improvisada, exclusiva para meus primos e eu, todos mais ou menos com a mesma idade – pouca. Eu me sentia num restaurante entre amigos, sem nenhuma vigilância, exercendo um papel que eu não via a hora de estrear pra valer: o de estar sob minha própria responsabilidade. E conversando sobre assuntos que os adultos não poderiam escutar, claro. Direitos iguais.
Pelo visto, ainda sou bem infantil, pois quase tudo que a pedagogia considera um trauma, eu encaro como aventura.
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* Escritora. Colunista da ZH
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9796569.xml&template=3916.dwt&edition=31212§ion=1026
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