sábado, 31 de janeiro de 2009

Pensamento com sabor

"Nós estamos em busca de um AMOR
que nos carregue,
que nos deseje,
que quer que nós sejamos"
- EUGEN DREWRMANN, teólogo e psicanalista,
in IHU/Unisinos, 31/01/2009

Requiem

John Updike
OBRA PÓSTUMA Updike
refletiu sobre a própria morte em poema inédito

O escritor norte-americano John Updike, que morreu na última terça, aos 76, vítima de câncer de pulmão, temia que sua "morte tardia" fosse recebida com "olhos sem lágrimas". Essas são traduções livres de partes de versos de seu poema inédito "Requiem", previsto para ser publicado na coletânea "Endpoint" em setembro pela Alfred A. Knopf.O poema em três estrofes foi publicado anteontem no "New York Times".
Traduzido livremente, "Requiem" começa com os versos:
"Percebi outro dia:/
Se eu morresse, ninguém diria/
"Que pena! Tão jovem, tão cheio de/
promessas, de profundidade inacessível!/
Em vez disso, um encolher de ombros e olhos sem lágrimas/
vão receber minha morte tardia".
É possível ler o poema na íntegra no site do "NYT" (http://www.nytimes.com/) digitando "John Updike" no campo de busca.Updike, um dos escritores norte-americanos mais respeitados de sua geração, conhecido por retratar os dramas da América suburbana, entregou o poema junto com a coletânea ainda inédita à sua editora há algumas semanas. Segundo Nicholas Latimer, diretor de publicidade da Alfred A. Knopf, outros dois livros de Updike devem ser lançados nos EUA ainda neste ano: "My Father's Tears and Other Stories", em junho, e "The Maple Stories", em agosto.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3101200920.htm

Requiem

By JOHN UPDIKE
Published: January 28, 2009


Thomas Libetti
Related
John Updike, a Lyrical Writer of the Middle-Class Man, Dies at 76 (January 28, 2009)
Times Topics: John Updike

It came to me the other day:
Were I to die, no one would say,
“Oh, what a shame! So young, so full
Of promise — depths unplumbable!”
Instead, a shrug and tearless eyes
Will greet my overdue demise;
The wide response will be, I know,
“I thought he died a while ago.”

For life’s a shabby subterfuge,
And death is real, and dark, and huge.
The shock of it will register
Nowhere but where it will occur.

— JOHN UPDIKE
This poem is taken from John Updike’s forthcoming collection, “Endpoint and Other Poems.”

http://www.nytimes.com/2009/01/29/opinion/29updike.html?_r=1&scp=8&sq=%22John%20Updike&st=cse

Vício impunido

Wilson Martins*

A INFÂNCIA, com os livros coloridos, e logo a adolescência, é a idade ideal para incutir nas crianças o vício da leitura ­ vício impunido, como o chamava Valery Larbaud. A imprensa, nas palavras do papa Gregório XVI, é uma arte execranda e detestável, ou se preferirmos a linguagem litúrgica haec detestabilis at que execranda, condenação que a acompanhou desde as origens. O que, aliás, continua até hoje: viciado irrecuperável, Annibal Augusto Gama refere que, "há cerca de sessenta anos, no pátio do Colégio dos Maristas, em Franca, os irmãos mandavam queimar uma boa centena de livros tidos como deletérios, entre eles alguns de Monteiro Lobato", incinerado simbolicamente através dos tempos. A meiga Cecília Meireles qualificava de "detestáveis" os seus personagens, retomando, talvez sem querer, o vocabulário papal, enquanto os seus livros eram proibidos durante o Estado Novo de 1937: "o procurador Dr. Clóvis Kruel de Morais afirmava que o texto [de Peter Pan] era perigoso e alimentava nos espíritos infantis, `injustificavelmente', um sentimento errôneo quanto ao governo do país' e `incutia às crianças brasileiras a nossa inferioridade, desde o ambiente em que são colocadas até os mimos que lhes dão'" (Annibal Augusto Gama. Os diamantes de Ofir. Ribeirão Preto, SP: Funpec, 2008 e Marisa Lajolo/ João Luís Ceccantini, orgs. Monteiro Lobato de livro a livro. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008).

Assim, a leitura pode ser um vício impunido e escondido, como todos os vícios, não sendo poucas as punições que a escrita e seus autores vieram sofrendo, na fogueira, nas prisões e no exílio, "desde que há homens e que escrevem", para repetir as palavras de La Bruyère. É verdade que o procurador Kruel tinha razão: é nos mais tenros anos que devemos expor as crianças ao vício da leitura. Foi o que aconteceu com Annibal Augusto Gama: "O amor dos livros nasceu em mim quando, ainda menino, mal conseguia ler as palavras impressas. Daí para a frente, tive-os sempre comigo".

Contudo, é preciso evitar o irreparável erro pedagógico praticado nas escolas com a obstinação dos bens intencionais, que consiste em tentar despertar o "amor à leitura" com Camões e Machado de Assis impostos às crianças e adolescentes mentalmente imaturos. Os chamados "grandes escritores" só serão aceitos por inteligências literariamente educadas: "Há livros que devem ser lidos na juventude, outros na maturidade, e ainda outros na velhice. Cada um exige a época própria do leitor" (Annibal Augusto Gama). Livros que despertam o amor e, logo mais, o vício da leitura são, na adolescência, as novelas policiais e as narrativas de aventuras, que estimulam a inteligência e a ginástica mental, pondo o espírito a trabalhar, não os que o adormecem: "Quem teve a felicidade, em sua juventude, de ler essas novelas, descobrir o mundo através delas, debruçando-se também sobre a obra de Júlio Verne, sabe do que se trata".

É a biblioteca imaginária da coleção Terramarear, da Coleção Amarela e dos livros de Conan Doyle, os Negreiros da Jamaica, As minas de Salomão (o que hoje já se sabe não ter sido escrito por Eça de Queiroz), mais Jack London e Mayne Reid, sem esquecer Emílio Salgari, cujo sobrenome os nativos de sua província natal pronunciam como proparoxítono. Em lugar de supor que adolescentes de todas as idades (inclusive a mental) interessam-se por Dom Casmurro e conseguem entendê-lo, será possível introduzir José de Alencar pelas Minas de prata, não pelo Guarani.

A verdade é que cada livro não é um texto, mas um palimpsesto, no qual lemos ou relemos em filigrana todas as nossas leituras anteriores. Não há leituras definitivas: "A leitura de um livro antes lido e relido, e que, anos mais tarde você torna a pegar e a lê-lo de novo, da primeira à última página, esmoendo-o, analisando com exatidão cada frase, compreendendo tudo, interpretando cada passagem, descobrindoo que permanecia obscuro ou duvidoso, de tal sorte que, ao cabo, possa afirmar 'este eu assimilei inteiramente, não há nada mais, em todo ele, que eu não saiba`". O verdadeiro leitor não tem "livro único", mais importante que os demais, e, por isso, não pode responder a essa pergunta dos jornalistas.


E, muito menos, o livro folclórico que levaria para a ilha deserta, lugar, aliás, em que se pode pensar em tudo, menos na leitura. Nesse caso, Annibal Augusto Gama repete a resposta conhecida: "Atirados na ilha, dificilmente teremos ânimo para leituras, devendo procurar, antes de mais nada, os paus para fazer um barco que nos leve de volta (...)". O único livro a levar para a ilha é o manual de fabricação de canoas; os não-leitores denunciam-se desde logo ao declarar que levariam a Divina comédia ou as obras completas de Shakespeare, que provavelmente jamais haviam lido.

*Wilson Martins crítico literário

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Idade é só um detalhe

O envelhecimento populacional é questão a ser resolvida com
políticas públicas de comprometimento da sociedade
com a distribuição igualitária de bem-estar,
e nisso o Brasil até que não vai mal,
diz o pesquisador inglês Peter Lloyd-Sherlock.
Por Jorge Félix, para o Valor, de São Paulo
O envelhecimento populacional é muitas vezes interpretado como uma escolha entre avós e netos. Principalmente nos países em desenvolvimento, onde vive a maioria da população idosa do planeta, a tendência é encarar o fenômeno como uma obrigatória quebra do pacto intergeracional. Há mais de uma década estudando essa dinâmica demográfica no mundo menos desenvolvido, o pesquisador inglês Peter Lloyd-Sherlock desmente essa crença. Para ele, a questão, na verdade, é se as políticas públicas irão atender aos privilegiados ou aos pobres, que podem ser as maiores vítimas numa sociedade envelhecida. Um dos autores mais citados por pesquisadores brasileiros e atualmente assessor do gabinete do secretário-geral da ONU sobre o tema, Lloyd-Sherlock, nesta entrevista ao Valor, afirma que o Brasil está "envelhecendo bem", graças a seu sistema de seguridade social, e ataca a posição do Banco Mundial sobre o tema, considerada por ele "uma vergonha".


"Os idosos são vistos como altamente dependentes, economicamente e
em outras áreas,
e improdutivos.
A velhice é associada com inevitável baixa qualidade de vida.
São visões simplistas.
A terceira idade pode ser muito variada"

Valor: O envelhecimento populacional está sendo percebido como consequência do desenvolvimento econômico ou como uma barreira?

Peter Lloyd-Sherlock: O envelhecimento populacional representa um desafio para o desenvolvimento. Pode se tornar um estorvo. Mas isso depende de como é administrado. Historicamente, o Brasil tem sofrido com a má administração de um sistema previdenciário ineficiente. Isso foi mais produto da dinâmica de políticas corporativistas do que da mudança populacional. O mesmo pode ser dito do sistema de saúde. Se a saúde e a previdência tivessem sido geridas com mais eficácia, o suposto fardo dos idosos poderia ser apenas uma fração daquilo que é hoje.



"O mito-chave é que o envelhecimento
é principalmente um fenômeno
das economias desenvolvidas (mas)
a maioria das pessoas
com 60 anos ou mais
vive nas regiões em desenvolvimento"

Valor: Como esta dinâmica deve ser entendida?

Lloyd-Sherlock: Você não pode considerar o envelhecimento populacional como um fenômeno isolado. Tem que ser entendido no amplo contexto da transição da fecundidade. Rápida redução desta taxa significa uma queda na taxa de crescimento do total da população, o que é geralmente compreendido como uma boa coisa para o desempenho econômico. Por exemplo, reduções no número de crianças liberam mais recursos para investimentos produtivos.

Valor: Por que o envelhecimento populacional, então, quase sempre é visto como representativo de uma situação de crise?

Lloyd-Sherlock: Por que os idosos são vistos como altamente dependentes (economicamente e em outros áreas) e improdutivos. A velhice é associada com uma inevitável baixa qualidade de vida. Essas visões são simplistas. A terceira idade pode ser muito variada. Também se ignora a importante contribuição que muitos idosos, especialmente os de cerca de 60 anos, continuam a dar, o potencial deles... Basta que a sociedade lhes ofereça oportunidades.

Valor: Para um país em processo de envelhecimento surge obrigatoriamente uma escolha, em termos de políticas públicas, entre o bem-estar dos avós ou dos netos?

"Previdência e saúde importam muito,
mas há outras questões.
Em particular, governos precisam dar mais
atenção às relações sociais dos idosos,
inclusive com apoio para cuidados
no âmbito familiar"


Lloyd-Sherlock: Não tem que ser uma escolha. Para a família, os idosos (especialmente as mulheres) fazem muito para o sustento das gerações mais novas. Em termos de políticas públicas, não acho que isso signifique olhar para os recursos públicos como um "trade-off" entre, digamos, educação e Bolsa Família de um lado, e saúde e previdência de outro. Tudo é importante para a manutenção de uma sociedade saudável e decente. Em vez disso, penso que existem escolhas e conflitos de interesse entre aqueles brasileiros que podem dar-se ao luxo de ter uma saúde decente e planos de aposentadoria privados e enviar seus filhos para escolas privadas e aqueles que não podem, independentemente de quão jovens ou idosos eles são.

Valor: Como analisa a posição dos organismos multilaterais, como ONU e Banco Mundial?

Lloyd-Sherlock: O Banco Mundial tem-se preocupado, quase exclusivamente, com o financiamento dos sistemas de previdência. Não está envolvido com outras questões, como saúde, economia ou relações sociais e mercado de trabalho dos idosos. Ou seja, há um engajamento limitado no Plano de Ação Internacional de Madri, que estabeleceu as diretrizes para o envelhecimento populacional, em 2002. Isso é um vergonha, embora o Banco Mundial seja muito ativo em outros aspectos das políticas de saúde. Por exemplo, publicou recentemente um relatório sobre doenças crônicas, mas não fez praticamente nenhuma referência aos idosos. Mesmo assim, o principal argumento do relatório é que os sistemas públicos não estarão aptos para enfrentar o crescimento das doenças crônicas e muito mais deve ser feito para ampliar a presença do setor privado. Pessoalmente, acho isso uma perigosa recomendação, tantas são as falhas do setor privado de saúde em países como o Brasil.

Valor: O Brasil está atualizado com as orientações do Plano de Madri?

Lloyd-Sherlock: O Banco Mundial é muito crítico em relação ao sistema de seguridade social do Brasil como um todo, em termos de sua ineficácia, retrocesso e duvidosa sustentabilidade. No entanto, não estou convencido de que isso seja suficiente para viabilizar uma reforma. A política previdenciária do Banco Mundial evoluiu nos últimos 15 anos, mas ainda é principalmente baseada em promover a privatização e esquemas de contribuição definida. A eficácia de esquemas como estes na América Latina é irregular e sua aplicação não consiste em uma panacéia para todos os problemas da seguridade social do Brasil. O Banco Mundial está também colocando mais ênfase sobre a previdência não-contributiva para os mais pobres, como parte de um portfólio de políticas para focar as transferências de renda em diferentes grupos. De maneira geral, é uma boa coisa. Claro, esses programas já estão muito desenvolvidos no Brasil.

Valor: Existe a possibilidade de o envelhecimento populacional tornar-se mais um fator de aumento da desigualdade no Brasil?

Lloyd-Sherlock: Graças ao extenso sistema de pensões não-contributivas do Brasil (benefício de prestação continuada da assistência social e lei orgânica da assistência social), a renda dos mais pobres não é mais baixa para os idosos do que para a população em geral. Enquanto esses programas existirem, o envelhecimento populacional não deve ser associado com aumento da pobreza. Diante disso, no entanto, creio que é importante termos uma visão mais ampla da pobreza, para além da renda per capita. Por exemplo, alguns idosos podem estar acima da linha de pobreza, mas podem ainda encontrar grande dificuldade para ter acesso a medicamentos fundamentais por causa de problemas com o sistema de saúde público.

Valor: Ou seja, a pobreza pode aumentar independentemente da renda por que o idoso terá mais gastos básicos.

Lloyd: Recentemente falei com vários idosos no Brasil que não estavam na linha da pobreza, tecnicamente, mas não tinham acesso a medicamentos básicos para hipertensão. O crescimento no sistema privado de saúde é um fator que amplia a heterogeneidade entre os idosos. Há aqueles que desfrutam de boa assistência de saúde e aqueles que estão excluídos. Em termos de desigualdade, é bem conhecido que o sistema de seguridade social no Brasil tem um tremendo impacto sobre a melhoria da distribuição de renda. O prejudicial para a população idosa são problemas permanentes no sistema de contribuição. Assim, as pensões não-contributivas exercem um papel importante.

Valor: Os brasileiros estão envelhecendo melhor do que outros latino-americanos?

Lloyd-Sherlock: Em geral, sim. Em parte, por que muitos têm razoável acesso aos serviços de saúde durante suas vidas, ao menos na comparação com outros países da região. Os idosos brasileiros de hoje foram beneficiados por programas governamentais para aquisição de domicílios, sobretudo de baixa renda, e têm casa própria. Esse é um importante patrimônio, oferece segurança na velhice. Mais importante, porém, é que a maior parte dos idosos hoje tem acesso à previdência, que paga razoável soma de benefícios. Por outro lado, muitos idosos são crescentemente afetados (direta ou indiretamente) pelo aumento dos níveis de violência e outros problemas associados com a exclusão social, especialmente nos bairros pobres urbanos.

Valor: Em um de seus estudos o sr. afirma que "o debate político sobre o envelhecimento está impregnado por generalizações, estereótipos e mitos". Quais são eles?

Lloyd-Sherlock: O mito-chave no âmbito internacional é que o envelhecimento populacional é principalmente um fenômeno das economias industriais desenvolvidas. Na verdade, a grande maioria das pessoas com 60 anos ou mais vive nas regiões em desenvolvimento. Outro mito é que a fase idosa pode ser definida em termos simples (apenas como aqueles de 60 anos ou mais) e que experiências de vida mais longa são bastante similares. Isso é uma bobagem. É provável que uma pessoa de 61 anos tenha muito mais em comum com uma de, digamos, 49 do que com uma de 80.

Valor: É comum afirmar-se que o envelhecimento populacional significa aumento de gastos na saúde. Isso é verdade?

Lloyd-Sherlock: Basicamente, não. Custos de cuidados com a saúde são mais fortemente influenciados por vários outros fatores, como o desenvolvimento de novas (e usualmente mais caras) tecnologias e os modos como os sistemas de saúde estão organizados. Os Estados Unidos gastam um percentual do PIB três vezes maior em saúde do que o Reino Unido, embora tenham um percentual de idosos menor. As condições de saúde dos idosos americanos não são notadamente melhores do que as dos britânicos. Na verdade, estão longe de ser equivalentes. O principal fator de aumento dos custos de saúde nos Estados Unidos é a grande presença dos HMOs ("health maintenance organizations", os seguros privados que as empresas são obrigadas a oferecer aos empregados). Na minha opinião, o Brasil tem visto uma massiva expansão desse setor nos anos recentes. Isso faz muito mais pressão para inflacionar os custos do sistema de saúde do que o envelhecimento populacional.

Valor: E quanto à previdência? Quais têm sido os resultados das soluções adotadas até agora para reduzir o impacto do envelhecimento populacional?

Lloyd-Sherlock: Acredito que o sistema brasileiro tem sido muito positivo para os idosos e que é excelente o uso dos recursos públicos. Ampliar a idade de aposentadoria é uma solução potencial, especialmente se o mercado de trabalho pode absorver os trabalhadores extras. Não acho que exemplos como os da Inglaterra e do Chile sejam bons para o Brasil. Tem havido muitos problemas com os sistemas privados desses países em termos de mercado e de cobertura.

Valor: O debate do envelhecimento populacional não está concentrado demais nos sistemas de previdência e saúde? Não existe o risco de se esquecerem outras questões importantes?

Lloyd-Sherlock: Correto. Previdência e saúde importam muito, mas existem várias outras questões para levar em conta. Em particular, os governos precisariam dar mais atenção à qualidade das relações sociais dos idosos, inclusive no âmbito familiar, com garantia de apoio para que disponham de cuidados de longo prazo. Mas isso parece estar fora da prioridade pública no Brasil, como acontece em toda a América Latina. Por exemplo, é preciso haver uma regulamentação cuidadosa das instituições de longa permanência. As relações sociais dos idosos devem também aproximar os domicílios. Muitos idosos permanecem praticamente presos em suas próprias casas, amargando isolamento, solidão, baixa estima e um alto grau de dependência. Muito precisa ser feito para que as pessoas tenham uma rede social quando envelhecem. Transporte público acessível, melhora na segurança e um programa de centros de convivência com atividades poderiam ajudar.

Valor: O sr. fez pesquisas em bairros pobres de São Paulo. Nesta faixa da população, os recursos da pensão do idoso têm grande peso na renda familiar. Este é um bom papel para o idoso? Quais as conseqüências?

Lloyd-Sherlock: A resposta para isso não é simples. Existe um "trade-off" entre oferecer uma renda que atenda às necessidades pessoais dos idosos e difundir benefícios entre o maior número de domicílios. Além disso, comenta-se que os idosos são forçados a dar o dinheiro deles para parentes. Isso está relacionado à questão maior de abusos contra idosos, que não está sendo bem conduzida no Brasil.

Por um capitalismo moderno em 2010

Wanderley Guilherme dos Santos


O único laço de confiança sobrevivente ao desastre econômico é o que une o presidente Luiz Inácio a seu vasto núcleo de apoio popular. Toda a eventual credibilidade do resto se esfarelou: de acadêmicos, cronistas, consultores e tecnocratas. Ficaram todos entre intimidados e surpresos, cientes de que a sabedoria de que dispõem (real ou presumida) fora escassa para identificar o que nem uma ciência respeitável como a da economia seria capaz de antever: os momentos em que a complexidade do mundo assusta a humanidade com sinais de mórbido humor.

Pois são esses os mesmos que, passados menos de quatro meses do início do naufrágio, voltam às páginas e aos televisores, desfilando a antiga prosápia bem vestida, prenunciando raios e trovões no horizonte próximo da economia e da sociedade brasileiras. Vamos deixar claro, como condição de entendimento, uma pequena verdade: eles não sabem, com certeza, nada. Não, obrigatoriamente, por incompetência, mas porque o futuro próximo está enevoado em excesso e porque o passado recente ainda, por assim dizer, não passou.

Quase a cada dia surgem amargas novidades, dificultando, ao mesmo tempo, a contabilidade sólida da extensão da crise e a exaustiva identificação de seus vetores causais. Resta aos analistas o recurso de extrapolar para o futuro próximo as tendências observadas nos poucos meses antecedentes.

Ora, o método de extrapolação é um dos mais frágeis, entre as técnicas de análise prospectiva, assim como não muito segura é esta outra, utilizada pelo Banco Central, a de projetar a média ou mediana das opiniões de um grupo de "juízes", que aparecem como "graus" nas agências internacionais de classificação. Ambas foram generosamente empregadas às vésperas da crise e por esta falsificadas. Não tiveram a eficácia aumentada ou diminuída pelo fracasso, apenas continuam sendo não mais do que auxiliares nas previsões sobre o futuro.

À falta de melhores instrumentos, como é o caso presente, os analistas complementam o exercício com avaliações políticas, ou melhor, segundo uma perspectiva política. Difundem opiniões politicamente, partidariamente orientadas. É natural, compreensível e faz parte do jogo. Mas não devem ser tomadas como verdades cristalinas e sem retoques.

A orientação partidária da oposição consiste precisamente em romper o fio de confiança entre o governo Lula e a população que o apoiou até aqui. Por muito pouco o presidente Luiz Inácio escapou de ser encarcerado em sério dilema. Não fosse a pronta resposta da maioria do sindicalismo, a exceção mais conspícua sendo a Força Sindical, e certos cavalheiros da Fiesp teriam estabelecido um duto de extração de recursos do Tesouro Nacional, sem contrapartida, e esterilizado substancial parte dos direitos dos trabalhadores com carteira assinada.

Aproveitando o susto causado pela virulência da crise, diariamente alimentado por fatos reais e por fantasmagóricas especulações, a proposta apresentada quase como ultimato previa, do lado do Tesouro, suspensão de impostos, adiamento de dívidas, empréstimos de socorro e transferência para o governo dos custos de alguns benefícios sociais, hoje de responsabilidade empresarial. Para os trabalhadores a agenda incluía redução de jornada de trabalho com redução salarial, licença temporária, também com redução de salários, ou pagos com cursos de requalificação profissional, e, com olho na próxima decisão do governo, mudança na legislação sobre salário mínimo.

O dilema é claro: ou o governo cedia, diminuindo os recursos à sua disposição para investimento e programas sociais, ou recusava, assumindo a responsabilidade (atribuída) pela monumental onda de demissões que viria a seguir. Em qualquer dos casos, os laços de confiança entre o presidente e sua base popular ficariam estremecidos.

As eleições de 2010 poderiam começar a se definir agora, no bojo de uma crise econômica pela qual o governo, tal como os governos da França, da Alemanha, da Inglaterra e do resto do mundo, Estados Unidos à parte, não tem a menor responsabilidade. A proposta empresarial, além das vantagens econômicas e sociais, trazia um disfarçado bônus eleitoral. Como diria o agora adoentado Neguinho, intérprete dos sambas-enredo da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis: olha a eleição de 2010 aí, minha gente!

Embora muito citado é raramente aproveitado o ditado, que me informam ser chinês, de que períodos de crise são também períodos de oportunidades. Ao que parece, o ditado não esclarece de que natureza seriam tais oportunidades, mas aqueles cavalheiros da Fiesp parecem dos poucos a se servirem do ditado e interpretaram a oportunidade da crise para garantir a agenda antes mencionada. Não percebi nenhuma resposta articulada do governo, somente medidas dispersas, e, do sindicalismo reunido com o presidente Luiz Inácio, apenas surgiram demandas convencionais.

Acostumados ao atraso institucional, os segmentos sociais progressistas imaginam que as relações trabalhistas em vigor são o máximo de avanço possível no capitalismo. Se assim fosse, qualquer proposta de mudança apontaria para perdas, não para ganhos. Mudar significaria, sempre, mudar para pior. Visto que as propostas de mudança que vêm a público são sempre para pior mesmo, consolida-se o preconceito de que o código varguista e alguns acréscimos constituem com efeito o paraíso do operariado. Mas a crise inaugura oportunidades para alguns experimentos.

Por exemplo, a antigreve. É bastante razoável supor que muitas firmas estão propensas a promover demissões por razões que a crise só veio agravar e que as promoveriam de qualquer forma. Uma abertura do caixa da empresa, mediante alguma fórmula jurídica que cabe ao Legislativo e ao Judiciário inventarem, permitiria avaliar a legitimidade do pleito do empresário, cabendo ao governo, portanto, assumir o problema via seguro-desemprego.

No caso em que não coubessem razões legítimas, ou pior, se a empresa se negasse a abrir o caixa, incumbiria ao sindicato convocar os demitidos às firmas e fábricas, não para entrar em greve, mas antes garantindo por meio de piquetes o retorno dos trabalhadores ao trabalho, continuando a produção.

É possível que surgissem alguns casos em que a redução da jornada com redução de salário se revelasse como boa estratégia de curto prazo para garantir a sobrevivência da empresa e a retomada futura da produção plena. Nessa variante, a parte não paga em dinheiro poderia ser substituída por ações ordinárias da empresa, a preço de mercado, com ou sem opção de compra posterior, também a preço de mercado, dependendo dos acordos jurídicos a serem convencionados. Afinal, a parte não paga do salário não deixa de ser um aporte do trabalhador à economia da firma.

Finalmente, a política de investimento, sobretudo das grandes corporações, em algum momento terá de ser compartilhada pelos proprietários do capital e os proprietários da força de trabalho. A contratação de trabalhadores e a compra de máquinas tanto podem ser vistas como custos ou investimentos. É uma concepção atrasada contabilizar uma como custo e outra, como investimento. Essa escrituração faz parte de uma visão primitiva do desenvolvimento do capitalismo, que pode haver sido responsável por algumas das crises dessa fase histórica.

O governo do presidente Luiz Inácio tem sido responsável por um dos mais importantes saltos na vida política brasileira: a incorporação do PT à vida democrática competitiva, daí se derivando a grande estabilidade do sistema brasileiro contemporâneo, para desapontamento das cassandras brazilianistas. Do exterior e domésticas. Pode aproveitar a oportunidade deste final de mandato associado à crise econômica para fazer avançar este mastodonte preguiçoso que é o capitalismo brasileiro. As eleições de 2010 estão no ar. Foram empinadas pelo empresariado.

P.S.: Na Primeira República o governador José Serra já estaria eleito presidente de São Paulo. Ainda não dá para mais.

Wanderley Guilherme dos Santos, membro da Academia Brasileira de Ciências, escreve quinzenalmente neste espaço

Email: leex@candidomendes.edu.br
(Matéria escrita no Caderno EU & Fim de Semana, 30 e 31/01/2009 e 01/02/2009- Jornal Valor Econômico)

De heldercamara@ceu.com para amigos e amigas

Frei Betto*
Queridos, estivesse entre vocês, a 7 de fevereiro comemoraria 100 anos de idade. Quis o bom Deus, entretanto, antecipar-me a glória de desfrutar Sua visão beatífica. Aliás, o céu nada tem daquela imagem idílica que se faz na Terra. Nada de anjos harpistas e nuvens cor-de-rosa, embora a música de Bach tenha muita audiência.
Entrar na intimidade das três Pessoas divinas é viver em estado permanente de paixão. Arrebatado por tanto amor, o coração experimenta uma felicidade indescritível.
A propósito, outro dia, Buda, de quem sou vizinho, me contou esta parábola que bem traduz o caminho da felicidade: numa feira da Índia, entre tantos restos de frutas e legumes, uma mulher fitava detidamente o chão. Viram que procurava algo. Um e outro perguntaram o quê. “Uma agulha.” Não deram importância. Porém, quando ela acrescentou que se tratava de uma agulha de ouro, multiplicou o número dos que a auxiliavam na busca.
Súbito, um deles perguntou: “A senhora não tem ideia de que lado da feira a perdeu?” “Não foi aqui na feira”, respondeu a mulher, “perdi-a em casa”. Todos a olharam indignados. “Em casa? E vem procurar aqui fora?” A mulher fitou-os e retrucou: “Sim, como vocês procuram a felicidade nas coisas exteriores, mesmo sabendo que ela se encontra na vida interior”.
O céu é terno, o que não impede que experimentemos indignações. Jesus não fez a fome e a sede de justiça figurar entre as bem-aventuranças? Quando olho daqui para a Igreja Católica, confesso que sinto, não frustração, mas uma ponta de tristeza. O papa Bento XVI não transmite alegria e esperança. Faltam-lhe o profetismo de João XXIII e a empatia de João Paulo II.
Padres cantores atraem mais discípulos do que aqueles que se dedicam aos pobres, aos lavradores sem-terra, às crianças de rua, aos dependentes químicos. Nas showmissas, os templos ficam superlotados, enquanto nos seminários o ensino de filosofia e teologia costuma ser superficial.
A vida de oração não é estimulada, muitos buscam o sacerdócio para obter prestígio social e, por vezes, o moralismo predomina sobre a tolerância, o triunfalismo supera o espírito ecumênico. Até quando homossexuais serão discriminados por quem se considera discípulo de Jesus?
Alegra-me, porém, saber que as Comunidades Eclesiais de Base estão vivas e se preparam para realizar o seu 12º encontro intereclesial, em Rondônia, no próximo julho. Dou graças a Deus ao constatar que o Centro de Estudos Bíblicos (Cebi) conta com mais de 100 mil núcleos espalhados pelo Brasil, integrados por gente simples interessada em ler a Bíblia pela ótica libertadora.
Preocupa-me, entretanto, a polêmica entre os irmãos Boff. Tanto Leonardo quanto Clodovis são teólogos de sólida formação. Não considero justa a acusação feita por Clodovis de que a Teologia da Libertação teria priorizado o pobre no lugar do Cristo. O próprio Evangelho nos mostra Cristo identificado com os pobres, como ocorre na metáfora da salvação em Mateus 25, 31-46.
Francisco de Assis, com quem sempre me entretenho em bons papos, lembra que sem referência ao pobre, sacramento vivo de Deus, Cristo corre o risco de virar um mero conceito devocional legitimador de um clericalismo que nada tem de evangélico ou profético.
Tenho dito a São Pedro que sonho com uma Igreja em que o celibato seja facultativo para os sacerdotes e as mulheres possam celebrar missa. Uma Igreja livre das amarras do capitalismo, e na qual os oprimidos se sintam em casa, alentados na busca de justiça e paz.
Quanto ao mundo, lamento que a fome, por cuja erradicação tanto lutei, ainda perdure, ameaçando a vida de 950 milhões de pessoas e causando a morte de cerca de 23 mil pessoas por dia, a maioria crianças.
Por que tantos gastos em formas de ceifar vidas, como armamentos, e investimentos que degradam o meio ambiente, como pesticidas, desmatamentos irresponsáveis e cultivo de transgênicos? Por que tão poucos recursos para tornar o alimento — dom de Deus — acessível à mesa de todos os humanos?
Ao comemorarem meu centenário, lembrem-se dos princípios e objetivos que nortearam a minha vida. Malgrado calúnias e perseguições, vivi 91 anos felizes, pois jamais esqueci do que disse meu pai quando comuniquei a ele minha opção pela vida sacerdotal: “Filho, egoísmo e sacerdócio não podem andar juntos”.
*Frei Betto. Escritor, é autor, em parceria com Leonardo Boff, de Mística e Espiritualidade(Garamond), entre outros livos.
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 30/01/2009

FSM: O Ano do Futuro

Boaventura de Sousa Santos*
Os acontecimentos que marcam o início de 2009
são de tal modo importantes que
se o mundo não puder conhecer a posição do
Fórum Social Mundial
sobre eles é possível prever que
o FSM corre o risco de se tornar irrelevante.


A grande mídia divulgou à saciedade o diagnóstico da situação mundial feita pelo Forum Econômico Mundial (FEM) na sua reunião deste ano. É um diagnóstico sombrio que coincide em muitos pontos com os diagnósticos feitos pelo Fórum Social Mundial (FSM) em suas sucessivas edições desde 2001. Não interessa saber se o FSM teve razão antes do tempo ou se o FEM tem razão tarde de mais. Interessa, sim, refletir sobre o fato de o FSM não ter tido a influência ou exercido a pressão que se desejaria sobre os decisores políticos. Em parte, isso deve-se a uma opção do FSM: ser um espaço aberto a todos os movimentos e organizações que lutam de forma pacífica por um outro mundo possível, sem deixar que tal abertura seja comprometida por decisões políticas, nunca possíveis de obter por consenso.
Sempre defendi que esta opção, sendo acertada, não devia ser assumida de forma dogmática. Deveria ser possível identificar, em cada momento histórico, um pequeno conjunto de temas sobre os quais fosse possível identificar ou gerar um grande consenso. Sobre eles, o FSM, enquanto tal, deveria tomar uma posição que seria assumida por todos os movimentos e organizações que participam no FSM, dando assim origem a agendas parciais mas consistentes de políticas nacionais- globais. Os acontecimentos que marcam o início de 2009 parecem dar razão a esta posição. Eles são de tal modo importantes que se o mundo não puder conhecer a posição do FSM sobre eles é de prever que o FSM corra o risco de se tornar irrelevante. Passo a mencionar alguns desses acontecimentos.
A tragédia de Gaza. Está demonstrado que foram cometidos crimes de guerra e crimes contra a humanidade durante a mais recente invasão israelita da faixa de Gaza. Que consequências retira o FSM deste fato? Que medidas propõe para que estes crimes não fiquem impunes?
China ou Suma Kawsay? É verdade que o neoliberalismo não foi morto pelo ativismo do FSM. Cometeu suicídio. Isso está patente nas pseudo-soluções que se apontam para o desastre. Uma coisa é certa: os cidadãos do mundo sabem como os Estados protegem os bancos; só não sabem como protegem as pessoas. Sobre as muitas dimensões da crise o FSM tem uma reflexão consistente. Qual a posição do FSM? De um lado, as economias centrais imploram à China que “forcem” os seus cidadãos a consumir, mesmo sabendo que se os níveis de consumo atingissem os da Europa e da América do Norte seriam precisos três planetas para garantir a sustentabilidade do único planeta que temos.
Do outro lado, e bem nos antípodas desta proposta, o notável protagonismo dos povos indígenas do continente americano tornou possível que as suas concepções de desenvolvimento em harmonia com a natureza fossem consagradas nas Constituições da Bolívia e do Equador. Trata-se do princípio de “viver bem”, o Suma Kawsay dos Quechuas ou o Suma Qamana dos Aymaras. De que lado está o FSM?
Cuba: cinquenta anos de futuro? A Revolução Cubana celebra este ano o seu cinquentenário. A Europa e a América do Norte podiam ser o que são hoje sem a revolução cubana, mas o mesmo não se pode dizer da América Latina, África e Ásia, ou seja, das regiões onde vive 85% da população mundial. Cuba deseja a solidariedade crítica do mundo progressista para superar uma situação que, a não mudar, é inviável enquanto solução socialista. Onde está a solidariedade do FSM? Onde está a crítica?
O Comando Africano (AFRICOM). Começou a ser visível a interferência do Comando Africano, recentemente criado pelo Departamento de Defesa dos EUA, na política de vários países africanos. É de prever e temer a crescente tensão militar no continente. Será este um tema em que o FSM pode ter razão a tempo e dar a conhecer ao mundo a sua posição?
O fim do 11 de Setembro. Que há de comum entre a decisão do Presidente Obama de encerrar a prisão de Guantánamo e suspender os julgamentos e a decisão do Ministro Tarso Genro de conceder asilo ao ex-militante esquerdista Cesare Battisti? São duas decisões corajosas dos governos de dois países importantes (o primeiro em declínio, o segundo em ascensão), assinalando ao mundo que a vertigem securitária que assolou o mundo depois do 11 de Setembro chegou ao fim. A melhor segurança cidadã é a que decorre do primado do direito e do aprofundamento da democracia. A justiça de exceção está para a justiça como a música militar (sem ofensa) está para a música clássica. O mundo tem direito a saber que medidas vai tomar o FSM para apoiar estas decisões, que, como é de esperar, terão os seus detractores.
NOTA DA REDAÇÃO: O livro mais recente de Boaventura de Sousa Santos se intitula Vozes do Mundo, publicado pela Civilização Brasileira.

*Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4117&boletim_id=524&componente_id=9096

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Mono-patologia

Rabino Nilton Bonder

Os últimos ataques de vírus em computadores mostrou uma fragilidade que a revista Times denominou de "perigos da monocultura". Assim como a virulência dos novos vírus que atacam seres humanos se origina do desmatamento e da diminuição da bio-diversidade, a destrutividade dos vírus de computador também se origina na pouca diversidade de mídia. A grande maioria dos computadores deste planeta utiliza o mesmo software tornando os bancos de dados de nossa civilização extremamente vulneráveis.
Para os "grafiteiros virtuais" esta monocultura é extremamente atraente pois poucas formas de chamar atenção se aproximam da sensação de apertar um único botão e ver, em efeito dominó, sua criação deixar marcas planetárias.
Não há dúvidas de que a internet se transformou num modelo de interatividade e com isso um dos melhores modelos ecológicos que dispomos. E através dela estamos conhecendo os perigos da padronização em qualquer sistema de interação. O ecosistema se fragiliza quanto maior for a homogeneidade. A monocultura em florestas ou na agricultura destrói lentamente a vitalidade do meio ambiente, o que parece ser verdade também para a mídia. Quanto mais uniforme a mídia, quanto mais os meios de informação bebem das mesmas fontes, mais superficial e menos crítica fica a nossa civilização.
Os programas de televisão são um excelente exemplo. Há poucos anos atrás a televisão pelo mundo a fora era diferente. Hoje, mais do que os "enlatados", é assustador ver que programas de auditório, talk-shows, noticiários ou mesmo novelas, apenas mudam de idiomas mas são absolutamente idênticos. Que "redes", que "nets" são essas que acabam produzindo mono-experiências e se tornando aversas à diversidade? Que "net" a televisão produziu? Que "net" a informação eletrônica produziu? Que "net" o fast-food produziu? Será que a "net" realmente significa uma "rede" ou estará cada vez mais próxima de um único "nó", um grande "site" com variações de design? Será que a demanda por "conteúdo" na internet não é uma descoberta de que de ".com" a ".org", de portal "x" a portal "y", tudo começa a ter a mesma cara? Como produto de monocultura, o plantio e a colheita são mais fáceis e rentáveis, mas o produto tem menos sabor e menos nutrientes. E há sempre a praga do "marketing", o agrotóxico que incha fenômenos vazios ao invés de fazer uso do antigo e natural fertilizante que é a criatividade.
Exemplo matriz de construção de uma rede encontramos na Criação, no primeiro capítulo de Gênesis. Lá a explosão de diversidade parece ir gradativamente, dia a dia, produzindo uma rede mais vital. Mas é talvez no relato da Arca de Noé que o "toque" venha de forma mais direta. Ao pensar na reconstrução do mundo, ao lidar com a reativação de uma rede, não houve dúvida de que não era apenas a semente que deveria ser preservada, mas a diversidade. Tudo que é "mono" parece estar na contramão das redes e da vida. Tudo que é "mono" deprime, debilita e termina por aniquilar a vida.
Perguntariam os provocadores: Mesmo a "monogamia"? Sim. Quando a "monogamia" é vivida como um mesmo do mesmo, quando os casais se misturam e se confundem, quando a relação é invadida por atividades que não diferem em essência, então qualquer vírus de discórdia faz grandes estragos no hard-disk do coração.
E o "monoteísmo"? Com certeza também. Quando ao invés de um D'us único, o monoteísmo se transforma numa visão única deste D'us, então basta um vírus de intolerância, que em condições normais seria neutralizado, para fazer grandes estragos.
No fundo da questão da padronização talvez esteja a "mono-motivação". Mesmo as mentes mais criativas quando aplicadas unicamente à busca de dinheiro, se tornam iguais. E aqui fica um alerta e uma diferença muito grande entre a rede da vida e as redes que estamos tentando criar. A primeira parece ter uma finalidade, um fim que a constitui. A nossa cresce como um "meio", uma mídia. Sem a clareza de um fim, ela não se ramifica e se torna diversa, muito pelo contrário. Produz o mesmo e desertifica.
*NILTON BONDER é rabino e escritor.

http://amaivos.uol.com.br/Acesso 29/01/2009

Uma moeda não hegemônica

Rose Marie Muraro
Escritora
Quem leu a obra de Adam Smith, o maior teórico do sistema capitalista, principalmente A riqueza das nações, pode perceber que o pressuposto básico do seu pensamento que influenciou a atividade produtiva mundial definitivamente até hoje é que o grande pilar desse sistema é o egoísmo — o interesse próprio acima do interesse comum. É a busca da maior vantagem pessoal possível que faz a trama do sistema econômico andar.
Durante dois séculos, foi considerada a principal lei econômica. Só hoje, depois de passar por inúmeras guerras, crises, principalmente a atual que parece ser a mãe de todas as crises e a iminente possibilidade de destruição da natureza, é que se pode perceber o quanto ele é imoral e ineficiente.
O maior exemplo do desequilíbrio é a existência de uma moeda hegemônica para trocas mundiais pertencente a uma única nação. Alfred Lietaer, um dos principais arquitetos do euro e provavelmente o maior especialista vivo em teoria da moeda, mostra como todos estamos reféns da maior potência hegemônica. Muitas vezes quem determina os caminhos da economia mundial são as decisões de uma única pessoa.
No livro The future of money, ele propõe que esse sistema seja substituído por uma moeda de referência mundial que seja administrada pelas principais economias do mundo (industrializadas e emergentes), melhor fora se fosse administrado por todos os países. A essa moeda deu o nome de terra e cada unidade dela seria lastreada pelo preço das principais commodities de acordo com os maiores mercados mundiais.
A vantagem dessa moeda é que ela não seria nem inflacionária nem deflacionária, porque variaria de acordo com o preço das commodities, e todas as moedas nacionais poderiam ser trocadas entre si por meio terra sem a interferência de outra moeda de uma única nação. Por isso ela é anticíclica e anticrise por definição. As moedas nacionais permaneceriam nacionais e, se houvesse crise em um país, não se estenderia pelo mundo todo.
Agora que o neoliberalismo das últimas décadas foi definitivamente derrotado pela realidade e se tornou fundamental a intervenção severa dos Estados nos mercados, fica mais claro para as pessoas que ainda acreditam na competição como fundamento da economia que uma moeda cooperativa traria mais riqueza e mais vantagem ao mundo, além de regular o consumo desenfreado de uns em detrimento da não satisfação das necessidades básicas de outros. A moeda seria cooperativa porque exigiria para sua administração o consenso da maioria dos pobres da maioria dos povos, o que a impediria de ser objeto de manipulação dos mais fortes em detrimento dos mais fracos.
Vemos por exemplo, o caso do euro, administrado apenas por 16 países, mas que já está se mostrando mais sólido que o dólar. Agora, com o advento de nova era política, possível por um negro ter assumido a condução da maior potência econômica e ter sido marcada para meados de abril uma conferência do G-20 para discutir em conjunto os destinos econômicos e políticos do mundo, cremos que o presidente francês Nicolas Sarkozy (que deseja refundação do capitalismo) não a torne um retrocesso, mas a reinvenção do capital/dinheiro no sentido de ampliar a ação para todos os povos e todas as classes sociais.
Há povos que têm abundância da moeda de referência e outros que não têm quase nenhum acesso a ela, o que faz que a relação dominante/dominado seja estruturalmente reforçada em vez de a riqueza circular de maneira mais equilibrada e, portanto mais vantajosa para todos. Assim a humana ganância, mãe de todos os ciclos econômicos, poderia dar lugar à humana cooperação, a única que pode destruir esses ciclos e dar uma sobrevida um pouco maior à humanidade.
Em recente entrevista à imprensa internacional, Lester Brown, considerado o maior ecólogo do mundo e diretor do State of the World, a bíblia ecológica da ONU, mostra que, se a China alcançar os EUA em poder aquisitivo em dólar, seriam necessários 2,5 planetas Terra para sustentar o consumo, o que deve ocorrer lá pelo ano de 2031. Isso é rigorosamente incompatível com a atual realidade. Portanto, por que não pensar em uma mudança radical como o esquema terra? Só a brutalidade da realidade crua pode fazer essa humanidade louca parar para pensar.
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 29/01/2009

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Escritor-padrão dos EUA

ANTONIO CALLADO*
ESPECIAL PARA A FOLHA

De uma forma abrangente, geral, seria possível dizer que John Updike foi o escritor de maior êxito no mundo de hoje. Ele certamente não foi tão popular e lido em toda a parte quanto Gabriel García Márquez, nem foi tão prezado pelos cultores da arte literária quanto contemporâneos seus do calibre de Borges, Beckett ou Nabokov.
No entanto, como romancista, como poeta, como ensaísta e cronista, Updike chegou a um extraordinário e equilibrado nível de qualidade e popularidade. E, finalmente, passou a ser, na sua geração, o representante mais completo do intelectual americano. É o escritor-padrão da nação que é, de longe, a mais poderosa do mundo.
A geração imediatamente anterior à de John Updike produziu nos Estados Unidos três excelentes romancistas: William Faulkner, Ernest Hemingway e Scott Fitzgerald. Diferentes entre si, vigorosos e originais, os três ergueram a ficção americana ao nível das grandes do mundo. Faulkner absorveu o que havia na ficção do seu tempo para eternizar as angústias do Deep South. Quanto aos outros dois, refletiram e retrataram a totalidade da sua nação, Fitzgerald celebrando a riqueza crescente, o puro êxtase, meio arrogante, do homem que busca todos os triunfos, e Hemingway tentando manter viva nesse mundo hedonista a figura do herói. "Suave É a Noite", dizia Fitzgerald num título de romance, "Por Quem os Sinos Dobram", replicava Hemingway em outro. Ilustrando ambos as próprias ficções, morreu o primeiro num crepúsculo alcoólico, pobre, esquecido, e Hemingway enfiou na boca o cano de um fuzil de caça e apertou o gatilho.
A geração seguinte cresceu num império tranquilo, consolidado, que se reflete na obra culta, inteligente, e, digamos assim, caseira, de Updike. Sua série do personagem Harry Rabbit Angstrom ["Coelho Corre", "Coelho em Crise", "Coelho Cresce", "Coelho Cai" e "Coelho Se Cala"] vale quase por uma história dos Estados Unidos em nosso tempo. Updike abandonou esse herói, que o acompanhou durante tantos anos, mas não abandonou o dia-a-dia da vida do país. O romance que publicou em 1992 se chamou "Memories of the Ford Administration". O título não pode ser mais explícito.
Ensaio e crítica
Mas não foram só esses romances que Updike escreveu, e alguns dos outros são deliciosos, como "Couples", o das intrigas sexuais, ou "Roger's Version", em que o herói procura Deus no computador. John Updike é, além disso, um refinado contista e um poeta leve, despretensioso, mas frequentemente tocante, como os brasileiros podem ajuizar pelo poema "Rio de Janeiro", que ele publicou em "The New Yorker" ao regressar aos Estados Unidos, depois de visitar o Brasil em março de 1992.
No entanto, se tudo indica que os romances de Updike terão sempre uma posição honrosa na literatura dos Estados Unidos e que seus contos e poemas também figurarão em antologias vindouras, seu lugar, talvez o mais certo, no futuro é o de ensaísta e crítico de ideias, ao lado de contemporâneos eminentes como George Steiner ou de clássicos do gênero de William Hazlitt.
À segurança do julgamento crítico, ao invariável bom gosto, ao toque de malícia e elegância do texto, o ensaísta Updike aliou sempre os ingredientes fundamentais: a cultura vasta, a incansável disposição de pesquisa. Um ensaísta dessa estirpe é tão raro quanto um grande romancista, contista, poeta.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2801200928.htm
John Updike morreu ontem (27/01),aos 76 anos, de câncer de pulmâo, em Massachusetts, nos EUA.
*TEXTO INÉDITO DE CALLADO FOI ESCRITO EM 92
Em 1992, o escritor Antonio Callado (1917-1997) escreveu, a convite da Folha, um comentário sobre a obra e a trajetória do autor norte-americano John Updike -que a seu ver já teria chegado, naquele momento, "a um extraordinário e equilibrado nível de qualidade e popularidade". Na época, o jornalista e autor de romances como "Quarup" e "Reflexos do Baile" era colunista da Ilustrada. O texto, que permaneceu inédito, arquivado no Banco de Dados, é agora publicado postumamente.

Cotidiano

Ir. Valter Zanatta

- Tudo bem?
- Tudo bem!
Mesmo que as coisas vão mal.
Embora a dor sufoque a alma.
E a depressão emagreça os sentimentos.
E a vida é difícil.
A coragem desencoraje a alegria.
A tristeza magoa a alma.
E as aparências devam ser mantidas.
Ainda assim
Deva-se dizer:
Tudo bem.
Quanta mentira, meu Deus!

(Do livro:Poemas e Poetas. José Rovani e Valter Zanatta, ed. própria. s/dt. O poeta Valter Zanatta é irmão Lasallista, atual vice-diretor do Colégio Lasalle do Carmo em Caxias do Sul Rs. Natural de Carlos Barbosa, RS).

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Obama é o primeiro presidente digital

DON TAPSCOTT
Pioneiro no estudo da "geração digital" vê ascensão de grupo de influência que não aceitará governo tradicional e será incomumente exigente
ESTA ELEIÇÃO marcou o nascimento de "uma força política irresistível", acredita o autor do clássico "Growing Up Digital -The Rise of the Net Generation". Essa força vai dominar e transformar o meio político nos EUA, prevê o estudioso canadense. "Em 2015, quando todos eles tiverem idade suficiente para votar, comporão um terço do eleitorado", calcula.
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Em 1996, quando a internet engatinhava, o canadense Don Tapscott detectou um fenômeno. Era o que ele chama de "Geração Digital", pessoas nascidas a partir da segunda metade da década de 80, para quem os avanços tecnológicos são realidade, não conquista. "Pela primeira vez, os jovens, e não seus pais, são as autoridades numa inovação central da sociedade." Pois essa geração chegou ao poder na última terça, com a posse de Barack Obama, defende o autor, acadêmico e empresário, em entrevista por e-mail à Folha. Mas os jovens fizeram mais do que apenas votar no democrata, segundo Tapscott. "Eles entraram para a política, mas no seu tipo de militância política", disse. Ela envolve militância via site de relacionamento social Facebook, noticiário via site de pequenas mensagens Twitter -e uma cobrança maior e mais imediata.

FOLHA - O que é "crescer digital"?
DON TAPSCOTT - Os jovens de hoje são a primeira geração a amadurecer na era digital. Essas crianças foram banhadas em bits. Diferentemente de seus pais, elas não temem as novas tecnologias, pois não são tecnologia para eles, mas realidade. Eu os chamo de Geração Net. Sua chegada está causando um salto geracional -eles estão superando os pais na corrida pela informação. Pela primeira vez, os jovens, e não seus pais, são as autoridades numa inovação central da sociedade. Essa geração está tomando os locais de trabalho, o mercado e cada nicho da sociedade, no mundo todo. Está trazendo sua força demográfica, seus conhecimentos de mídia, seu poder de compra, seus novos modelos de colaboração e de paternidade, empreendedorismo e poder político. Eles são "multitarefeiros", realizam várias atividades ao mesmo tempo. Para eles, e-mail é antiguidade. Eles usam telefone para mandar textos, navegar na internet, achar o caminho, tirar fotos e fazer vídeo -e colaborar. Eles entram no Facebook sempre que podem, inclusive no trabalho. Mensagem instantânea e Skype estão sempre abertos, como pano de fundo de seus computadores. O adulto típico de meia-idade de hoje cresceu assistindo a cerca de 22 horas de TV por semana. Mas só assistia. Quando a Geração Net vê TV, trata-a como música ambiente, enquanto busca informação, joga games e conversa com os amigos on-line. Os "digitais" representam um desafio para todas as instituições. Para o governo, são desafio como consumidores dos serviços mas também como cidadãos que querem se envolver no processo democrático. Como consumidores, são muito mais exigentes que seus pais e estão acostumados a um serviço personalizado e rápido. Como empregados, seu instinto contraria práticas tradicionais do ambiente de trabalho.

FOLHA - O sr. disse que o cérebro deles se "conecta" de outra forma.
TAPSCOTT - Pesquisas mostram que o cérebro pode mudar ao longo da vida, estimulado pelo ambiente. Os cérebros das crianças podem mudar em um grau muito maior do que os dos adultos, mas esses também podem mudar -e mudam. Há muita controvérsia ainda, mas os primeiros indícios sugerem que a exposição constante a estímulos de tecnologias digitais, como games, pode mudar o cérebro e a maneira como ele percebe as coisas, torná-lo mais atento e acelerar seu processamento de informação visual. Não só jogadores de game são mais atentos visualmente como têm habilidade espacial mais desenvolvida, o que pode ser útil para arquitetos, engenheiros e cirurgiões. Além disso, vejo que em média o "digital" é mais rápido para mudar de tarefa do que eu e mais rápido para achar o que procura na internet. Embora esse tipo de pesquisa esteja engatinhando ainda, e não seja conclusiva, há indícios cada vez maiores. Os "digitais" parecem incrivelmente flexíveis, adaptáveis e habilidosos ao lidar com diversos meios de informação.

FOLHA - Nesse sentido, podemos chamar Barack Obama de primeiro presidente digital? Quais as implicações da eleição dele nessa geração?
TAPSCOTT - Sim, acho que Obama é o primeiro presidente digital. O aumento do voto jovem foi crucial para seu sucesso. Mas os jovens fizeram mais do que apenas votar em Obama. Eles entraram para a política, mas no seu tipo de militância política. Usam Facebook para compartilhar informação, levantar dinheiro e organizar comícios num ritmo fenomenal. Usam YouTube, que ainda estava em sua infância em 2004, para alcançar milhões de eleitores via vídeo e música. Suas mensagens no Twitter transformaram o ciclo noticioso. Esta eleição marca o nascimento de uma força política irresistível que vai dominar e transformar os EUA. Em 2015, quando todos eles tiverem idade para votar, serão um terço do eleitorado. Têm na ponta dos dedos a internet, a ferramenta mais poderosa para informar, organizar e mobilizar. Além disso, sabem usá-la efetivamente, ao tomar a iniciativa e se comunicar diretamente entre eles para organizar atividades, em vez de esperar passivamente por notícias eleitorais vindas dos QGs de campanha. Essa faixa etária de público não aceitará um tipo de governo tradicional e será excepcionalmente exigente. Vai querer se envolver no ato de governar, ao contribuir com ideias antes que as decisões sejam tomadas. Também vai insistir na integridade dos políticos eleitos; se esses disserem uma coisa e fizerem outra, eles usarão suas ferramentas digitais para checar e espalhar o que descobrirem.

FOLHA - O sr. acha que economias emergentes como o Brasil têm chance de acompanhar as inovações digitais de economias avançadas? Ou há um "vácuo digital"?
TAPSCOTT - Países em desenvolvimento podem não acompanhar as inovações no mesmo ritmo, mas certamente conseguirão reduzir o vácuo. A economia digital oferece uma oportunidade sem precedentes para a criatividade e o empreendedorismo para pequenos e médios negócios. A acessibilidade crescente de ferramentas exigidas para colaborar, criar valor e competir permite que as pessoas participem na inovação e na criação de riquezas em todos os setores. Novas infraestruturas de negócios de baixo custo -da telefonia via internet à terceirização global de plataformas- permitem a pequenas empresas criar produtos, acessar mercados e satisfazer consumidores de modos que só grandes corporações conseguiam antes. Países em desenvolvimento precisam entender as mudanças no setor privado global e desenvolver estratégias para negócios de todos os tamanhos para aproveitar as chances.

FOLHA - Como a atual situação econômica afeta o que o sr. chama de "wikinomics" [veja quadro]? Esse tipo de atividade pode ajudar no combate à crise financeira?
TAPSCOTT - A colaboração no setor de serviços financeiros é fundamental para superarmos a atual crise. A indústria precisa de um novo modelo operacional, construído nos quatro princípios da "wikinomics": transparência, cooperação, compartilhamento de propriedade intelectual e ação global. Isso é factível e disponível num mundo digital. Chamemos de Gerenciamento de Risco 2.0.
São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2601200917.htm

Terrorismo sexual

LUIZ FELIPE PONDÉ
Sexo correto é o que
a pedagoga maníaca por sexo
acha que seja correto,
e nada mais
QUEM É a favor do ensino religioso? Mesmo quem concorda com o ensino religioso discorda do conteúdo: ensinar o quê? Deus, orixás, gnomos, homens-bomba? Outros são contra: religião não é assunto do Estado e da escola, é assunto da vida privada e familiar -guardem esse argumento na memória porque voltarei a ele.
Não vou discutir o ensino religioso, mas sim outra questão que me chama a atenção: a educação sexual nas escolas. Digo logo: sou contra. E mais: acho que sexo é assunto da vida privada e familiar (usei o mesmo argumento dos "contra o ensino religioso", como havia prometido, lembram?) e nenhuma escola ou pedagoga maníaca por sexo deveria entrar nas cabeças das crianças com suas fantasias travestidas de teorias.
Aliás, quem são os teóricos de confiança? Quem descobriu o sexo correto? Normalmente, o sexo correto é aquele que a pedagoga maníaca por sexo acha que seja correto, e nada mais. Tapinha pode?
Claro, no futuro, talvez revoguem a lei contra pedofilia em nome dos "avanços contra os preconceitos", e a pedofilia também venha a ser correta. Uma "última lei qualquer" decidirá que as crianças serão obrigadas a fazer prova sobre como é bonita a pedofilia?
Como ninguém faz uma daquelas campanhas diárias de repúdio à educação sexual nas escolas? Claro que hoje é mais normal num jantar inteligente você contar sua vida sexual com seu pastor alemão do que confessar em lágrimas que acredita em Deus, mas, mesmo assim, como não ver que a educação sexual nas escolas é ridícula? Ensina-se o quê? Posições? Gemidos? Aparelhos engraçadinhos? Que tal se meninos e meninas aprendessem a colocar camisinha com a boca?
Neste caso (nos EUA), a intenção da professora seria não fazer distinção de "gênero"? Daríamos Barbies aos meninos para desenvolver neles o "gênero feminino"? Espadas para as meninas? E, se você "gosta" de plantas, tudo bem, porque tudo é natural? Qual teste se faria para checar o conhecimento da professora? Que tal um "prático"?Quem atesta a sanidade mental dessa professora? Gente "infeliz" na vida sexual pode dar aula sobre sexo? Quem seria a "consultora" desta "infelicidade"?
Aulas de biologia são bem-vindas, é claro. Mas e daí? O que ensinar para uma menina de dez anos sobre sexo? Usaremos fotos? Espero que as fotos sejam legais... Melhor deixá-las falar de "quem beijou quem e quem botou a mão em quem, como e no quê" entre suas amigas nas férias de verão ou no intervalo das aulas. E os meninos? Vendo revista "Playboy" (ou similares) escondido. E deixemos a vida correr, como corre há milênios. Digamos a verdade: quem dá aula de matemática é bom em matemática, quem dá aula de educação sexual é bom no quê? De novo: posições, gemidos, aparelhos engraçadinhos, colocar camisinha com carinho, sexo com plantas?
Todo mundo é mal resolvido em sexo (quem diz o contrário mente). Há algo no sexo que mistura a obviedade do animal com o inefável do ser humano (romantismo, taras e traumas) que não pode ser reduzido a lição de casa. Sexo saudável é sexo pelo sexo, sem preconceitos? Conversa fiada, sexo é sempre "difícil" porque seu "contexto" passa por fantasias, mentiras, inseguranças e infidelidades. Muito sexo sem afeto é coisa de gente fracassada no amor. E não existe aula sobre o "amor certo".
Educação sexual é uma armadilha a serviço de todo tipo de lobby. Vou dar dois exemplos "opostos" para ficar claro. Primeiro: se os pedagogos maníacos por sexo fossem tomados de assalto por católicos? Seria matéria de aula a virgindade até o casamento? E você pai e mãe, que acham esse negócio de casar virgem muito repressor, concordariam?
Segundo: se o bando da educação sexual fosse de "homoafetivos" e obrigassem as crianças lerem histórias em quadrinhos onde meninos beijam meninos? Você, pai e mãe, "heteroafetivos", aceitariam somente porque o bando em questão acusaria vocês de maioria esmagadora preconceituosa?
Sexo nos seres humanos é erotismo. Uma muçulmana toda coberta pode ser mais sensual com apenas seu olho à vista do que uma brasileira pelada na praia. Como "ensinar" essa diferença? Não há educação para tal sutileza. O bando da educação sexual, que insiste em assaltar as crianças com sua pedagogia grosseira, define sexo como algo tão "natural quanto ter sede". Mas, se assim for, sua pedagogia é como obrigar crianças a beber litros de água sem que tenham sede.
luiz.ponde@grupofolha.com.br
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2601200918.htm

Ajude os velhinhos!

"AJUDE OS VELHINHOS , lembre-se de que um dia eles foram como você, bebendo, fumando cigarros e cheirando cola." Essa música, "Help the Aged", da banda Pulp, apareceu na nossa cabeça quando vimos o desfile do Ronaldo Fraga na semana passada, na São Paulo Fashion Freak (oops, Week).
O estilista colocou só velhos e crianças na passarela. E conseguiu arrancar mais aplausos que a over-top-que-vem-ao-Brasil-duas-vezes-por-ano Gisele Bündchen. Na verdade, muita gente que via o desfile se emocionou e chorou de verdade.
"Ajude os velhinhos, lembre-se de que um dia você vai ser velho também." Você, leitor teen, pode achar que estamos falando uma coisa distante, pela qual nem vale a pena perder tempo pensando agora. "Que viagem!", você diz.
Mas cumprimos aqui a função de avisar para vocês que vocês, com seus piercings e tatuagens, não vão ser jovens para sempre. E realmente esperamos que não! Porque só não fica velho quem morre. E queremos vocês vivos.
Provavelmente, como diz na música, seu avô já fez loucuras e sua avó já sofreu por amor. Eles também já acharam chato ir para a escola, se sentiram incompreendidos pelos seus pais e pensaram em mudar o mundo. Sim, eles eram como você. E ainda são. Eles viveram a juventude.
E é sempre bom se lembrar disso. Não só para ter paciência com o avô, mas para VIVER. E lembrar de que no dia em que você for velho, isso vai ser... normal.
Mas a gente se esquece disso. E deve ser por isso que as pessoas choraram. As vezes é preciso ver alguma coisa para se lembrar do óbvio. Amém, Ronaldo Fraga.
Momento de histeria
No futuro todos vão envelhecer (a gente espera)
Texto da coluna 02 Neurônios de Jô Hallack - Nina Lemos e Raz Affonso da Folha de São Paulo.

domingo, 25 de janeiro de 2009

A faca não corta fogo

Herberto Helder


A faca não corta o fogo,
não me corta o sangue escrito,
não corta a água,
e quem não queria uma língua dentro da própria língua?
eu sim queria,
jogando linho com dedos, conjugando
onde os verbos não conjugam,
no mundo há poucos fenómenos do fogo,
água há pouca,
mas a língua, fia-se a gente dela por não ser como se queria,
mais brotada, inerente, incalculável,
e se a mão fia a estriga e a retoma do nada,
e a abre e fecha,
é que sim que eu a amava como bárbara maravilha,
porque no mundo há pouco fogo a cortar
e a água cortada é pouca,
¡que língua,
que húmida língua, que muda, miúda, relativa, absoluta,
e que pouca, incrível, muita,
e la poésie, c’est quand le quotidien devient extraordinaire, e que música,
que despropósito, que língua língua,
é do Maurice Lefèvre, e como rebenta com a boca!
queria-a toda

Herberto Helder, in A Faca Não Corta o Fogo, súmula & inédita, pp. 66-67, Assírio & Alvim, Lisboa, Setembro de 2008.
- Publicado na página: http://asfolhasardem.wordpress.com/

Religião e felicidade

Rubem Alves

É preciso não acreditar nos números da pesquisa. E isso porque as pessoas religiosas respondem de acordo com aquilo que sua ideologia religiosa as obriga a dizer. Perdão, Fernando Pessoa, pelo que vou fazer com os teus versos: “O religioso é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é gozo a dor que deveras sente...” A religião dos pentecostais e evangélicos é uma religião que promete felicidade. Cristo dá paz àqueles que o têm no coração e resolve pelo milagre (a bênção!) os seus problemas. Se ele disser que não está feliz, ou a sua religião é falsa, não cumprindo o que promete ou ele não tem Cristo no coração. A ideologia católica permite confessar-se infeliz, porque nosso mundo é mesmo um vale de lágrimas. Felicidade só no céu. O mesmo vale para os protestantes. Um dos seus hinos diz: “Não há dor que seja sem divino fim...” E a ideologia espírita vê o sofrimento como instrumento do karma para promover a evolução. “Bendita a dor que me purifica a alma”, dizia a mulher espírita no sofrimento do seu câncer. Já os sem religião, por não estarem amarrados a uma ideologia que os obrigue, têm mais liberdade para reconhecer o sofrimento como sofrimento. Mas não sei se é vantajoso sofrer cientificamente. No sofrimento da dor eu não quero a realidade. Quero mesmo é uma dolantina, a felicidade dentro de uma ampola


Velhice tranquila
Em data passada eu publiquei em meio a espantos e risos a informação que me fora passada por um colega entendido em religiões. Mas não dei muito crédito e preveni meus leitores de que não deveriam aceitar o escrito como sendo real. Por que gastei tempo e espaço do jornal com uma besteira? É que eu cada vez mais me assombro com a capacidade humana de acreditar em coisas absurdas. Eu mesmo já acreditei. E me pergunto: onde estava a minha inteligência? O Chico Buarque e o Vinícius também acreditaram. Em nome de besteiras muitas guerras são travadas e muita gente é morta. O notícia era de que havia uma igreja com o nome de “Igreja Pentecostal Cuspe de Cristo”. Incrédulo de que a estupidez humana pudesse chegar a esse ponto resolvi consultar o Google. Descobri que a estupidez humana era muito maior do que eu imaginava. Vão aí alguns poucos exemplos: Assembléia de Deus Canela de Fogo, Assembléia de Deus com Doutrinas e sem Costumes, Associação Evangélica Fiel até Debaixo d’água, Comunidade Arqueiros de Cristo, Comunidade do Coração Reciclado, Cruzada Evangélica do Pastor Waldevino Coelho, a Sumidade, Igreja A Chave do Éden, Igreja A Serpente de Moisés, a que engoliu as outras, Igreja Abastecedora de Água Abençoada, Igreja Abominação à Vida Torta, Igreja Abre-te Sésamo, Igreja Assembléia de Deus Botas de Fogo Ardentes e Chamuscantes, Igreja Assembléia de Deus do Papagaio Santo que ora a Bíblia, Igreja Ave César, Igreja Bailarinas da valsa divina, Igreja bambolês sagrados, Igreja Batista da pomba sacrificada, Igreja Batista da velhice tranqüila... se eu não fosse tão descrente juro que entraria para essa última, da velhice tranqüila...


Aos que não gostam de ler
Nada tenho a dizer aos que gostam de ler. Eles já sabem. Mas tenho muito a dizer aos que não gostam de ler. Pena é que, por não gostarem de ler, é provável que não leiam isso que vou escrever. O que tenho a dizer é simples: “Vocês não sabem o que estão perdendo.” Ler é uma das maiores fontes de alegria. Claro, há uns livros chatos. Não os leiam. Borges dizia que, se há tantos livros deliciosos de serem lidos, por que gastar tempo lendo um livro que não dá prazer? Na leitura fazemos turismo sem sair de casa gastando menos dinheiro e sem correr os riscos das viagens. O Shogun me levou por uma viagem no Japão do século XVI, em meio aos ferozes samurais e as sutilezas do amor nipônico. Cem anos de solidão, que reli faz alguns meses, me produziu espantos e ataques de riso. Achei que o Gabriel Garcia Marques deveria estar sob o efeito de algum alucinógeno quando o escreveu. Lendo, você experimenta o assombro do seu mundo fantástico sem precisar cheirar pó. É isso: quem lê não precisa cheirar pó. Nunca tinha pensado nisso. A poesia do Alberto Caeiro me ensina a ver, me faz criança e fico parecido com árvores e regatos. Agora, essa maravilha de delicadeza e pureza, do Gabriel velho com dores no peito e medo de morrer: Memórias de minhas putas tristes. Li, ri, me comovi, fiquei leve e fiquei triste de o ter lido porque agora não poderei ter o prazer de lê-lo pela primeira vez. Pena que vocês, não-leitores, sejam castrados para os prazeres que moram nos livros. Mas, se quiserem, tem remédio...

Rubem Alves é escritor, teólogo e educador - Publicado 25/01/2009
http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1616941&area=2220&authent=6DB8CFE83762126D9ACFCA3740124F

sábado, 24 de janeiro de 2009

Por que não mudar o DNA humano?

Nick Bostrom
O filósofo de Oxford defende
a engenharia genética
para ampliar
os limites físicos
e mentais do homem


Peter Moon

Nick (ou Niklas) Bostrom é um dos mais jovens e brilhantes pensadores do futuro tecnológico da humanidade. Em 2008, ele coorganizou, ao lado de Sir Martin Rees, o presidente da Real Sociedade britânica, o livro Global catastrophic risks (Riscos de catástrofes globais), em que se discutem as diversas ameaças à humanidade. Em seu novo livro, Human enhancement (Aperfeiçoamento humano, no prelo), Bostrom defende o uso da manipulação gênica por todos os que queiram expandir sua memória e inteligência. No dia em que essa tecnologia estiver disponível, por que não usá-la? Em favor dessa tese, Bostrom investe contra os defensores das terapias “naturais” para obter uma vida melhor e mais saudável. São os mesmos que atacam a engenharia genética como insensata e cheia de riscos.

ENTREVISTA - NICK BOSTROM


QUEM É
O filósofo sueco Nick Bostrom, de 35 anos, leciona na Universidade de Oxford, onde dirige o Instituto do Futuro da Humanidade
O QUE FEZ
Em 1998, fundou a Associação Trans-Humanista Mundial (a atual Humanity Plus). Em 2004, foi a vez do Instituto de Ética e Tecnologias Emergentes
O QUE PUBLICOU
Man into Superman (2005), Global catastrophic risks (coeditor, 2008) e Human enhancement (2009, no prelo)

ÉPOCA – Superpopulação, poluição, destruição ambiental, proliferação nuclear... Corremos o risco de nos autodestruir?
Nick Bostrom – Não creio que a humanidade enfrente riscos a sua existência. Mesmo uma guerra nuclear não levaria à extinção do ser humano. Meu receio são as novas tecnologias. Elas, sim, podem pôr em risco nossa existência.

ÉPOCA – Quais são elas?
Bostrom – O primeiro exemplo é o desenvolvimento de máquinas inteligentes, a inteligência artificial. Outro risco é a criação de armas baseadas em biotecnologia e nanotecnologia. O avanço nas técnicas de vigilância também é arriscado, pois daria o poder de saber tudo sobre a população, e pode cair nas mãos de governos totalitários. Acrescento ainda o uso político ou criminoso da engenharia genética para mudar o ser humano.

ÉPOCA – O senhor fundou a Associação Trans-Humanista Mundial. O que é isso?
Bostrom – A humanidade será radicalmente modificada pelas futuras tecnologias, numa escala jamais imaginada. Os trans-humanistas preveem a iminência da alteração da condição humana. Será possível dilatar a vida e expandir os limites do corpo e da mente. Por que não melhorar geneticamente nossa capacidade de concentração ou de memória, se tivermos os meios a nossa disposição? Por que não mudar o DNA humano?

ÉPOCA – Ter uma vida mais saudável não é o suficiente para viver mais e melhor?
Bostrom – Muitas pessoas preferem os remédios naturais, os suplementos alimentares naturais e os métodos naturais para ampliar as capacidades do corpo, por meio de exercícios físicos, de dietas saudáveis e mais cuidados com a higiene. As intervenções “não naturais” são vistas com suspeita. Essa atitude é particularmente verdadeira em relação aos métodos artificiais de aperfeiçoamento humano, considerados imprudentes e com possíveis efeitos colaterais. Contra os que temem o aprimoramento gênico do ser humano, o trans-humanismo defende o direito ao uso responsável da engenharia genética por todos aqueles que queiram estender os próprios limites físicos e intelectuais.

ÉPOCA – Então, o senhor é a favor disso?
Bostrom – Esse conhecimento está sendo criado para curar e prevenir doenças. A seleção genética já é usada quando os pais descobrem pelo ultrassom e testes genéticos um problema no feto, podendo corrigi-lo antes do parto. Os questionamentos éticos surgem quando se levanta a hipótese de usar a engenharia genética para aumentar a inteligência ou mudar os traços físicos do bebê.

ÉPOCA – Será possível ampliar a inteligência das pessoas?
Bostrom – O ponto importante a levar em conta quando se fala em engenharia genética é que ela é uma tecnologia muito lenta. É muito mais difícil fazer experiências com humanos que com animais. Uma geração de moscas vive duas semanas. Para um humano atingir a idade reprodutiva, leva 15 anos. Seria preciso esperar duas gerações, ou 30 anos, para verificar se os genes inseridos no DNA de um óvulo fecundado foram transmitidos a seus descendentes. Antes disso, o embrião precisa se desenvolver, o bebê nascer, crescer e se tornar um adulto. São necessários milhares de anos para que uma alteração genética se dissemine por meio da população mundial.

ÉPOCA – Há algum exemplo em seu futuro livro, Human enhancement?
Bostrom – Sim, a tolerância à lactose. Ao desmamar, cerca de 80% dos bebês perdem a capacidade de digerir a lactose, o açúcar do leite. Porém, uma grande fração dos europeus e seus descendentes mantém a tolerância ao longo da vida. A razão é uma mutação genética ocorrida em tribos da Europa Central. Elas começaram a sobreviver com uma dieta baseada no leite e seus derivados entre 10 mil e 5 mil anos atrás. Em termos evolucionários, a mutação é tão recente que ainda não teve tempo de se espalhar pelo resto do planeta.

“Por que não melhorar geneticamente nossa capacidade de concentração ou de memória, se tivermos os meios a nossa disposição?”

ÉPOCA – Sobre a inteligência artificial, muitos trans-humanistas creem que as máquinas serão conscientes até 2030.
Bostrom – Essa crença é baseada na Lei de Moore. Ela prevê que a capacidade dos processadores dobra a cada 18 meses. Desde 1965, quando a lei foi formulada por Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, ela tem se mantido válida. Nestes 40 anos, a evolução dos chips se deu em escala geométrica. A prosseguir o mesmo ritmo, argumenta-se que, entre 2025 e 2030, a capacidade de processamento dos computadores eventualmente rivalizará com aquela do cérebro humano. Quem acha que a consciência é somente uma função da capacidade de processamento dos 100 bilhões de neurônios do cérebro humano acredita que, quando os computadores atingirem igual capacidade, a inteligência artificial emergirá. Se a lei de Moore continuar valendo, 18 meses depois as máquinas deixarão a inteligência do Homo sapiens para trás. Eu não acredito nessa hipótese. Não acho que as máquinas serão inteligentes daqui a 20 anos. O advento da inteligência artificial pode levar cinco décadas, pode levar um século, ou jamais ocorrer.

ÉPOCA – Caso as máquinas se tornem inteligentes, quais serão as consequências?
Bostrom – A inteligência artificial será a última invenção que os humanos terão de desenvolver. Por definição, uma máquina superinteligente será capaz de produzir invenções científicas e tecnológicas inconcebíveis ao ser humano. A sociedade que daí surgir dependerá de quais forem os objetivos da superinteligência. Por analogia, a razão pela qual o homem dominou a Terra não é sermos mais fortes e ágeis que os outros animais, ou termos garras e dentes mais afiados. Foi nosso cérebro. Com ele, criamos a civilização. Pela mesma razão, uma superinteligência seria mais poderosa que nós.

ÉPOCA – A superinteligência controlará nossa vida, como no filme Matrix?
Bostrom – Não creio que o futuro nos reserve um cenário como Matrix. Mas tudo dependerá dos objetivos segundo os quais a inteligência artificial for desenvolvida. Se os programadores da máquina forem suficientemente habilidosos e sábios, o resultado pode ser extremamente bom. De qualquer forma, existe um risco substancial e inerente à criação da superinteligência.

ÉPOCA – A nanotecnologia também envolve riscos. Ela pode derivar em armas de destruição maciça.
Bostrom – Sim. O grande argumento dos que defendem o fim das pesquisas com nanotecnologia é o temor da criação de robôs minúsculos como vírus. Eles se multiplicariam descontroladamente, extinguindo a humanidade. Se o risco existe, e isso é discutível, impedir a pesquisa não é solução. Caso o Brasil, os Estados Unidos ou o Ocidente decidam barrar o estudo da nanotecnologia, cedo ou tarde alguém o fará. Pode ser a China, o Irã ou outro país. Para tornar o mundo mais seguro, é melhor que os regimes com democracias estáveis cheguem lá primeiro. O cerceamento à pesquisa torna o mundo mais perigoso.

O CORVO

Edgar Allan Poe


Publicado pela primeira vez em 1845, The Raven é o mais popular – e o mais prestigiado – poema de Edgar Allan Poe. Compare a seguir a primeira estrofe nas versões em português de Machado de Assis, Fernando Pessoa e aquela que costuma ser apontada como a melhor, do mineiro Oscar Mendes.

Por Edgar Allan Poe


Once upon a midnight dreary,
while I pondered, weak and weary,]
Over many a quaint and curious
volume of forgotten lore,]
While I nodded, nearly napping,
suddenly there came a tapping,]
As of some one gently rapping,
rapping at my chamber door.]
“ ‘Tis some visitor”, I muttered,
“tapping at my chamber door –]
– Only this and nothing more.”


Por Machado de Assis

Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exaustode fadiga,]
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agoramorta,]
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar
devagarinho,]
E disse estas palavras tais:
“É alguém que me bate à porta
de mansinho;]
Há de ser isso e nada mais.”


Por Fernando Pessoa

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências
ancestrais,]
E já quase adormecia, ouvi o que
parecia]
O som de alguém que batia
levemente a meus umbrais.]
“Uma visita”, eu me disse, “está
batendo a meus umbrais.]
É só isto, e nada mais.”

Por Oscar Mendes

Foi uma vez: eu refletia, à
meia-noite erma e sombria,]
a ler doutrinas de outro tempo em
curiosíssimos manuais,]
e, exausto, quase adormecido, ouvi
de súbito um ruído,]
tal qual se houvesse alguém batido
à minha porta, devagar.]
“É alguém” – fiquei a murmurar – “que bate à porta, devagar;
sim, é só isso e nada mais.”
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jspuf=1&local=1&source=a2380089.xml&template=3898.dwt&edition=11557&section=1029

A Ecologia Planetária de FRITJOF CAPRA


"Um outro mundo é possível". "Sim, nós podemos". A primeira afirmativa, quase que uma palavra de ordem nos lugares onde os movimentos sociais se encontram, surgiu no Fórum Social Mundial (FSM), evento internacional organizado para celebrar a diversidade, discutir e buscar novas alternativas para resolver os problemas sociais. A segunda é o slogan da histórica campanha que elegeu o democrata Barack Obama, presidente dos Estados Unidos. Assim, parafraseando os dois momentos, o físico austríaco Fritjof Capra encerrou seu discurso no Fórum Internacional de Energias Renováveis e Sustentabilidade - a Ecopower, realizada em Florianópolis, em novembro último. Como pensador e ambientalista engajado que é, tem todas as prerrogativas para propor caminhos certeiros para atingirmos a tão sonhada sustentabilidade.

Capra é, sem dúvida, um dos nomes mais relevantes na divulgação dos progressos da ciência, da filosofia e principalmente da ecologia em nossos dias. Em 1966, aos 27 anos, ele obteve seu título de Doutor em Física pela Universidade de Viena. Três anos mais tarde, no verão de 1969, teve uma "experiência culminante". Sentado em frente ao mar, numa praia da Califórnia, quando observa as ondas e refletia sobre os vários movimentos rítmicos da natureza - o vai-e-vem do oceano, as batidas do coração e o ritmo da respiração, associou-os ao que ele sabia, intelectualmente, sobre a "estrutura" física da matéria: "Neste momento, subitamente, apercebi-me intensamente do ambiente que me cercava: este se afigurava a mim como se participasse, em seus vários níveis rítmicos, de uma gigantesca dança cósmica. Eu sabia, como físico, que a areia, as rochas, a água e o ar ao meu redor eram constituídos de moléculas e átomos em vibração constante. Tudo isso me era familiar em razão de minha pesquisa com a Física de alta energia. Mas até aquele momento, porém, tudo isso me chegara apenas através de gráficos, diagramas e teorias matemáticas. Sentando na praia, senti que minhas experiências anteriores subitamente adquiriam vida". Dalí surgiu o "Tao da Física", livro que tornou Capra mundialmente famoso. A seguir, a Revista JB Ecológico selecionou uma série de pensamentos sobre este grande mestre de nosso tempo.
Confira:


Ciência x Misticismo
"A ciência não necessita do misticismo e este não necessita daquela; o homem, contudo, necessita de ambos. A experiência profunda da mística é necessária para a compreensão da natureza mais profunda das coisas, e a ciência é essencial para a vida moderna. Necessitamos, na verdade, não de uma síntese, mas de uma interação dinâmica entre intuição mística e a análise científica."
Ecologia
"O paradigma ecológico é alicerçado pela ciência moderna, mas se acha enraizada numa percepção existencial que vai além do arcabouço científico, no rumo de sua consciência de íntima e sutil unidade de toda a vida e da interdependência de suas múltiplas manifestações e de seus ciclos de mudança e transformação. Em última análise, essa profunda consciência ecológica é espiritual. Quando o conceito de espírito humano é entendido como o modo de consciência em que o indivíduo se sente ligado ao cosmo como um todo, fica claro que a percepção ecológica é espiritual em sua essência mais profunda, e então não é surpreendente o fato de que a nova visão da realidade esteja em harmonia com as concepções das tradições espirituais da humanidade."
Sustentabilidade
"É preciso transformar a maneira de conduzir a sociedade e o conceito de que o benefício financeiro deve ser conseguido a qualquer custo. Temos que mudar o sistema de valores e as regras do livre comércio. Dignidade humana e sustentabilidade são a base da nova sociedade civil que está emergindo."
Novo capitalismo
"A humanidade passa por um novo tipo de capitalismo, que engloba inovações e sabedoria. A globalização resultou na acumulação de capital por poucos, em conseqüências ambientais desastrosas, na quebra da democracia e no aumento da pobreza."
Produtos ecológicos e corretos
"Muitas pessoas estão preparadas para pagar mais por esse tipo de produto, especialmente as classes alta e média ao redor do mundo. Eles vão a mercados onde podem conseguir produtos orgânicos, eles compram produtos que são feitos de componentes reciclados. Mas o que precisamos, urgentemente, é mudar nosso sistema de impostos, de maneira que os produtos ecologicamente corretos sejam os mais baratos, e podemos fazer isso cobrando impostos sobre o uso de energia e matérias-primas. O que tem sido feito é o imposto sobre o trabalho, só que trabalho temos muito. Se eu tivesse uma companhia e se quisesse empregar muitas pessoas, eu não deveria ter que pagar muito imposto. Mas se eu quero usar muita energia e matéria-prima, isto é o que deveria ser taxado. Essa mudança no sistema de impostos está sendo posta em prática em vários países europeus, e irá forçar as industrias a redesenhar seus produtos. Se o sistema de impostos mudar, quando você for no supermercado para comprar comida, a comida orgânica será a mais barata, porque é a que usa menos energia para ser produzida."
Justiça Global
"Este novo tipo de movimento político depende de uma rede de institutos de pesquisas, pensadores e estudiosos. São três pontos que devem ser focalizados: o desafio de remodelar a política, as controvérsias entre transgênicos e agricultura sustentável e o design ecológico. Isto tudo precisa ser feito com uma compreensão de como a natureza sustenta a vida, entendendo as conexões. Precisamos passar da biologia para a ecologia. Conhecer a teia da vida é crítico para este novo design."
Energia nuclear
"A energia nuclear não possui um design ecológico, com diver- sos riscos, como a falta de conhecimento de como processar os resíduos radioativos. Nenhuma empresa de seguros irá assegurar um reator nuclear. Além disso o urânio não é um combustível renovável e a tecnologia aplicada para a produção desta energia não é viável sem subsídios governamentais."
Barack Obama
"É um ótimo ouvinte, facilitador e mediador. O seu programa político dá ênfase para as energias renováveis e pretende criar cinco milhões de empregos 'verdes'."
Vontade Política
"Com as tecnologias disponíveis atualmente, a transição para um futuro sustentável é possível, tudo que precisamos é vontade política e liderança. A vontade política tem aumentado, como o papel de Al Gore na criação de uma consciência ecológica, o Relatório do economista inglês Nicholas Stern que aponta a possibilidade de estabilizar as mudanças climáticas investindo apenas 1% do Produto Interno Bruto (PIB) global, e o livro de Lester Brown, fundador do Worldwatch Institute, a obra `Plano B 3.0', um guia detalhado para salvar a civilização."
Princípios sustentáveis
"A literatura ecológica deve ser a parte mais importante da educação em todos os níveis. Precisamos ensinar nossas crianças, políticos e estudantes. Este é o primeiro passo no caminho para a sustentabilidade. O segundo é design ecológico. Temos que entender o vazio entre o design humano e da natureza. Os princípios do design ecológico refletem os princípios da organização que a natureza desenhou para apoiar a teia da vida."
"Este novo desenho inclui a agricultura orgânica, clusters industriais ecológicos e a mudança de uma economia orientada pelos produtos para uma guiada para os serviços. Atualmente já existem edifícios que produzem mais energia do que consomem e que não geram resíduos; assim como células a combustível de hidrogênio, que incorporam os princípios básicos da ecologia: pequenas escalas, não poluidoras e nem geradoras de resíduos."
Governo Bush
"Acho que o governo dos Estados Unidos está passando por um momento muito difícil. O sistema político é muito corrupto, o dinheiro tem muita influência. O presidente e o vice-presidente dos Estados Unidos são fortemente patrocinados pelas indústrias de petróleo americanas, e então se retiraram do Protocolo de Kyoto e de várias outras atividades ambientais. Quando Bush se tornou presidente, a tensão mundial cresceu no Oriente Médio, na Coréia, em muitos outros lugares. São tempos difíceis, e o governo americano é muito militarista. Mas precisamos perceber que nem mesmo o presidente dos Estados Unidos tem todo esse poder."
Educação x Agricultura
"Para o Brasil há duas coisas importantes: uma é a educação e outra é a agricultura, e elas caminham juntas. O que precisamos é de uma agricultura ecologicamente correta, que respeita a saúde do solo, que não usa químicos, mas sim processos ecológicos, por exemplo, rotação de culturas, culturas de cobertura para reter água."
"Existe uma ciência chamada agroecologia, que estuda processos que rejuvenescem o solo, estimulando a vida dos microorganismos. O que este tipo de agricultura também faz, e isto não é muito conhecido, é puxar carbono da atmosfera. Os microorganismos são vivos, feitos de carbono. Carbono é o mais importante átomo na química da vida. Todas as moléculas, carboidratos, proteínas, lipídios, têm esqueletos de carbono, então carbono é o esqueleto da vida. Se você cria um solo que é muito vivo, com muitos microorganismos, está concentrando carbono, que vem do CO2 do ar."
"Uma das melhores medidas contra o aquecimento global é a agricultura orgânica. Que também é um trabalho muito intensivo, emprega muitas pessoas em pequenas propriedades, e por isso estimula a comunidade, aumenta a renda dos agricultores e breca a migração para as cidades. Os moradores do campo não vêm para São Paulo e para outras grandes cidades por vontade própria. Eles são levados a isso. O governo e as organizações deveriam investir em agricultura sustentável, pois é a melhor medida contra as migrações para as cidades. O outro elemento é a educação, porque você não pode fazer agricultura orgânica sem saber do que se trata, sem saber ecologia e técnicas básicas. Educação e agricultura orgânica são as melhores maneiras de fazer nossas cidades habitáveis novamente."
Biotecnologia
"As biotecnologias invadiram a santidade da vida, que foi transformada em commodity. Tudo isto é insustentável social, ecológico e financeiramente. Precisamos mudar este jogo. O primeiro passo é reconhecer a possibilidade de remodelar esta situação e percebendo que os lucros não são superiores a tudo. A questão crítica não é tecnológica, mas sim a falta de vontade política." A
A reportagem é de EDSON RODRIGUES/SECOM MTJB ECOLÓGICO – DEZEMBRO DE 2008
http://ee.jornaldobrasil.com.br/reader/zomm.asp?pg=jbecologico_82/103266