Rubem Alves
O povo de Israel, depois de amargar quarenta anos andando por um deserto seco, aproximava-se da Terra Prometida, essa mesma que hoje é motivo de matanças que não têm fim. Acabavam de atravessar o rio Jordão... Havia gente que nunca vira um rio, água correndo sem parar...
O exército israelense avançava expulsando os moradores do local sem dó nem piedade e se apossando de suas terras. Não usavam foguetes e aviões, como agora, mas o resultado era o mesmo.
Terras maravilhosas, verdejantes que, segundo o escritor sagrado, manavam leite, mel e cachos de uvas que requeriam dois homens para serem carregados.
Tinham agora um povinho insignificante pela frente que poderia ser derrotado com meio exército. Josué comandava tranquilo. Mas as coisas não aconteceram como esperadas e o povinho fraquinho lhes deu um surra humilhante.
Josué, coronel comandante, foi se queixar diretamente a Iaweh, general supremo.
E Iaweh lhe disse: (naqueles tempos Deus falava diretamente com os homens. Não sei porque isso não acontece mais. Porque, se acontecesse, não haveria dúvidas sobre qual é a vontade de Deus, tal como aconteceu nesse edificante episódio das Escrituras inspiradas, relatado no capítulo 7 do livro de Josué. Quem se comunica diretamente com Deus não tem dúvidas, só certezas).
Iaweh lhe disse: “Vocês foram derrotados porque houve um homem que fez coisa que eu proibira. Enquanto vocês não se purificarem desse homem vocês serão derrotados.”
Josué, sabendo que com Deus não se brinca, acordou de madrugada, reuniu as doze tribos e delas escolheu a tribo de Judá, e da tribo de Judá a clã de Zerah, e da clã de Zerah a família de Zabdi, e da família de Zabdi um homem chamado Acã, que confessou: ele fizera a coisa proibida. Na batalha se apossara de uma capa de veludo, de algumas moedas de prata e uma barra de ouro.
Josué, então, tomou Acã, “a prata, a capa e a barra de ouro, junto com seus filhos e filhas, seus bois, suas mulas, suas ovelhas, sua tenda e tudo quando tinha, e ele e todo o povo de Israel os levaram ao vale de Acor. Josué então lhe disse: “Tu nos trouxeste uma desgraça. Agora o Senhor passará a desgraça para ti...”
Então os Israelitas seus irmãos os apedrejaram até a morte. E as pedras formaram uma pilha que lá está até o dia de hoje. “Assim o Senhor apagou o furor da sua ira.” (Josué 7. 25-26).
Palavra do Senhor. Graças a Deus.
Diante de um inimigo comum os homens se unem. Derrotado o inimigo comum os vitoriosos, que dantes estavam unidos contra aquele inimigo comum, se tornam inimigos uns dos outros: a guerra contra um inimigo externo se transforma em guerra entre os irmãos internos.
Pois é um caso desses que está relatado no livro de Juizes, das Escrituras inspiradas, cap. 12 . Por uma questão qualquer que não vem ao caso os guerreiros da tribo de Gileade brigaram com os guerreiros da tribo de Efraim, todos eles irmãos do povo de Israel.
Derrotados, os efraimitas ficaram com medo de que os guerreiros gileaditas vitoriosos, para se vingar, invadissem seu território e matassem todos os homens. Pensaram então: “O jeito é a gente, durante a noite, passar para os limites da tribo de Gileade. Assim passaremos por gileaditas e eles não nos matarão.
E assim fizeram. Foram para a fronteira onde havia uma guarda.
“Alto lá, identifiquem-se!”, berravam os guardas gileaditas.
Respondiam os efraimitas disfarçados:“Somos gileaditas. Deixem-nos passar...”
Acontecia, entretanto, que os efraimitas tinham um sotaque que os identificava. Sua língua não conseguia pronunciar o som “sh”. Aí o guarda ordenava:
“Fale ‘shiboleth’”.
O efraimita dizia: “Siboleth...”
Diz o texto inspirado que, naquela ocasião, quarenta e dois mil efraimitas foram decapitados pelos seus irmãos gileaditas, seu sangue misturando-se com as águas do rio Jordão... (Juizes 12:5-6).
Palavra do Senhor, graças a Deus...
Rubem Alves é escritor, teólogo e educador
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