domingo, 11 de janeiro de 2009

O que revolucionará a humanidade?

Fundação pergunta aos grandes cérebros de hoje
quais os fatos que sonharam presenciar
Cristine Gerk
Moradores de um arranha-céu futurista, os Jetsons povoaram o imaginários dos jovens sonhadores da década de 60 com um século 21 repleto de robôs e aparelhos supermodernos que tornariam a vida mais fácil e engraçada. Agora, alguns desses jovens se tornaram personalidades, cientistas famosos que ainda esperam estar vivos para presenciar os grandes acontecimentos que idealizaram para este século. Para descobrir quais são as previsões mais recorrentes, a Fundação Edge, dos EUA, perguntou a autores, pesquisadores, jornalistas e outros pensadores a seguinte questão: "o que mudará tudo? Que idéias e práticas você queria viver para ver?"
Entre dúzias de respostas, algumas mereceram destaque. Uma das mais fantásticas é a expectativa da evolução de novas espécies humanas, apresentada por Juan Enriquez, CEO da Biotechonomy e diretor fundador do Projeto Life Sciences da Harvard Business School.
– Por engenharia genética ou mecânica, nós, seres humanos, estamos fadados a mudar, se não seremos extintos – defendeu Enriquez no relatório da fundação, ponderando que 99% das espécies, incluindo todos os outros hominídeos, se extinguiram.

Por meio de implantes e de engenharia genética, a humanidade daria origem a uma raça de criaturas biônicas, conectadas entre si e com as redes de computadores. Esses humanos do futuro poderiam modificar seus corpos para viver em ambientes fatais para os seres humanos atuais, como o fundo do mar ou a superfície de Marte. Essas criaturas poderiam viver centenas de anos, ou até se tornarem imortais, transferindo suas mentes para bancos de dados ou corpos mais evoluídos, quando os antigos se deteriorarem.
– É certo que não há como imaginar uma espécie biológica sendo eterna, pois nossa existência está relacionada às leis que regem o universo, a natureza de modo geral. Sem dúvida temos meios de atenuar a ação da seleção natural, mas de forma alguma podemos imaginar acabar com ela – contesta Maria Cátira Bortolini, professora do departamento de genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Embora possamos alterar o ambiente e interferir na nossa própria evolução (além de outras espécies de interesse), não dispomos de meios para controlar todos os fatores envolvidos nesse processo. Como poderíamos controlar todas as leis que regem o universo e a natureza? A nossa história biológica continuará sendo marcada pela imprevisibilidade.
Freeman Dyson, físico do Instituto para Estudos Avançados, nos EUA, espera que alguns campos de neurologia evoluam para a radiotelepatia, a comunicação direta de sentimentos e pensamentos de cérebro para cérebro. O mito antigo da telepatia, induzido por controle a distância, seria substituído por um tipo prosaico de telepatia induzida por ferramentas tecnológicas. Dyson, de 85 anos, espera que seu neto testemunhe essa façanha.

A telepatia do futuro seria possível graças a um microchip implantado no cérebro, que transformaria as ondas cerebrais e os pensamentos em sinais de rádio que uma pessoa poderá transmitir para os aparelhos semelhantes no cérebro de seus amigos e parentes. Com isso, todos estariam permanentemente conectados, mas o dispositivo poderia filtrar as mensagens, impedindo que a pessoa tenha seus pensamentos invadidos por pessoas não autorizadas.
– Minha aposta é a de que a radiotelepatia e novas espécies humanas vão se tornar realidade não só pelos humanos, mas também por uma geração de computadores genuinamente inteligentes. Não acho que verei isso. Mas, em algumas centenas de anos, existirão computadores capazes de replicar um grande espectro da consciência humana. Não se parecerão com as máquinas de hoje, serão, na verdade, a nova geração de espécies inteligentes – antecipa Mario Livio, astrofísico do Hubble Space Telescope Science Institute e autor de Is God A Mathematician?. – Gostaria de ver tudo isso enquanto vivo, mas o que me deixaria mais feliz seria descobrir vida inteligente em outro planeta. Também acharia o máximo se descobríssemos a natureza da energia escura, que provoca a aceleração da expansão cósmica.
Karl Sabbagh, escritor e produtor de televisão, autor do livro The Riemann Hypothesis, especula que pode haver um padrão ainda não descoberto de impulsos nervosos cerebrais que governam o comportamento agressivo de estupradores, assassinos e outros que praticam atos violentos para encontrar satisfação. Se tal padrão fosse detectado, poderíamos definir métodos para prevenir ou corrigir os traços. Desativar tais comportamentos quimica ou eletronicamente poderia então criar um mundo onde o crime seria atenuado.

– Aqui entra a questão da eugenia. Até que ponto podemos manipular nossa personalidade e comportamento para certos padrões sociais previamente estabelecidos. Que padrões sociais seriam esses? Aqueles apregoados pelas sociedades industriais democráticas ou aqueles das sociedades teocráticas, fundamentalistas e ditatoriais? – contesta Maria.

Ronaldo Lemos, diretor do Creative Commons no Brasil, também considera polêmica a opinião de Sabbagh. O jurista italiano Cesare Lombroso já havia proposto algo semelhante no século 19. Ele se propunha a identificar pessoas predispostas a praticar atos de violência conforme seus respectivos padrões corporais, faciais e de personalidade e catalogava tipos físicos de criminosos tentando identificar traços comuns. Segundo Lemos, a prática é condenada pela ineficácia e pelas graves questões éticas envolvidas.

– Todas as previsões são pertinentes, mas algumas trazem discussões éticas bastante complicadas. Isso só demonstra que o avanço da tecnologia resolve muitos problemas, mas não resolve automaticamente as questões éticas que surgem em paralelo – completa Lemos. – O melhor método para prever o futuro é exacerbar tendências atuais. Com relação às teorias, a que mais acredito é a do Freeman Dyson, que prevê uma telepatia mediada por sistemas tecnológicos. Basta ver o trabalho de pesquisadores em neurociência hoje para notar que de fato esse é um horizonte possível.

Lemos lembra que o brasileiro Miguel Nicolelis, um dos mais importantes neurocientistas do mundo (responsável pelo Instituto Internacional de Neurociência de Natal), já consegue fazer com que macacos movam um braço mecânico diretamente com ondas cerebrais. Se isso é possível, é porque a informação gerada pelo cérebro conseguiu chegar até a máquina. Ao ampliar essa tendência, é possível imaginar que venha a ocorrer uma evolução tão grande das interfaces entre homem e máquina ao ponto de que seja possível passar instruções para um computador por ondas cerebrais.

A magia também está entre as previsões. Roger C. Schank, psicólogo e cientista da computação da Education Inc, lembra que nos tempos antigos, homens mais velhos e sábios eram apreciados em todo mundo. A prática está perdida porque os especialistas não são conhecidos e há muito sobre o que se especializar atualmente, segundo Schank. Mas para o cientista, uma nova era está chegando, com a ajuda de computadores, que precisarão arquivar esse conhecimento para que ele chegue ao alcance de todos.

Outras respostas incluem ainda o desenvolvimento de moléculas, colônias fora da Terra para o teste da sobrevivência humana, o domínio da fabricação de fenótipos, baterias com duração inesgotável e laptops feitos de quantum.

– Podemos especular sobre qualquer coisa, mas me parece que muito do que veremos no futuro virá sem qualquer previsão. Basta ver como o futuro era previsto décadas atrás. Nada mais equivocado, certo? – lembra Maria.

Um comentário:

  1. Caro Zguiotto, a teoria de Sabbagh está exemplificada no argumento de "Laranja Mecânica", inclusive com a ressaca emocional e a debilidade na autosuficiência do paciente tratado. Mas isso não impede uma reflexão sobre o sistema carcerário: os presidiários precisariam de penas mais curtas, compostas por oito horas de trabalho diário de segunda a sábado e aulas noturnas obrigatórias de cursos profissionalizantes, socialização, ética e qualquer religião. Creio que assim retornariam à sociedade reeducados e com alguma chance de sobreviverem com dignidade. Abs, Zé Eduardo

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