quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

As festas americanas e os nossos deveres Battisti e os cubanos

Mauro Santayana*

As grandes virtudes do povo norte-americano se devem à inteligência e aos sentimentos éticos e religiosos dos fazendeiros e letrados que constituíram a elite da independência. Entre fundar uma monarquia ou correr o risco republicano, e entre resolver os problemas de convivência das antigas colônias mediante a centralização e estabelecer sistema federativo, optaram pela república e pela federação. Retornaram aos historiadores gregos e romanos para nutrir-se dos princípios clássicos da República e se inspiraram nas Províncias Unidas da Holanda para a descentralização do poder. Essas escolhas têm garantido a continuidade constitucional dos Estados Unidos. A federação, ali, é, de acordo com observadores da altura de Lord Acton, a base das liberdades políticas e a efetiva segurança contra as tentações totalitárias internas.

O poder das unidades federadas se exerce a partir do processo eleitoral e flui das bases para o cume, da planície para a montanha, mediante o cáucus e as prévias. Das conversas informais e discussões entre vizinhos e nos comitês partidários, esboçam-se as candidaturas em torno de idéias e de interesses. O passo seguinte é o das prévias, que vão somando os votos no Colégio Eleitoral futuro. Como a federação, ali, é de estrutura radical, os candidatos vencem em cada estado, e o número de votos eleitorais correspondente a cada um deles define os vitoriosos.

Reconhecer as virtudes norte-americanas não significa desconhecer os vícios de sua arrogância. Um deles, que corresponde ao desvio de uma virtude religiosa, é o proclamado espírito de missão. Acreditaram, e ainda acreditam muitos de seus líderes, que os Estados Unidos surgiram para conduzir o mundo de acordo com a sua visão profética da História. Uma dessas crenças é a de que a democracia, tal como a concebem, é valor político absoluto. Consideram qualquer outro sistema como diabólico, quando contraria seus interesses geopolíticos. Não lhes convém indagar se o despotismo, esclarecido ou não, dos sistemas muçulmanos, é aceito pelos seus povos. Para nós, ocidentais, não há dúvida de que, conforme a máxima de Churchill, a democracia é o pior dos sistemas, com a exceção de todos os outros. Mas há outras formas de ver o mundo, que devemos respeitar. O valor maior do homem, dentro da inteligência democrática, é a liberdade. Para outros, pode ser o da obediência a um soberano. Liberdade e obediência, no entanto, têm os seus limites, pela lei ou pela necessidade.

Há muitas lições da experiência norte-americana que, sim, podemos seguir. Uma delas é o da democracia na escolha dos candidatos. A vontade dos cidadãos pode não ser a melhor, e muitas vezes, lá e alhures, não foi. Foi péssima a escolha de Bush, como fora, antes dele, desastrosa a escolha de Collor, no Brasil. A diferença está no processo de escolha. Aqui ela é feita pelo consenso dos dirigentes partidários, como defende o governador José Serra. Lá ela brota do cáucus, e se vai afunilando nas prévias para consagrar-se na convenção nacional. Se não fosse assim, seria quase impossível a eleição de alguns outsiders, entre eles Barack Obama.

A alternância no Poder Executivo é outro bom exemplo norte-americano. Até 1951, a Constituição não proibia as reeleições sucessivas, o que possibilitou a Franklin Roosevelt ser eleito quatro vezes (1932, 1936, 1940 e 1944). A 22ª. Emenda, naquele ano, limitou a dois mandatos (No person shall be elected to the office of president more than twice). Esta é também boa norma para quem sonha, entre nós e nossos vizinhos, com terceiros, quartos e não sabemos quantos mandatos.

Seguir os bons exemplos dos Estados Unidos não significa aceitar sua liderança. Nosso dever é o de encontrar, com as nossas razões, o próprio caminho no mundo.

Leitores protestam por que não citei o caso dos esportistas cubanos. Como deixei claro, não discuto a natureza moral do asilo a Battisti que, de resto, passou 14 anos na França, sem que os franceses fossem tratados com arrogância pela Itália. O que defendo é o direito de o Brasil decidir quem acolhe ou não dentro de suas fronteiras. Convém lembrar que, de acordo com o noticiário da época, os cubanos – diante de um representante do Ministério Público – desistiram de asilar-se no Brasil, preferindo voltar, pelas naturais razões familiares. Se o Brasil os houvesse asilado e o governo cubano agisse como o italiano, minha atitude seria a mesma, a de defesa de nossa soberania.

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