Antonio Olinto*
O tempo só piorou nas ameaças,
tornando normais
as "brutalidades"
citadas por Euclides
Sabe-se hoje que o Euclides da Cunha da Amazônia pode ombrear-se com o Euclides da Cunha de Os sertões.
O pioneirismo de Tavares Bastos, cujo livro O vale do Amazonas foi publicado no ano mesmo do nascimento de Euclides da Cunha – 1866 – iria produzir seus melhores frutos com o assomar da República brasileira e através do entusiasmo idealista, inclusive no significado filosófico do adjetivo, dos republicanos. A escolha de Euclides para chefiar a missão no Alto Purus revela a sabedoria administrativa do Barão do Rio Branco, e o livro que Euclides se preparava para escrever, O paraíso perdido, deixaria de existir por causa de uma bala assassina. Mas o que escreveu ficaria, não só em À margem da História, mas também em Contrastes e confrontos e em Peru versus Bolívia, como livros básicos de uma brasilidade.
Se, em Os sertões, o nordestino era antes de tudo um forte, em À margem da História o seringueiro é, obrigatoriamente, profissionalmente, um solitário. Se, em Canudos, havia multidões, homens, mulheres e crianças por toda parte, na Amazônia dos seringais as pessoas como que sumiam no meio das árvores, ficando isoladas em pequenos grupos, ferindo caules e esperando que o leite da borracha se acumulasse.
Por escolha própria, deixara Euclides de visitar a Europa ou de aceitar postos no exterior para ir ao encontro da Amazônia, para vingá-la, para resgatá-la. Foi com uma sensação de cientista messiânico, de profeta, que ele se dirigiu a uma região caluniada, e disto é sinal o trecho de carta que enviou então ao Rio de Janeiro e que Leandro Tocantins reproduz em seu livro Euclides e o paraíso perdido: "Nada te direi da terra e da gente. Depois, aí, e num livro, Um paraíso perdido, onde procurarei vingar a Hiléia maravilhosa de todas as brutalidades que a maculam desde o Século XVIII".
O tempo só piorou nas ameaças à Amazônia, tornando normais as "brutalidades" mencionadas por Euclides, já que atingem agora as suas árvores que são derrubadas ao longo de quilômetros de sua superfície.
De minha experiência na África, aprendi que a árvore é sagrada. Certa vez, no reino de Keto, visitando meu amigo Ewé, notei que uma árvore estendera um de seus galhos na direção de uma parede alta de sua casa e comentei: "Ewé, você vai ter de cortar aquela árvore, senão ela derruba sua casa".
Meu amigo me olhou espantado e perguntou: "Derrubar a árvore? Eu não posso derrubar aquela árvore". Eu quis saber por que. Resposta: "Um Deus mora naquela árvore". Depois de um ligeiro espanto, indaguei: em toda árvore mora um Deus? Diante da resposta positiva perguntei: "E se vocês tiverem um terreno com várias árvores e precisarem do lugar para, digamos, construir uma estrada?" Resposta: "Neste caso, a gente faz uma festa para as árvores, dançamos diante delas e pedimos que os deuses mudem para outras árvores próximas, porque é possível uma árvore ter mais de um Deus".
Pensando no Amazonas, tentei avaliar quantos deuses têm sido expulsos da região pelos destruidores de árvores.
Este ano é o centenário de morte de Euclides da Cunha: academias e universidades se unirão para festejar sua memória, tal como fizeram, no ano passado com Machado de Assis. São dois dos maiores brasileiros de qualquer tempo.
Usemos nossos esforços numa defesa permanente da Amazônia.
Se, em Os sertões, o nordestino era antes de tudo um forte, em À margem da História o seringueiro é, obrigatoriamente, profissionalmente, um solitário. Se, em Canudos, havia multidões, homens, mulheres e crianças por toda parte, na Amazônia dos seringais as pessoas como que sumiam no meio das árvores, ficando isoladas em pequenos grupos, ferindo caules e esperando que o leite da borracha se acumulasse.
Por escolha própria, deixara Euclides de visitar a Europa ou de aceitar postos no exterior para ir ao encontro da Amazônia, para vingá-la, para resgatá-la. Foi com uma sensação de cientista messiânico, de profeta, que ele se dirigiu a uma região caluniada, e disto é sinal o trecho de carta que enviou então ao Rio de Janeiro e que Leandro Tocantins reproduz em seu livro Euclides e o paraíso perdido: "Nada te direi da terra e da gente. Depois, aí, e num livro, Um paraíso perdido, onde procurarei vingar a Hiléia maravilhosa de todas as brutalidades que a maculam desde o Século XVIII".
O tempo só piorou nas ameaças à Amazônia, tornando normais as "brutalidades" mencionadas por Euclides, já que atingem agora as suas árvores que são derrubadas ao longo de quilômetros de sua superfície.
De minha experiência na África, aprendi que a árvore é sagrada. Certa vez, no reino de Keto, visitando meu amigo Ewé, notei que uma árvore estendera um de seus galhos na direção de uma parede alta de sua casa e comentei: "Ewé, você vai ter de cortar aquela árvore, senão ela derruba sua casa".
Meu amigo me olhou espantado e perguntou: "Derrubar a árvore? Eu não posso derrubar aquela árvore". Eu quis saber por que. Resposta: "Um Deus mora naquela árvore". Depois de um ligeiro espanto, indaguei: em toda árvore mora um Deus? Diante da resposta positiva perguntei: "E se vocês tiverem um terreno com várias árvores e precisarem do lugar para, digamos, construir uma estrada?" Resposta: "Neste caso, a gente faz uma festa para as árvores, dançamos diante delas e pedimos que os deuses mudem para outras árvores próximas, porque é possível uma árvore ter mais de um Deus".
Pensando no Amazonas, tentei avaliar quantos deuses têm sido expulsos da região pelos destruidores de árvores.
Este ano é o centenário de morte de Euclides da Cunha: academias e universidades se unirão para festejar sua memória, tal como fizeram, no ano passado com Machado de Assis. São dois dos maiores brasileiros de qualquer tempo.
Usemos nossos esforços numa defesa permanente da Amazônia.
Que os deuses regressem às suas árvores.
Antonio Olinto é membro da Academia Brasileira de Letras, vice-presidente do Pen Club Internacional e doutor Honoris Causa da Fagoc (MG) e da Universidade Vasile Goldis, de Arad (Romênia) Publicação Jornal do Brasil, 11 de janeiro de 2009.
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