domingo, 25 de janeiro de 2009

Religião e felicidade

Rubem Alves

É preciso não acreditar nos números da pesquisa. E isso porque as pessoas religiosas respondem de acordo com aquilo que sua ideologia religiosa as obriga a dizer. Perdão, Fernando Pessoa, pelo que vou fazer com os teus versos: “O religioso é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é gozo a dor que deveras sente...” A religião dos pentecostais e evangélicos é uma religião que promete felicidade. Cristo dá paz àqueles que o têm no coração e resolve pelo milagre (a bênção!) os seus problemas. Se ele disser que não está feliz, ou a sua religião é falsa, não cumprindo o que promete ou ele não tem Cristo no coração. A ideologia católica permite confessar-se infeliz, porque nosso mundo é mesmo um vale de lágrimas. Felicidade só no céu. O mesmo vale para os protestantes. Um dos seus hinos diz: “Não há dor que seja sem divino fim...” E a ideologia espírita vê o sofrimento como instrumento do karma para promover a evolução. “Bendita a dor que me purifica a alma”, dizia a mulher espírita no sofrimento do seu câncer. Já os sem religião, por não estarem amarrados a uma ideologia que os obrigue, têm mais liberdade para reconhecer o sofrimento como sofrimento. Mas não sei se é vantajoso sofrer cientificamente. No sofrimento da dor eu não quero a realidade. Quero mesmo é uma dolantina, a felicidade dentro de uma ampola


Velhice tranquila
Em data passada eu publiquei em meio a espantos e risos a informação que me fora passada por um colega entendido em religiões. Mas não dei muito crédito e preveni meus leitores de que não deveriam aceitar o escrito como sendo real. Por que gastei tempo e espaço do jornal com uma besteira? É que eu cada vez mais me assombro com a capacidade humana de acreditar em coisas absurdas. Eu mesmo já acreditei. E me pergunto: onde estava a minha inteligência? O Chico Buarque e o Vinícius também acreditaram. Em nome de besteiras muitas guerras são travadas e muita gente é morta. O notícia era de que havia uma igreja com o nome de “Igreja Pentecostal Cuspe de Cristo”. Incrédulo de que a estupidez humana pudesse chegar a esse ponto resolvi consultar o Google. Descobri que a estupidez humana era muito maior do que eu imaginava. Vão aí alguns poucos exemplos: Assembléia de Deus Canela de Fogo, Assembléia de Deus com Doutrinas e sem Costumes, Associação Evangélica Fiel até Debaixo d’água, Comunidade Arqueiros de Cristo, Comunidade do Coração Reciclado, Cruzada Evangélica do Pastor Waldevino Coelho, a Sumidade, Igreja A Chave do Éden, Igreja A Serpente de Moisés, a que engoliu as outras, Igreja Abastecedora de Água Abençoada, Igreja Abominação à Vida Torta, Igreja Abre-te Sésamo, Igreja Assembléia de Deus Botas de Fogo Ardentes e Chamuscantes, Igreja Assembléia de Deus do Papagaio Santo que ora a Bíblia, Igreja Ave César, Igreja Bailarinas da valsa divina, Igreja bambolês sagrados, Igreja Batista da pomba sacrificada, Igreja Batista da velhice tranqüila... se eu não fosse tão descrente juro que entraria para essa última, da velhice tranqüila...


Aos que não gostam de ler
Nada tenho a dizer aos que gostam de ler. Eles já sabem. Mas tenho muito a dizer aos que não gostam de ler. Pena é que, por não gostarem de ler, é provável que não leiam isso que vou escrever. O que tenho a dizer é simples: “Vocês não sabem o que estão perdendo.” Ler é uma das maiores fontes de alegria. Claro, há uns livros chatos. Não os leiam. Borges dizia que, se há tantos livros deliciosos de serem lidos, por que gastar tempo lendo um livro que não dá prazer? Na leitura fazemos turismo sem sair de casa gastando menos dinheiro e sem correr os riscos das viagens. O Shogun me levou por uma viagem no Japão do século XVI, em meio aos ferozes samurais e as sutilezas do amor nipônico. Cem anos de solidão, que reli faz alguns meses, me produziu espantos e ataques de riso. Achei que o Gabriel Garcia Marques deveria estar sob o efeito de algum alucinógeno quando o escreveu. Lendo, você experimenta o assombro do seu mundo fantástico sem precisar cheirar pó. É isso: quem lê não precisa cheirar pó. Nunca tinha pensado nisso. A poesia do Alberto Caeiro me ensina a ver, me faz criança e fico parecido com árvores e regatos. Agora, essa maravilha de delicadeza e pureza, do Gabriel velho com dores no peito e medo de morrer: Memórias de minhas putas tristes. Li, ri, me comovi, fiquei leve e fiquei triste de o ter lido porque agora não poderei ter o prazer de lê-lo pela primeira vez. Pena que vocês, não-leitores, sejam castrados para os prazeres que moram nos livros. Mas, se quiserem, tem remédio...

Rubem Alves é escritor, teólogo e educador - Publicado 25/01/2009
http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1616941&area=2220&authent=6DB8CFE83762126D9ACFCA3740124F

Um comentário:

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