sábado, 10 de janeiro de 2009

Roth pergunta a Kundera se o mundo vai acabar

Alvaro Costa e Silva
Ao comentar a personalidade do escritor italiano de família judia Primo Levi, Philip Roth cria um axioma que se encaixa perfeitamente nele, Roth: "Ao contrário do que pode parecer de saída, não causa surpresa a constatação de que os escritores, tal como o resto da humanidade, se dividem em duas categorias: os que sabem ouvir e os que não sabem". Se não jogasse no time daqueles, um livro como Entre nós: um escritor e seus colegas falam de trabalho, lançado originalmente nos Estados Unidos em 2001, não funcionaria tão bem. Nele, Roth, considerado o mais importante escritor americano em atividade (e bota atividade nisso: o homem desova quase um livro por ano, cada um mais bem acabado que o outro), entrevista ­– ou conversa, bate papo, puxa uma prosinha, joga conversa fora com enorme autoridade ­– e troca cartas com outros escritores de sua clara preferência. Além de Primo Levi, estão escalados Issac B. Singer, Bernard Malamud, Aharon Appelfeld, Edna O'Brien, Mary McCarthy, Ivan Klíma, Milan Kundera, entre outros. Não satisfeito, comete alguns breves ensaios de alto nível, principalmente sobre Kafka e o polonês Bruno Schulz, provando que também é um excelente crítico. Porque sabe ­– além de ouvir – ­ ler.

Os tchecos
Nas tertúlias predominam as preocupações e obsessões do próprio Philip Roth. Por isso é claro que um dos temas abordados é a condição de judeu ­– a são judeus sete dos 10 escritores discutidos, além do artista plástico Philip Gaston. Mas o grande destaque são as conversas com os dois tchecos Klíma e Kundera - uma discussão que põe em lados opostos o artista e as instituições políticas que mais têm de criminosas.
Roth apresenta Klíma, com quem se encontrou várias vezes em Praga ("era meu principal instrutor de realidade"), usando veia de ficcionista: "Embora seu corte de cabelo à Beatles esteja um pouco mais curto do que nos anos 70, as feições acentuadas e a boca cheia de dentes de carnívoro ainda me fazem pensar de vez em quando (principalmente quando ele está alegre) que estou na presença de um Ringo Starr intelectualmente muito desenvolvido". Ato contínuo, começam a falar do imbecilês ­- língua criada nos EUA para a comunicação entre pessoas e chimpanzés - ­ comparação que Klíma encontra para definir o que os anos de regime comunista fizeram com a língua tcheca. É a maior entrevista do livro, e a melhor.

O fim do mundo
A conversa de Roth com Kundera, realizada em 1980, pode a princípio parecer coisa de maluco mas passa longe do imbecilês. Com toda a liberdade do não-repórter, o americano manda bala na primeira pergunta:
Roth : Você acha que a destruição do mundo vai acontecer em breve?
Kundera : Depende do que você quer dizer com "em breve".
Roth : Amanhã ou depois de amanhã.
Kundera : A sensação de que o mundo está caminhando rumo à destruição a passos largos é muito antiga.
Roth : Quer dizer que não te- mos motivo para preocupação?
Kundera : Pelo contrário. Se um temor existe na mente humana há séculos, deve haver algo por trás dele.

Daí, naturalmente, passam a Rabelais, Diderot, Sterne, Primavera de Praga, O livro do riso e do esquecimento. Gente fina é outra coisa.
No último artigo, "Relendo Saul Bellow", Rorth comenta as principais obras deste outro gigante das letras americanas: Agarre a vida, Henderson, o rei da chuva, Herzog, O planeta do senhor Sammler, O legado de Humboldt. Vale como um curso intensivo, tipo Maduereza.

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