quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Uma moeda não hegemônica

Rose Marie Muraro
Escritora
Quem leu a obra de Adam Smith, o maior teórico do sistema capitalista, principalmente A riqueza das nações, pode perceber que o pressuposto básico do seu pensamento que influenciou a atividade produtiva mundial definitivamente até hoje é que o grande pilar desse sistema é o egoísmo — o interesse próprio acima do interesse comum. É a busca da maior vantagem pessoal possível que faz a trama do sistema econômico andar.
Durante dois séculos, foi considerada a principal lei econômica. Só hoje, depois de passar por inúmeras guerras, crises, principalmente a atual que parece ser a mãe de todas as crises e a iminente possibilidade de destruição da natureza, é que se pode perceber o quanto ele é imoral e ineficiente.
O maior exemplo do desequilíbrio é a existência de uma moeda hegemônica para trocas mundiais pertencente a uma única nação. Alfred Lietaer, um dos principais arquitetos do euro e provavelmente o maior especialista vivo em teoria da moeda, mostra como todos estamos reféns da maior potência hegemônica. Muitas vezes quem determina os caminhos da economia mundial são as decisões de uma única pessoa.
No livro The future of money, ele propõe que esse sistema seja substituído por uma moeda de referência mundial que seja administrada pelas principais economias do mundo (industrializadas e emergentes), melhor fora se fosse administrado por todos os países. A essa moeda deu o nome de terra e cada unidade dela seria lastreada pelo preço das principais commodities de acordo com os maiores mercados mundiais.
A vantagem dessa moeda é que ela não seria nem inflacionária nem deflacionária, porque variaria de acordo com o preço das commodities, e todas as moedas nacionais poderiam ser trocadas entre si por meio terra sem a interferência de outra moeda de uma única nação. Por isso ela é anticíclica e anticrise por definição. As moedas nacionais permaneceriam nacionais e, se houvesse crise em um país, não se estenderia pelo mundo todo.
Agora que o neoliberalismo das últimas décadas foi definitivamente derrotado pela realidade e se tornou fundamental a intervenção severa dos Estados nos mercados, fica mais claro para as pessoas que ainda acreditam na competição como fundamento da economia que uma moeda cooperativa traria mais riqueza e mais vantagem ao mundo, além de regular o consumo desenfreado de uns em detrimento da não satisfação das necessidades básicas de outros. A moeda seria cooperativa porque exigiria para sua administração o consenso da maioria dos pobres da maioria dos povos, o que a impediria de ser objeto de manipulação dos mais fortes em detrimento dos mais fracos.
Vemos por exemplo, o caso do euro, administrado apenas por 16 países, mas que já está se mostrando mais sólido que o dólar. Agora, com o advento de nova era política, possível por um negro ter assumido a condução da maior potência econômica e ter sido marcada para meados de abril uma conferência do G-20 para discutir em conjunto os destinos econômicos e políticos do mundo, cremos que o presidente francês Nicolas Sarkozy (que deseja refundação do capitalismo) não a torne um retrocesso, mas a reinvenção do capital/dinheiro no sentido de ampliar a ação para todos os povos e todas as classes sociais.
Há povos que têm abundância da moeda de referência e outros que não têm quase nenhum acesso a ela, o que faz que a relação dominante/dominado seja estruturalmente reforçada em vez de a riqueza circular de maneira mais equilibrada e, portanto mais vantajosa para todos. Assim a humana ganância, mãe de todos os ciclos econômicos, poderia dar lugar à humana cooperação, a única que pode destruir esses ciclos e dar uma sobrevida um pouco maior à humanidade.
Em recente entrevista à imprensa internacional, Lester Brown, considerado o maior ecólogo do mundo e diretor do State of the World, a bíblia ecológica da ONU, mostra que, se a China alcançar os EUA em poder aquisitivo em dólar, seriam necessários 2,5 planetas Terra para sustentar o consumo, o que deve ocorrer lá pelo ano de 2031. Isso é rigorosamente incompatível com a atual realidade. Portanto, por que não pensar em uma mudança radical como o esquema terra? Só a brutalidade da realidade crua pode fazer essa humanidade louca parar para pensar.
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 29/01/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário