sábado, 3 de janeiro de 2009

O suicídio e a falta de sentido

SÉRGIO SARDINHA DE AZEVEDO
Durante a primeira década do século 21, suicidaram-se em média um milhão de pessoas por ano no mundo. Esse número equivale ao desaparecimento anual de uma cidade como Campinas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para o fato de que “o suicídio está agora entre as três principais causas de morte entre pessoas de 15 a 44 anos de idade de ambos os sexos”. Além disso, a OMS informa que “nos últimos 45 anos as taxas de suicídio (número de suicídios para cada 100 mil pessoas) aumentaram em 60% mundialmente”. Em outras palavras, não foi só o número absoluto de suicídios que cresceu: proporcionalmente, mais pessoas optam pela morte.
Uma comparação pode ilustrar a dimensão do problema. Segundo dados das organizações não-governamentais Iraq Body Count e Iraq Coalition Casualty Count, 26.932 pessoas — entre civis e militares — morreram na Guerra do Iraque em 2007. No mesmo ano, a Agência Nacional de Polícia do Japão divulgou 33.093 suicídios. No entanto, o suicídio provocou mais mortes no Japão do que a guerra no Iraque não só em 2007. Desde 1998, o Japão registra anualmente mais de 30 mil suicídios. No pior ano da Guerra do Iraque (2006), ocorreram 30.477 mortes. Não vale argumentar que a cultura nipônica tolera a decisão de colocar um ponto final na própria existência. A situação é tão grave que o governo japonês já iniciou campanhas de prevenção.
Mas a triste marca não pertence apenas ao Japão. Países como França, Suíça, Dinamarca, Suécia, Rússia, China e Uruguai detêm as maiores taxas de suicídio do mundo, segundo dados da OMS. Felizmente o Brasil possui uma taxa pequena. Mesmo assim, o País registrou 8.527 casos em 2005, cerca de 1% do total de mortes. A Associação Brasileira de Psiquiatria informa que as taxas de suicídio vêm aumentando e o Ministério da Saúde já baixou uma portaria instituindo diretrizes para a prevenção.
Diante dessa realidade vem a pergunta: que fazer? O suicídio não é uma guerra para tentar estabelecer um cessar-fogo, nem uma doença para buscar um medicamento eficiente. Tampouco está relacionado à pobreza, como mostram os relatórios da OMS, pois países ricos possuem taxas altas. Um modo de responder essa pergunta começa talvez pela reflexão sobre os motivos que levam a uma decisão tão trágica. Em outras palavras, por trás do suicídio está a indagação pelo sentido da vida.
O século 20 assistiu ao desenvolvimento da psiquiatria. Sigmund Freud contribuiu de forma inquestionável, descobrindo o subconsciente e sua influência no comportamento humano. Enquanto Freud explicava o ser humano através do “impulso sexual reprimido”, Alfred Adler, um de seus alunos, discordava do mestre e estabelecia como fundamento da existência humana “o desejo de poder”. Nesse cenário, surgiu um novo personagem, infelizmente, ainda pouco conhecido no Brasil. Como Freud e Adler, Viktor Emil Frankl era judeu, vienense e psiquiatra. Ainda jovem, recebeu elogios de Freud por um de seus artigos científicos. Prisioneiro em Auschwitz, descobriu uma forma diferente de compreender a condição humana e iniciou uma nova linha de estudos, conhecida como “a terceira escola vienense”.
Frankl estabeleceu como fundamento da vida humana a busca de sentido. O ser humano busca constantemente o sentido da sua existência e, se não o encontra, frustra-se. Por isso, propunha como tratamento a logoterapia, ou seja, a terapia que busca o sentido (logos, em grego) da vida. Nessa teoria, a busca de sentido leva à autotranscedência, que — com palavras do próprio Frankl — “consiste no fato essencial de o homem sempre ‘apontar’ para além de si próprio, na direção de alguma causa a que serve ou de alguma pessoa a quem ama”.
A logoterapia propõe o abandono do egoísmo e a descoberta de uma nova forma de vida, voltada para o outro. Enquanto as demais psicoterapias pretendem curar o homem através do sexo (Freud) ou do poder (Adler), a logoterapia convida-o a ver um mundo novo, longe do egocentrismo sufocante.
Um sentido para a vida é como se intitula um dos livros de Frankl, encontrado atualmente nas livrarias do Brasil e recomendado aos interessados num primeiro contato com a logoterapia. Se fosse mais conhecida, a obra de Frankl ajudaria não só quem experimenta a desilusão e o desespero. Prestaria também um grande serviço àqueles que, corajosamente, formulam a suprema pergunta da vida humana: qual é o sentido de tudo isso?

· Sérgio Sardinha de Azevedo é professor da PUC-CampinasE-mail: sergio.mensagem@gmail.com

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