“Agora, os portões da inundação estão abertos”
Johannes Schaff, especialista em cinema
O especialista alemão em cinema Johannes Schaff, que colaborou com o processo de pesquisa e de escolha de vídeos em Life in a Day, não chega a considerar que o usuário de blogs e do YouTube já tenha sido narcisista, mas admite, no entanto, que na colaboração entre internautas está o futuro da rede e, no que se firma com o sucesso do documentário, do cinema também.
Zero Hora – Como surgiu sua colaboração com Life in a Day? Você foi creditado como um dos pesquisadores. Como a produção do documentário o contactou, e como foi o processo de pesquisa?
Johannes Schaff – Fui um num time de cerca de 20 pesquisadores internacionais. Todos trabalhamos no escritório principal, em Londres. Nossa tarefa era assistir a todos os vídeos enviados e selecionar aqueles que considerávamos interessantes para o projeto. Essa coleção foi então usada pelo editor, Joe Walker, e pelo diretor, Kevin MacDonald, para montar o filme final. Eu também enviei um clipe, mas não chegou a figurar no corte final. Além de nossos próprios parâmetros de valor artístico para cada clipe, tínhamos regras rígidas sobre copyright, obscenidade, crueldade animal, racismo e ódio. Algumas pessoas chamavam o trabalho de escravatura digital. E tenho de dizer que assistir 200 vídeos por dia, cada um deles entre um e 10 minutos, era mais difícil do que se podia imaginar, mas eu aproveitei a experiência a cada passo. Me senti verdadeiramente abençoado em observar uma fatia da humanidade a cada dia. Acho que seria muito interessante para um cientista social. Já que eu falo alemão, os vídeos nesse idioma caíam para mim. No dia designado para a filmagem, houve um grande desastre na Love Parade, em que cerca de 20 pessoas morreram. Esses vídeos eram difíceis de assistir, mas então eu achava um vídeo de um homem bêbado em um banco proclamando:
– Este é o melhor dia da minha vida, sabem por quê? Porque é o melhor dia da minha vida!
E então o equilíbrio do carma se reinstalava. Os produtores queriam manter o interesse da comunidade online durante o processo de edição. Eles tiveram a ideia de filmar seis virais e lançá-los no período entre o dia da filmagem e o lançamento em Sundance. Os virais tinham de ser inspirados pelo tema “a vida em um dia”. Eu tive uma ideia, que tive de vender entre outras 15 ou mais pessoas. Eles selecionaram seis, e o meu estava entre eles. Queria fazer meu viral o mais YouTube possível. Fazia sentido para esse projeto que se fizesse algo no espírito do YouTube e do projeto. Para mim, chegar a uma estética YouTube significava filmar algo pessoal, espontaneamente. Há muito tempo, eu tenho jogado bolas de golfe no Tâmisa com um velho amigo. Ele é um personagem muito luminoso e adora conversar sobre o local em que está para encontrar pistas históricas na arquitetura. Ele parecia a pessoa certa para filmar espontaneamente. Também era muito importante para mim fazer algo inspirador, divertido, extrovertido e interessante.
ZH – Por que você escolheu fazer parte do projeto?
Schaff – Tenho seguido o YouTube muito de perto desde que começou, há cinco anos. Sou fascinado por ele. Aprendi a fazer filmes da maneira antiga. Quando chegou o YouTube, eu percebi que tudo havia mudado. Iluminar uma cena em um estúdio, usando uma câmera 35 mm como a Panaflex Gold, editar filmes à mão, tudo isso é tecnologia inútil agora. O YouTube me incitou desde o início. Havia uma abordagem tão radical de se fazer filmes que, de repente, pessoas simplesmente sentavam em seus quartos e usavam uma webcam! Pensei muito sobre maneiras de criar um filme por meio do YouTube, mas a fórmula de Life in a Day infelizmente não me ocorreu. Minha suspeita é de que o YouTube possa, no futuro, ser visto como uma virada fundamental na história do cinema. O YouTube foi o último passo na democratização da imagem em movimento. Eu sugeriria que esse processo começou com a introdução de câmeras 8mm no mercado consumidor na década de 1960. Agora, o YouTube cuidou da parte de distribuição no processo de se fazer filmes. Acredito que esse filme é um dos mais importantes de nosso tempo. Quando apareceu a oportunidade de fazer parte do projeto, fiquei animadíssimo, e, honestamente, a excitação ainda não se foi completamente.
ZH – Esse modelo colaborativo de juntar conteúdo via internet é algo para ser feito uma vez apenas, ou propostas diferentes podem ser pensadas no mesmo princípio?
Schaff – Acredito que realmente não haja fim às variações dessa forma de cinema. Agora, os portões da inundação estão abertos. Já há outro filme como esse sendo feito agora mesmo. O tempo dirá o quão bem-sucedido é este processo. Mas meu palpite é de que haverá mais filmes seguindo o modelo.
___________________________Fonte: ZHCULTURA,online, 29/01/2011
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