Para o físico americano, em 100 anos a tecnologia
dará ao ser humano o poder dos deuses gregos
Peter Moon
Michio Kaku tem um dom pouco comum entre os cientistas. Ao mesmo tempo que domina o jargão incompreensível da academia, Kaku se comunica com o público leigo com admirável facilidade. Na Universidade da Cidade de Nova York, Kaku pesquisa e ensina física teórica. Fora do campus, é um dos mais conhecidos divulgadores científicos nos Estados Unidos. Por meio de livros e documentários, Kaku traduz os avanços da ciência e suas consequências no dia a dia. Em A física do futuro – Como a ciência transformará o cotidiano em 2100, seu novo livro que sairá nos Estados Unidos em março, Kaku sonha longe. Ele parte das tecnologias de ponta que só existem em laboratório para extrapolar seus usos em potencial daqui a um século. E diz que não é apenas ficção científica.
ENTREVISTA - MICHIO KAKU
QUEM É
O físico americano Michio Kaku, de 64 anos, é professor de física teórica da Universidade da Cidade de Nova York
O QUE FAZ
Kaku pesquisa a Teoria das Cordas, candidata à teoria final que explicaria a natureza do Universo. Kaku é um conhecido divulgador da ciência e apresentador de documentários de TV
O QUE PUBLICOU
Escreveu uma dúzia de livros, entre eles Hiperespaço (1994), Mundos paralelos (2004) e A física do impossível (2008)
ÉPOCA – Em seu novo livro, o senhor se atreve a descrever as tecnologias que serão dominantes em 2100. Não é um arriscado exercício de futurologia falar do mundo daqui a 100 anos?
Michio Kaku – O livro é o resultado de minhas conversas e entrevistas com 300 cientistas, os mais importantes pensadores do futuro em todo o mundo. Eu os entrevistei para documentários no Discovery Channel e na PBS (Public Broadcasting Service, a rede de TV pública americana). Também apresento um programa de rádio em rede nacional, no qual entrevisto dois cientistas por semana. A física do futuro surgiu da reunião das considerações daqueles pesquisadores sobre os próximos 100 anos.
ÉPOCA – O livro aborda tecnologias que existem em laboratório. Por que esperar?
Kaku – Sim, essas tecnologias existem na forma de protótipos. Assim, não estou falando de ficção científica, mas de tecnologia de verdade. As tecnologias que apresento no livro sairão do laboratório para invadir nosso dia a dia nos próximos 20 ou 30 anos. Mas, quando avançamos 50, 80, 100 anos no futuro, é preciso mudar o referencial. Em 1900, na época de nossos tataravôs e bisavôs, não havia televisão, nem computadores, nem internet. Os automóveis eram artigos de luxo exclusivos dos muito ricos. O mundo se movia em carroças puxadas por cavalos. O telégrafo era uma tecnologia de ponta, e o recém-inventado telefone era uma distração das elites. Meu avô veio do Japão para os Estados Unidos há um século. Se estivesse vivo, ele nos veria como se fôssemos bruxos, capazes de assistir ao vivo imagens transmitidas do outro lado do mundo e conversar instantaneamente com outras pessoas à distância. Para meu avô, nós seríamos feiticeiros. Por analogia, se alguém de 2100 voltasse hoje à Terra, nós o veríamos não como um bruxo, mas como um deus grego.
"Somos bruxos que usam elétrons
para processar dados pela internet.
Mas ninguém ainda consegue fazer
um carro a partir do nada"
ÉPOCA – Por que grego?
Kaku – Pense as coisas que os deuses gregos eram capazes de fazer. Segundo a mitologia, Zeus era capaz de controlar pessoas e mover objetos com o pensamento. É o que quero dizer quando afirmo que, para nós, o homem de 2100 seria visto como um deus, nunca um bruxo. Os bruxos recorrem à magia, usam varinhas, fazem poções, declamam encantamentos. Aos deuses basta o desejo. O homem do futuro acessará informações e criará novas realidades usando a mente ou um aceno das mãos.
ÉPOCA – Se, para seu avô, nós pareceríamos bruxos, o controle remoto é uma varinha mágica. O senhor quer dizer que o controle remoto desaparecerá?
Kaku – Mais que isso. Ele não será necessário. Falo da possibilidade de criar objetos a partir do nada. Imagine que você queira materializar um carro aqui e agora. Nenhum bruxo seria capaz de fazê-lo. Esqueça o Windows e a Apple. Nenhum programa da Microsoft permite materializar um objeto tridimensional. Não estou falando de programas de computador. Estou falando de matéria programável, matéria que pode ser controlada para assumir formas e desempenhar funções, como a lâmpada deste abajur que ilumina o ambiente. A diferença entre um bruxo e um deus é que o bruxo manipula elétrons para obter luz, eletricidade, lasers...
ÉPOCA – Essa lâmpada foi fabricada e plugada numa rede elétrica igualmente projetada e construída. Em 2100, bastará dizer “faça-se a luz!” e abracadabra?
Kaku – Sim, só que sem o abracadabra. Somos bruxos que usam elétrons para processar informações num computador e enviar pela internet. Mas nem você nem eu somos capazes de materializar coisa alguma. O ser humano não descobriu como criar formas de vida que jamais existiram na Terra. Não podemos mentalizar um carro e vê-lo surgir na nossa frente. Essa é a diferença entre a tecnologia que mudará nossa vida em 30 anos e o que será possível em 2100.
ÉPOCA – Professor, continua complicado. Seja mais claro.
Kaku – Existe nos laboratórios uma nova tecnologia chamada matéria programável. Ela se baseia na produção de chips menores que um grão de areia.
ÉPOCA – É a nanotecnologia?
Kaku – Não. A nanotecnologia ainda é uma promessa distante. Apesar de quase invisíveis, os chips de matéria programável são milhões de vezes maiores que os nanorrobôs, os robôs moleculares imaginados pela nanotecnologia. Estou falando da tecnologia de sistemas micromecânicos (MEMS, em inglês), mais especificamente de um novo ramo da MEMS chamado claytrônica. A claytrônica usa robôs diminutos como grãos de areia (clay, argila na tradução do inglês). Em cada grão, haverá um supercomputador. Os grãos terão carga elétrica positiva ou negativa. Ao controlar suas cargas, controlaremos os grãos. Por serem pré-programados, a um comando eles se conectarão uns aos outros, criando objetos. Assim, de um monte de areia surgirá um carro ou qualquer objeto tridimensional que se queira.
ÉPOCA – Como são tais grãos? Já existem?
Kaku – Eles se chamam “cátomos” (do inglês catoms, contração de “átomos claytrônicos”). Os cátomos poderão se mover, comunicar-se uns com os outros e mudar de cor. Em 2009, a Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, Ohio, realizou uma demonstração pioneira do funcionamento dos cátomos. Eles só são visíveis ao microscópio.
ÉPOCA – O que isso tem a ver com o poder dos deuses gregos?
Kaku – Tente imaginar como será nossa vida quando os “cátomos” se tornarem realidade, uma parte invisível do cotidiano. No dia em que sua mulher se cansar do sofá da sala, bastará controlar os cátomos constituintes do sofá para ele mudar de forma. Eles se rearranjarão instantaneamente. O sofá desaparecerá. Em seu lugar surgirá uma mesa. Pense nas consequências dessa tecnologia quando ela se disseminar.
ÉPOCA – Não será preciso produzir mais nada, a não ser cátomos e a energia para alimentá-los – além da comida para nos alimentar? As fábricas fecharão?
Kaku – A invenção da máquina a vapor desencadeou o mesmo tipo de crítica há 150 anos. Diziam que as tecelagens inglesas fechariam, que os trabalhadores perderiam o emprego. Por volta de 1900, com a eletrificação das cidades, a caldeira a vapor foi aposentada. Na mesma época, carros movidos a combustão interna começavam a tomar as ruas, decretando o declínio das ferrovias e do navio a vapor. Agora, começa a substituição do carro a gasolina pelo elétrico. Ninguém parece infeliz. O que dizer dos meios de produção em 2100? Nem sabemos se ainda haverá fábricas em 2100?
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Fonte: Revista ÉPOCA online, 20/01/2011
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