A partir da esquerda: Luiz Nelson Vergueiro, Nelson Fujimoro, Wagno Oliveira (AACID),
Otávio Leite (PSDB-RJ) e Mario Brandão (ABCID). FOTO: Divulgação.
O dia começou quente, seguiu quente e terminou quente. Mas o sábado foi talvez o melhor da semana: grandes palestras, muito movimento e figuras da máxima importância pisaram no Centro de Exposições Imigrantes hoje.
No início da manhã um debate chamava a atenção no canto do galpão, na área de Desenvolvimento. Cinco mulheres se prontificaram a discutir a mulher no universo da informática, dominado praticamente por homens. Só na Campus Party Brasil 2011, 73% dos inscritos são homens. Vanessa Garcia, Cissa Gatto, Monica Gagliardi, Gislaine Pereira e Caroline Souza, todas envolvidas de alguma maneira com TI, programação, etc.
Os temas giravam basicamente em torno da discriminação da mulher no mercado da informática, à falta de liberdade delas no ambiente da web, e a constante associação de mulheres na internet a atos de pornografia. Houve relatos de mulheres que usam perfis masculinos em fóruns de games, por exemplo, para não terem que aguentar assédio pelos demais.
“Pedimos a vocês, homens, que conversem com seus amigos, quem sabe assim eles escutam com mais atenção, para que isso mude”, foi o pedido que encerrou o painel.
Lanhouses não são más
Ainda pela manhã uma mesa debatia regularização e descriminalização das lanhouses, estabelecimentos que cobram por tempo de uso dos seus computadores conectados a internet banda larga. Além de discutirem projetos de incentivo e ajuda às lans.
Deputados membros da Comissão especial sobre centros de inclusão digital na Câmara Federal participaram da discussão, esclarecendo que a aprovação da medida poderá mudar o modo como esses estabelecimentos são vistos, principalmente pelo jurídico brasileiro. A lei caracteriza as lanhouses como centros de inclusão digital (CDI) e de “especial interesse social para universalização do acesso à rede mundial de computadores”.
Nelson Fujimoto, assessor de inclusão digital da presidência da República, defendeu a isenção fiscal de equipamentos, softwares e tributos às lanhouses. Além da criação de um fundo para a liberação de crédito e incentivos. Mas para isso “é preciso um enquadramento técnico, já que eles não vendem só conexão”, diz.
Luiz Nelson Vergueiro, funcionário da Telebrás, comentou o Plano Nacional de Banda Larga e as intenções de incluir as lanhouses em parcerias com o governo para que paguem menos por boas conexões. Mas para isso, a regularização será fundamental. O problema é que no Brasil isso é um desafio da categoria já que, segundo pesquisas, 90% das lanhouses brasileiras estão na informalidade.
Ben Hammersley FOTO: Divulgação
Cachaça e a salvação do mundo
Ben Hammersley subiu ao palco sorrindo, sob aplausos e contando a primeira de muitas piadas que ainda faria: “Olá, eu vou contar algumas histórias para vocês aí depois a gente vai para o bar tomar cachaça, ok?”. O inglês, como manda o estereótipo dos turistas em relação ao Brasil, gostou mesmo foi das praias, biquínis… e da cachaça.
O editor da Wired inglesa fez de tudo: ficou descalço, rebolou, dava pulinhos sem sair do lugar, ensaiou uma ginástica, interpretou vozes grossas, finas e até o Godzilla ele imitou. Nesse clima extrovertido, o jornalista contou ao público sua história e como se tornou correspondente de guerra.
Quando chegou ao seu primeiro emprego em um jornal inglês, Ben foi designado para cobrir tecnologia, mas queria mesmo era ir para a guerra “ficar escondido atrás de parede, pular de helicóptero”. Perguntou a uma editora o que tinha que fazer para ser correspondente e, após muita insistência e alguns drinks pagos à jornalista, Ben obteve a resposta secreta: “Vá a uma guerra e faça reportagens”.
Parece óbvio mas não é. Hammersley usou a frase de mote para passar sua mensagem: “nos últimos anos nasceu o Twitter, Facebook, Orkut, Youtube, Myspace. Ninguém pediu permissão para fazer, essa liberdade nunca houve na história. Quer fazer? Basta ir à guerra e fazer reportagens”, comparou.
Hammersley acredita que o norte (Estados Unidos e países europeus) estão “velhos, cansados e não tem cachaça”, logo a responsabilidade por grandes mudanças no mundo nos próximos anos será dos jovens dos países do Sul, os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) principalmente. “Vocês são jovens, inteligentes e cheios de energia. Algo grande vai sair daqui”. Sobre o Brasil especificamente, Ben destacou que os jovens estão produzindo “coisas incríveis” aqui em num futuro próximo, grandes empresas do mundo da tecnologia estarão nascendo.
“O mundo está com problemas e a responsabilidade de resolver é de vocês. A missão de cada um é pensar em modos do Brasil se tornar cada mais relevante para o mundo nos próximos anos. Por isso vão para casa, descansem pois vocês estarão muito ocupados amanhã”, disse.
O inglês é o responsável pela primeira edição Campus Party e ocorrer nos EUA, em 2012. Disse ter gostado muito do que viu por aqui, principalmente na área de Simulação. Nos Estados Unidos haverá 18 áreas e 10 mil campuseiros. “Nós chegaremos ao espaço, mas é segredo”, brincou.
Por fim, disse ter ficado impressionado com a edição no Brasil. “É muito diferente da mexicana ou colombiana. Os brasileiros são muitos animados e falam muito alto”, contou. “São quase 7.000 pessoas que passam uma semana dormindo em barracas, sem tomar banho, só para ficarem mais inteligentes. Isso não se vê sempre”.
Uma multidão assiste à palestra do pai do computador pessoal.
FOTO: Divulgação
Woz
Mas a grande atração do dia – e talvez de todo o evento – tenha sido a palestra de Steve Wozniak, o criador do computador pessoal como o conhecemos hoje. Bonachão, bem humorado e tratado como a lenda viva do mundo digital que é, “Woz” como é mais conhecido foi recebido por uma multidão ainda maior do que aquela que se reuniu para assistir à palestra de Al Gore.
Antes de sua apresentação, às 19h, Wozniak deu uma entrevista coletiva em que preferiu ser mais político e conciliador, mesmo que as perguntas o provocassem. Falou que gosta do Android, o sistema operacional para celulares do Google, e não quis falar do sistema similar da Microsoft, o Windows Phone, por dizer que nunca havia o usado – antes de elogiar, com algumas ressalvas, o sistema operacional do iPhone. O máximo de provocação que se atreveu foi cutucar a própria Apple, ao dizer que incluiria uma série de recursos no iPad (entradas diferentes, câmeras, etc.), caso ainda trabalhasse na empresa.
Em sua palestra, o cofundador da Apple falou de seus anos de formação e resumiu em uma hora a parte de sua biografia que lhe tornou um ícone – e contou, para centenas de campuseiros silenciosos e vidrados, como um engenheiro da computação tímido mudou a história dos computadores. Falou da importância de ser uma pessoa bem humorada, de bem com a vida, que gosta de fazer brincadeiras com os amigos e como isso tinha a ver não só com a natureza da personalidade das pessoas criativas como com o próprio público da Campus Party.
Contou como inventou o computador pessoal a partir de uma série de observações sobre invenções que aos poucos invadiam os lares norte-americanos, no final dos anos 70, como o videogame, a televisão a cores e a calculadora científica. Falou de como conheceu Steve Jobs e de sua obsessão por criar algo que pudesse ser vendido para as pessoas. Wozniak, antes da Apple, trabalhava na HP e quis oferecer o computador que estava criando para a empresa, que recusou. Felizmente, segundo disse, afinal a empresa não iria vender o aparelho para as pessoas comuns, e sim para outros engenheiros. E convenceu-se de que a grande sacada de Jobs foi levar aquele novo aparelho para o lar de qualquer um – e de transformá-lo em um aparelho que fosse divertido ao mesmo tempo que útil e prático.
Antes de terminar sua apresentação, Wozniak parou de falar sobre sua trajetória para falar um pouco sobre o problema da neutralidade de rede, abordado pelo Link há algumas semanas. Ele sublinhou a importância da rede permanecer livre e gratuita para as pessoas, não para os provedores de acesso e operadoras telefônicas. “Não podemos confiar neles”, disse, num evento patrocinado por uma empresa desta natureza.
Ao final da palestra, o “prefeito” da Campus Party, Mario Teza, chamou o público para fazer perguntas no palco, ao lado de Woz. Em uma das respostas que mais causou sensação, ele foi perguntado sobre o que achava do fato da Apple querer fechar o ambiente digital em torno de sua própria marca, tornando mais difícil a interação com outros computadores e sistemas operacionais. E respondeu falando uma das expressões mágicas da Campus Party: “Acredito no open source”, disse antes de ser aplaudido com entusiasmo. Não era difícil notar que a felicidade dos campuseiros que o assistiam vinha do fato de se reconhecerem no nerdismo bonachão de Woz, uma inspiração – direta ou indireta – para grande parte dos presentes.
Depois de sua apresentação, a organização do evento formou uma fila para que Wozniak pudesse tirar fotos com os campuseiros e autografar sua biografia, iWoz, lançada no Brasil pela ocasião de sua vinda. A fila deu a volta em quase todo o pavilhão do Centro de Exposição Imigrantes e durou mais de três horas para chegar ao fim.
_______________Por Murilo Roncolato
Do link Inspirado e inspirador
Fonte: Estadão online, 22/01/2011
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