Rubem Alves*
Filosofia de jangadeiroA Vilma Cloris de Carvalho, maravilhosa educadora aposentada da Unicamp, vive em Recife e descobriu que a literatura circula pelas suas veias. Um dos seus prazeres é caminhar pela praia, pela manhã. Ela me contou o seguinte: "Na minha caminhada passo por uma praia de jangadeiros. É ali que eles trazem os seus peixes. Todos eles já fazem uso do telefone celular para se comunicar. Passei por um jagandeiro que falava no celular. Curiosa, diminui o passo para ouvir a conversa. Ele falava com uma mulher. Foi isso que ele me disse: "Meu bem, quando eu estou com você, sou só seu... Quando estou com a minha mulher, sou só dela. Mas quando estou no mar não sou de ninguém..."
Hokusai (1760-1849)
Considerado, talvez, o maior de todos os pintores japoneses. Aos 74 anos, três anos menos velho do que eu, eis o que ele escreveu: "Desde os 6 anos tenho mania de desenhar a forma das coisas. Aos 50 anos, publiquei uma infinidade de desenhos. Mas tudo que produzi antes dos 70 não é digno de ser levado em conta. Aos 73 anos, aprendi um pouco sobre a verdadeira estrutura da natureza dos animais, das plantas, dos pássaros, dos peixes e dos insetos. Com certeza, quando tiver 80 anos, terei realizado mais progressos; aos 90, penetrarei nos mistérios das coisas; aos 100, por certo, terei atingido uma fase maravilhosa, e quando tiver 110 anos, qualquer coisa que fizer, seja um ponto, ou uma linha, terá vida". Nesse momento passaram pela janela do apartamento em que vivo, 11º andar, vários peixes prateados. Levei um susto. Pensei estar tendo uma alucinação. Mas logo me tranquilizei. Eram os peixes desenhados pelo mestre japonês...
Carta de um presidiário
Ao esvaziar uma gaveta encontre a seguinte carta esquecida, manuscrita com caligraifa invejável: "Prezado escritor; lhe escrevo em nome da Biblioteca e da Pacífica População da Penitenciária de Presidente Bernardes/SP. A biblioteca procura por todos os meios atender e estimular os anseios por leitura, cultura e educação dos mais de mil reeducandos e funcionários da penitenciária. Porém o acervo é deficiente para esta missão. A leitura é um poderoso fator de reeducação e uma útil e piedosa substituta para a liberdade perdida. Recebemos livros seus ( O Retorno Eterno, A magia dos gestos poéticos) como doação em resposta a um pedido como este, dirigido à editora Papirus. Inusitadamente nosso público se encantou com seus textos, os livros não param nas estantes e os pedidos por mais leitura são um rebuliço. Isso me faz pedir-lhe a doação de livros de sua autoria (mesmo que com defeitos gráficos) um único exemplar será uma valiosa contribuição!!! Esteja certo que estará incentivando o bom hábito de leitura e uma sociedade de paz. Todavia, se possível, faça uma dedicatória à biblioteca que será um estímulo a mais para que os leitores e significará ter um magnetizante "ícone no acervo. Assinado: Eduardo Isaac Manzino Israel."
Transcrevo essa velha carta como penitência. Fiz as doações pedidas mas me esqueci de continuar a fazê-las ao correr do tempo. Quero retomar o compromisso. Pergunto ao Diretor da Penitenciária de Presidente Bernardes sobre o destino do Eduardo Isaac Manzino Israel e da biblioteca...
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*Escritor, Teólogo. Educador.
*Escritor, Teólogo. Educador.
Fonte: Correio Popular online, 30/01/2011
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