sábado, 15 de janeiro de 2011

A vida por amostragem

Juremir Machado da Silva*
Tenho um amigo, filósofo do cotidiano, que se considera um especialista em comportamento feminino.
Segundo ele, mulher é como pesquisa de opinião: a escolha de dois mil entrevistados permite antecipar o voto de 50 milhões. Logo, viu uma mulher, viu todas. Viveu com uma, viveu com todas. Compreendeu uma, compreendeu todas.
O único problema, como se sabe, é compreender uma. Se a amostragem for representativa, afirma ele, tem-se o conhecimento da totalidade. Melhor, a impossibilidade do conhecimento da totalidade, ou seja, inclusive de uma só.
Num holograma, o todo está na parte e a parte está no todo.
Numa mulher, o todo está na parte, mas a parte nem sempre está no todo.
Depende do momento em que a sondagem foi realizada.
Mulher varia, de acordo com o olhar masculino ou machista, como a cotação da bolsa e o boletim meteorológico. Porém, sem explicação possível. Não tem frente fria nem política do FMI que explique certas oscilações femininas.
Como numa pesquisa, só se pode tirar conclusões sobre o instante em que a resposta foi dada. Com mulher, só funciona pesquisa em tempo real. O intervalo da apuração muda tudo. É o melhor exemplo de câmbio flutuante.
No caso, não cabe teoria. É preciso fazer pesquisa de campo. Depois de vários anos de observação, meu amigo filósofo concluiu que oito namoradas, dois casamentos e uma amante são um universo mais do que suficiente para se poder afirmar com segurança: eu sei o que é uma mulher.
Na verdade, a intenção do meu amigo era provar que depois de se ter conhecido uma mulher, o que já representa um considerável embate com a realidade, não seria necessário novo investimento. Tudo já teria sido visto e dito.
Mas, por rigor sociológico, resolveu qualificar a amostragem, o que complica a metodologia e exige maiores recursos interpretativos. Observação: meu amigo não é machista.
Uma pesquisa quantitativa com muitas variáveis exige procedimentos de interpretação complexos. Resultado: para entender a amostragem de mulheres é preciso máquina de calcular e análise fatorial.
Meu amigo aprendeu muito com a sabedoria dos taxistas, grandes pesquisadores informais da alma pós-moderna. Um taxista, por exemplo, ensinou-lhe que as mulheres não transam sem motivo.
Em compensação, transam por qualquer motivo.
Cabe ao homem fornecer um motivo para que a mulher transe com ele. Essa intuição, transformada em hipótese, pode ser facilmente verificada por amostragem.
Meu amigo não pretende, com sua teoria da amostragem, defender qualquer tipo de conservadorismo, nem mesmo hipervalorizar a monogamia e a fidelidade. Entende apenas que, vencida a etapa da pesquisa quantitativa, o essencial é o aprofundamento só obtido com métodos qualitativos. Como todas as mulheres são iguais, restaria conhecer, profundamente, a igualdade de uma só, o que se torna mais econômico e menos desgastante.
Seu principal adversário, um inimigo que temos em comum, pensa o contrário: dado que todas as mulheres são iguais, e isso pode ser constatado por amostragem, só resta investir na análise quantitativa, única variação possível em curvas tão regulares.
Outro taxista, informado sobre esses diferentes pontos de vista, acredita que todo o problema está na definição da amostragem. Como saber se a amostragem é representativa? No seu entender, o pesquisador tem a obrigação de ampliar o universo de estudo, abrangendo todas as classes sociais, formações, idades, etc. Faz uma ressalva: uma amostragem realmente representativa acabaria em pedofilia. Todas essas opiniões não assustam meu amigo filósofo do cotidiano, que as considera típicas do senso comum, próprias de quem não pratica as virtudes da ciência e do método.
Para ele, tudo está claro: quem conhece uma amostragem adequada de mulheres, conhece todas as mulheres e estamos conversados. Quem transou com uma, transou com todas.
O mundo, nesse sentido, é um bordel. E todos são cornos por estimativa.
Toda essa lucidez fez com que meu amigo pensasse em viver tranqüilamente, no campo, desfrutando da natureza e evitando multiplicar conhecimentos repetitivos. Não funcionou. O gosto pela pesquisa nele é tão forte que não pode ver mulher. O simples fato de passar perto de algumas, que parecem exibir variáveis inesperadas, dá-lhe uma vontade irrefreável de aplicar um questionário. Afinal, o resultado nunca é definitivo, embora seja sempre o mesmo.
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*Filósofo. Escritor. Tradutor. Professor Universitário. Colunista do Correio do Povo.
Fonte: Correio do Povo online, 14/01/2011
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