segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Adivinhe quem vem para jantar

LUIZ FELIPE PONDÉ*
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Pessoalmente, suspeito fortemente
de gente "legal" e "indignada",
confio mais em gente blasé

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VOCÊ NAMORARIA o porteiro do seu prédio? "O quê?!" Assusta-se a leitora, nesta segunda-feira, dia 31 de janeiro.
Hoje, o ano novo já mergulha na corrida sonambúlica de todos os anos velhos. Claro que seus planos para 2011 não darão certo.
Provavelmente você continuará menos amada do que gostaria, ganhando menos do que gostaria, com os mesmos amigos chatos, os mesmos namorados bobos (os melhores já estão "ocupados", como sempre, ainda que você possa, como sempre, tentar tomá-los das suas melhores amigas) e pegando o trânsito idiota de todo feriadão para ir a praias que são cheias de gente brega e mal-educada. Aquelas mesmas que invadem os aeroportos com seus quilos de bagagem e sua alegria de praça de alimentação.
Calma, talvez eu esteja apenas enganado, e em 2011 aconteça tudo que aquela vidente picareta disse para você que ia acontecer.
"Que diabos este colunista está querendo dizer com essa história de eu namorar o porteiro do meu prédio?" Mas, claro, ela não responde a minha pergunta, porque uma pergunta como essa pode revelar que ela não é tão legal quanto gosta de fazer parecer em jantares inteligentes.

"Incrível como, suavemente, todos
os ideais sociais modernos tombam,
como o cristianismo já tombara
desde a Antiguidade tardia,
à hipocrisia social de salão."
Essa pergunta não é minha propriamente, mas de um amigo meu bem esquisito. Ele fez essa pergunta em meio a uma discussão sobre ter ou não ter preconceitos, e achei que era muito bem pensada. Na realidade, a conversa nasceu do meu desgosto com o estilo de vida "praça de alimentação". Esse meu desgosto deixa muita gente "legal" indignada. Pessoalmente, suspeito fortemente de gente "legal" e "indignada", confio mais em gente blasé.
Imagine você, toda bonita, magra na medida certa, dieta de baixo impacto calórico e bem-sucedida na profissão, mãe de um filho de 12 anos preocupado com o aquecimento global, enquanto deixa o quarto sempre desarrumado, até que você se descabele e comece a berrar "arrume esse quarto, menino!". Agora imagine você saindo com o porteiro de seu prédio, de mãos dadas, num desses restaurantes chiquinhos que você frequenta.
Do que vocês conversariam? Que tal sobre sua revolta contra preconceitos e contra injustiça social? Que tal um beijo na boca bem gostoso em nome da igualdade social? Você já viu aquele filme "Adivinhe Quem Vem para Jantar", com Sydney Poitier? Veja.
Antes que o plantão dos humilhados e ofendidos grite, também sou contra injustiça social e contra preconceito. Hoje todo mundo que sabe comer de boca fechada também sabe sofrer pelas criancinhas da África. Atualmente, ser contra injustiça social e contra preconceitos é tão banal quanto ler horóscopo todo dia de manhã.
Incrível como, suavemente, todos os ideais sociais modernos tombam, como o cristianismo já tombara desde a Antiguidade tardia, à hipocrisia social de salão.
Agora, imagine você, caro leitor, homem moderno, sensível, machista nem pensar, que acredita em redes sociais, que diz por aí que não tem medo de mulher (mentiroso, todo homem tem medo de mulher, principalmente quando está interessado nela).
Imagine que sua filha está a fim do porteiro do seu prédio. Imagine ela saindo com ele. Ele dirigindo o carro que você deu para ela. Que tal eles irem a algum churrasco na laje que ele frequenta? Ou, quem sabe, ir a alguma dessas igrejas por aí onde o Espírito Santo "baixa" e as pessoas pulam e gritam feito loucas "Aleluia, aleluia!"?
Que tal se sua filha quiser se casar com ele? Você paga pelo casamento? Que tal um filhinho com a cara dele? Você visitará a família dele no Nordeste?
Mas, atenção: nada de resort cinco estrelas ou pousadinhas de um holandês doidão que se cansou da Europa e veio em busca de uma natureza selvagem. Hospede-se na casa da família dele.
Agora, imagine nosso belo casal, tirando seus filhos dessas escolas chiquinhas que ensinam aos seus filhos "consciência social" ao preço de quase R$ 2.000 mensais, em bairros "nobres". Agora pense neles matriculando seus filhos em 2011 (afinal, ano novo, vida nova) numa escola pública onde o filho do seu porteiro estuda.
Agora convide seu porteiro para jantar. Qual é o nome dele mesmo?
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* Filósofo. Escritor. Prof. Universitário. Cronista da Folhaponde.folha@uol.com.br
Fonte: Folha online, 31/01/2011 
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