sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Mario Sergio Cortella - Entrevista

Religião, ciência e o mundo moderno
Mario Sergio Cortella é filósofo com mestrado e doutorado em Educação. Desde 1977 é professor titular da PUC-SP, com docência e pesquisa no Departamento de Fundamentos da Educação e de pós-graduação em Educação, também atuou por 32 anos no Departamento de Teologia e Ciências da Religião. Escreveu diversos livros. A entrevista ele concedeu à Revista O Mensageiro de Santo Antônio.

Como podemos definir religião e seitas?
Cortella – Religião é uma organização institucionalizada, que agrega uma comunidade em torno de uma fé, uma religião. Por sua vez, seita é uma separação de uma parte das religiõs, mas na prática, como substância, ambas são a mesma coisa. Inclusive a utilização deste termo vem sendo evitada na área da ciência por apresentar uma marca preconceituosa, dando a impressão de que é algo menor, menos válido e menos nobre, enquanto religião é algo que possui nobreza.

MAS – Há um aumento no interesse da humanidade atual pelas chamadas seitas?
Cortella – As religiões tradicionais esgotaram um pouco seu modo de atendimento em relação às angústias pessoais. Isso porque muitas delas ficaram ultrapassadas em relação aos assuntos do dia a dia. Algumas dessas religiões ficaram marcadas por certo arcaísmo e envelhecimento de práticas, e, para o consolo dessas aflições diárias, muitas pessoas buscam outras práticas religiosas. É claro que isso tem a ver também com uma maior liberdade religiosa, pois hoje as pessoas não são mais constrangidas a permanecer em uma única linha de religião. Um exemplo concreto disso ocorre nas cidades pequenas, onde há mais ou menos 40 anos os habitantes tinham de praticar a religião da maioria, senão poderiam ser discriminados por isso. Hoje o aumento da liberdade e o desenvolvimento urbano fizeram que haja um maior anonimato, que favorece quem escolhe seguir outra religião, não apenas a que a maioria segue.

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"Hoje a ciência e a religião
 estão lado a lado em vários momentos,
mas nenhuma delas sozinho...
repito: nenhuma delas sozinha,
nem a ciência
nem a religião, são suficientes."
MAS – Por que existe uma busca por “repostas” ou “explicações” no mundo espiritual, mesmo vivendo em uma era cintífica?
Cortella – A ciência e a tecnologia não conseguiram oferecer respostas para algumas questões essenciais para nós, por exemplo, o sentido da vida, a origem do mal, a razão do sofrimento e a fonte da alegria. Elas não têm explicações suficientes e não substituem a religião como uma forma da explicação do sentido da vida. Por isso, por mais que haja modernidade tecnológicas, ainda restam grandes dúvidas. Dessa forma, a religião continua encontrando seu lugar e, claro, não é substituída pela ciência; ambas são formas complementares de explicações da vida. Aliás , tal modelo tecnológica e materialista exagerada gera uma série de angústias, que encontram certo repouso na prática religiosa. Daí que, pelo fato de a religião não ser a solução para tudo, vêm a ciência e a tecnologia, e nós na história sempre lançamos mão desse conjunto de recursos. Hoje a ciência e a religião estão lado a lado em vários momentos, mas nenhuma delas sozinho... repito: nenhuma delas sozinha, nem a ciência nem a religião, são suficientes.

MAS – Existe hoje um maior impulso para a espiritualidade, ou trata-se apenas de mais uma onda passageira?
Cortella – Não, atualmente existe uma inclinação muito forte para que haja uma maior espiritualidade. Há cansaço comum em relação a uma vida atribulada, marcada pela pressa e pela urgência, e isso nos leva a procurar repouso, que é oferecido pela espiritualidade, em busca de um sentido da reverência da vida e da conexão com a sacralidade da essência que, muitas vezes, fica sufocada por um cotidiano que nos tira o tempo de pensar sobre essas coisas. Não creio que isso seja passageiro; ao contrário, acredito que é uma revolução espiritual muito forte, cujo movimento mais robusto é a questão da ecologia. Não a ecologia somente como proteção de outras espécies de vida, mas também como uma ecologia interior, para equilibrar a relação com a família, com o mundo e com a religião. Portanto, um equilíbrio de nossa existência, que a espiritualidade oferece com mais rigor.

(...)

MAS – Que é a sua opinião sobre o pontificado de Bento XVI?
Cortella – O papa Bento XVI é um teólogo de alto nível com qualidade de formação e tem um pensamento que é pré-moderno, isto é, ele recusa, como teólogo e como pastor algumas percepções do mundo da modernidade, o que reproduz algum distanciamento em relação á prática dos fiéis; isso não significa que tal percepção seja condenável. No entanto, o papa não possui uma experiência pastoral: ele não foi um bispo que atuou nas comunidades em sua trajetória religiosa, brilhante do ponto de vista intelectual. Também não teve mais de dois anos de exercício bispal pastoral, muito diverso de João Paulo II, que dirigiu por anos uma diocese e que tinha contato com o povo naquele momento. Por isso, o perfil intelectual de Bento XVI leva a uma preocupação mais para o círculo interno da Igreja Católica e de sua teologia específica, o que acarreta também algumas séries de confrontos no dia a dia em relação às práticas de modernidade, que o papa recusa. Em sua história, a Igreja Católica teve esses movimentos pontificiais, por exemplo, João XXIII, que, embora com um breve pontificado, abriu a Igreja Católica para o mundo; em seguida Paulo VI reorganizou algumas dessas estruturas. Posteriormente, João Paulo II abriu novamente para o campo da ação pastoral, e o papa Bento XVI fecha dentro deste circuito. Provavelmente, o próximo papa vai precisar expandir essa conexão com outras áreas do planeta se não quiser, e aquilo que não deseja em vários momentos, fica ultrapassado. Vale ressaltar que isso aconteceu e deixou de acontecer nesses dois mil anos de história.

MAS – Como você vê o novo ateísmo representado pelo biólogo Richard Dawkins e pelo filósofo Daniel Dennett?
Cortella – Esse tipo de percepção ateísta faz parte de um processo que a ciência sempre carregou em sua história; ela serve para algumas explicações de um mundo que procura ser laico também em suas dimensões. Acredito que aqueles homens e mulheres que adotam uma fé específica precisam ter clareza de que a ciência e religião não são adversárias, sendo formas complementares de interpretar e trabalhar a vida, podendo sim os geneticistas colocar suas convicções ateístas. O ateísmo é um direito humano de alguém ter como convicção; é preciso lembrar – e eu repito isso sempre – , que a religião não é coisa de gente tola. Religião é coisa de gente. E tem gente que é tola em religião e tem gente que não é. Assim como a ciência é coisa de gente , e tem gente que é tola em ciência e tem gente que não é. Então não acredito que esses ateístas da ciência sejam tolos; ao contrário, alguns argumentos são sectários, divididos em ambas as partes. O fato de o mundo apresentar a possibilidade de pensar no ateísmo, isso é uma coisa boa.E quem tem uma fé religiosa que defenda, explicite e convença com ela, quem sabe o ateísta não deixa de ser dessa forma. Caso ele tiver argumentos que sejam convincentes, se isso for algo concreto, que a gente consiga explicar qual é o outro lado. O que vale é uma convivência que seja acolhedora e respeitosa.

MAS – Em sua opinião, os jovens de hoje veem as religiões de forma diferente do que os mais velhos? E eles darão continuidade às religiões tradicionais?
Cortella – Sem dúvida, atualmente o jovem coloca-se como alguém que pode praticar a religião com muito mais liberdade de consciência. Hoje há um número maior de jovens que aderem a religiões diferentes às professadas pelos pais. Existem várias igrejas dentro do cristianismo, seja o católico romano, sejam as igrejas reformadas, sejam as neopentecostais, que atraem as novas gerações para essa prática. Portanto, a juventude atual não possui uma religião envelhecida. Isso significa uma maior liberdade, que é algo extremamente positivo.

MAS - Qual é a principal característica do comportamento espiritual religioso do homem neste século?
Cortella - É a capacidade de reverência à vida e à recusa ao “biocídio”, de dizer não ao assassinato da vida em suas múltiplas manifestações. É necessário haver uma recusa ao biocídio e uma prática de espiritualidade que não se esgote no individuo, mas se espalhe pela condição do conjunto da fraternidade, da solidariedade, e da propiciosidade da transcendentalidade.
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Reportagem de Sandra Alves – repórter
Fonte: A reportagem completa se encontra na  revista O mensageiro de Santo Antônio (impressa), janeiro/fevereiro de 2011
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