Juremir Machado da Silva*
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Para que servem realmente os livros?
Segundo um amigo de Olivier Bardolle, o autor de “O caso Houellebecq”, os livros servem para muitas coisas: proteger do frio (são ótima cobertura para frestas e têm excelente capacidade de isolante térmico), dar um ar erudito a apartamentos afetados e até impedir a passagem de balas perdidas.
É por isso que os cariocas podem vir a ser os grandes consumidores de obras achadas ao acaso.
Uma boa parede de livros pode salvar muitas vidas.
Em último caso, não havendo mais alternativas, um livro pode ser lido. É o menos recomendável, pois causa muitas decepções.
Um livro fechado é uma garantia de sonho; aberto, rapidamente descamba para o pesadelo.
O amigo de Bardolle, por exemplo, recomenda que todo mundo possua as 2400 páginas da obra-prima “Em busca do tempo perdido”, de Proust.
Nada melhor para segurar, na prateleira, as magras obras dos amigos e primos. Quem as lê, fica de pé para semore
O escritor é um
criador de casos.
Um caso dá o que falar,
gera polêmica e
suscita amor e ódio.
As campanhas de formação de leitores normalmente fracassam. Enfatizam o aspecto educativo dos livros ou falam do lúdico como a salvação da lavoura. É o prazer messiânico ou compulsório.
A medida essencial é combater a elegância estilística e entregar os livros à linguagem do cotidiano. Um escritor só é bom, assegura Bardolle, quando é considerado um “caso”, como um serial-killer ou desvairado que rompe o silêncio, quebra as regras do jogo e conta outra história, a única que não se podia esperar. Céline, Proust e Houellebecq são “casos”.
Joyce foi um caso excepecional. Um caso cria caso.
O escritor é um criador de casos.
Um caso dá o que falar, gera polêmica e suscita amor e ódio.
No Brasil, nunca tivemos muitos casos. Gostamos de unanimidades. Machado de Assis e Guimarães Rosa conseguiram ser grandes sem ser casos, o que já é uma forma de caso.
Nelson Rodrigues foi um dos nossos melhores casos.
Não se deve confundir caso com patologia ou escritura ausente. É o caso de Paulo Coelho. Bardolle está convencido de que só há boa literatura quando os escritores vivem grandes perigos. Euclides da Cunha emplacou “Os Sertões” por ter ido a campo. Como nossa última grande guerra foi contra o Paraguai, gastamos nossa munição alternativa de Machado de Assis a Graciliano Ramos, que viu e sentiu o que escreveu.
Hoje, as experiências dos escritores cabem num dedal. São experiências virtuais. Mesmo o sexo já é virtual. Tudo é simulacro. Até o traseiro das popuzudas.
Já não é retaguarda, mas pedaços do que restou da transamazônica asfaltados com silicone..
Só Machado de Assis foi capaz de não viver nada e de escrever tudo.
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* Filósofo. Prof. Universitário. Escritos. Colunista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo online - 21/01/2011
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