Desfile em homenagem à China:
terno slim, gravata estreita,
capanga e gorro para ir
à Grande Muralha
Fonte: Valor Econômico online, 28/01/2011
Nunca mais seremos chics. Os jornalistas e compradores chineses que invadiram as ruas de Milão, durante a semana de moda masculina, são protótipos da modernidade. Do corte de cabelo ao salto dos sapatos, não há nada fora do lugar. Eles demonstram já ter entendido tudo. Mas querem mais. E as grifes sabem muito bem disso.
A China já responde por 45% das vendas da Ermenegildo Zegna. A grife italiana foi a primeira marca luxuosa de moda a desembarcar por lá em 1991. E comemorou seus rentáveis vinte anos naquele país com um desfile temático, em seu showroom, em Milão, há 15 dias. Na passarela, havia uma profusão de modelos e figurinos chineses. Paletós, camisas e sapatos traziam como estampa uma pintura panorâmica do século XII, de Zhang Zeduan, uma espécie de "toile de Jouy" chinês. Com uma projeção num fundo de chroma key, os moços "saíam" da Grande Muralha diretamente para a passarela.
"Meu pai foi visionário e corajoso. Fomos para lá quando as pessoas ainda temiam o país. Não havia nenhum carro na rua e eu pensava: 'Como podemos vender Zegna aqui?'", lembra-se Anna Zegna, diretora de marketing da companhia e integrante da quarta geração da família centenária.
Anna ZegnaA globalização da marca, destaca Anna, foi o que aplacou os efeitos da crise. Em especial com o crescimento "espetacular" em mercados como a China e os países da América Latina - que respondem por 4% das vendas. A Zegna tem hoje 550 pontos em 86 países, sendo 300 lojas próprias.
A grife só passou a integrar o calendário da moda de Milão em 2008, com as etiquetas Ermenegildo Zegna e Z-ZEgna, a mais fashion delas, conduzida por Alessandro Sartori. Até então, a Zegna não era reconhecida como uma lançadora de tendências em vestuário, focando sua criatividade na concepção dos tecidos, uma vez que começou como lanifício.
Hoje, quando se veem os casacos de couro luxuosos, os acessórios práticos e joviais - como a versão de capanga-, looks inteiros em sofisticados tons terrosos e uma apresentação que consegue emocionar pelos efeitos visuais, fica claro que a Zegna escreve uma história diferente para seu próximo século. Até os tecidos, admite Anna, a base de tudo para a grife, buscaram o efeito 3D.
Em seu escritório, em Milão, colado ao do irmão Gildo - CEO da empresa -, ela conversou sobre sua visão do homem moderno, a vantagem de ser uma grife masculina e a volta da gravata.
Valor: Como se mede a suscetibilidade do homem à moda?
Anna Zegna: O homem sabe que o estilo é uma forma de apresentar sua personalidade. É como a casa e o carro. Tudo faz parte. Mas o apelo será sempre mais racional, de uso inteligente das peças. O comportamento masculino se aproxima das mulheres. Antes, por exemplo, as camisas eram brancas ou azuis e hoje há uma riqueza cromática incrível. Há uma oferta maior de acessórios e gadgets. Isso sem falar nos gays, que exercem uma grande influência no mercado.
Valor: Quais as principais mudanças no comportamento masculino que se refletiram na Zegna?
Anna: Os homens não são só o traje de trabalho. Eles gostam de experimentar a moda como as mulheres, com diferentes looks para os momentos de sua vida. E com a tendência do casual, o terno que nasce de uma cultura formal pode se adaptar a diversas situações, indo da gravata a uma polo. Ao mesmo tempo, os tecidos precisam ser práticos, dispensando o ferro de passar, o que nos levou às texturas tridimensionais. Antes eles eram planos, mas agora há uma consistência diferente. São leves, mas parecem pesados. Na atual coleção há um destaque para os tecidos dos anos 40, como o príncipe de Gales.
Valor: Pode-se dizer que a tecnologia 3D influenciou esses tecidos?
Anna: Sim, porque a textura dá essa sensação de profundidade. E também porque são diferentes materiais trabalhados juntos. Nunca é só lã ou só cashmere. Também trabalhamos com o efeito gofrato, que se consegue, com o uso de dois fios no tear, um fino e um grosso. Um sobressai mais que o outro, dando a sensação de perspectiva, como na pintura.
"No ano passado, com a crise,
os homens compraram só um traje,
uma gravata, uma camisa.
Mas eles estão jogando mais
com a moda e
os acessórios se tornaram
um elemento importante."
Valor: Por que resgatar o homem dos anos 40 na coleção?
Anna: Porque foi um período muito forte e com looks muito masculinos e uma grande tradição das proporções sartoriais, com tecidos estruturados e ricos. Os ombros são definidos, numa construção diferente. Nessa coleção, há uma nova linha com ternos de três botões em tecidos estruturados. É para o homem que diz "aqui estou!". Mas não é uma aparência rígida, é uma reconstrução do paletó.
Valor: Os acessórios já são significativos nos resultados da empresa? A empresa vai focar neles para desenvolver o e-commerce?
Anna: Os acessórios têxteis e de couro, relógios, perfumes já representam entre 25% a 30%. No ano passado, com a crise, os homens compraram só um traje, uma gravata, uma camisa. Mas eles estão jogando mais com a moda e os acessórios se tornaram um elemento importante. Os acessórios são fundamentais nas compras de impulso, por isso ficam na frente da loja física. A sensação de provar um casaco não pode ser reproduzida pela internet, nem o contato com um xale. Mas vivemos com realidade virtual e temos que aproveitá-la. Nosso e-commerce vai atender ao mundo todo, com operação centralizada na Itália. É claro que será mais fácil trabalhar com os acessórios, as jaquetas, as malhas de cashmere e as gravatas nesse contexto. Estamos esperando um crescimento expressivo nessa área.
Valor: Como crescer em países sem tradição do consumo?
Anna: O que a Zegna faz é educar o consumidor, mas antes de tudo, educar nossos vendedores. Nós levamos nossa tradição italiana, mas escutamos também o consumidor local. Na Europa temos a sazonalidade do alto inverno e do verão. Na China, especialmente em Xangai e no sul do país, há um verão muito longo. Fizemos, então, uma terceira coleção com cores mais claras, pensando nessa particularidade. E levamos para outros mercados que funcionam da mesma forma. Para os Estados Unidos, fizemos uma coleção cruise porque eles viajam muito para o Caribe. Há uma personalização para atender o mercado local. E isso vale não só para o país como para as cidades. Nosso portfólio muda para atender São Paulo, Brasília e Rio.
Valor: Como a crise os afetou?
Anna: A grande força da Zegna é que somos uma família independente e muito sólida. Meu irmão Gildo e antes dele meu pai e meu avô sempre disseram que a força da marca é a força da família. Por isso, nunca pensamos em entrar na bolsa. Por isso, num momento difícil nunca baixamos a qualidade. Os consumidores compraram menos, mas não deixaram de comprar. Temos a sorte de ser uma marca internacional, reconhecida por sua qualidade. Estados Unidos e Espanha foram mercados que sofreram, mas a China foi super bem. E a América Latina também. O ano de 2009 foi dificílimo, mas controlamos mais os custos. Fizemos coleções concentradas, compramos melhor e não fizemos estoques.
Valor: A empresa investiu em matérias-primas menos custosas como fizeram Gucci e Louis Vuitton com o jeans e a lona, por exemplo?
Anna: Até plástico (risos). Mas veja, a Louis Vuitton tem uma dimensão enorme, já se tornou um luxo massivo e tem de cobrir diferentes segmentos de mercado. Zegna é Zegna. Não há concessões quanto a qualidade. Além disso, a matéria-prima tem uma participação pequena sobre o custo final do produto. O que pesa é o desenvolvimento, a inovação e o estilo.
Valor: Como a senhora mede a influência cultural da China na moda do ocidente?
Anna: Há uma contaminação, como na comida em todo mundo. No nosso fashion show carregamos mais nessa presença porque era um desfile comemorativo. Mas nas lojas, vamos ter uns três looks apresentados aqui. É um guarda-roupa italiano com toques chineses. Como se fosse um viajante europeu descobrindo a China.
Valor: O terno continua sendo o produto mais vendido da Zegna?
Anna: O traje de trabalho é sempre o traje de trabalho. Mas o figurino está caminhando para versões mais esportivas. Hoje há blazers de malhas, uma evolução. Posso dizer que nossa configuração é 50% de roupas casuais e 50% de ternos. A gravata, que tinha sido deixada de lado, está em alta, mais estreita e criativa. Temos modelos em que o tecido da frente é diferente do verso. O terno também está rejuvenescendo. Ele está mais slim, sexy e moderno.
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Reportagm por Angela Klinke De Milão
A repórter viajou a convite da Ermenegildo ZegnaFonte: Valor Econômico online, 28/01/2011
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