Marcio Pochmann*
A pobreza tem formas variadas de ser mensurada e apresenta-se invariavelmente arbitrário o seu dimensionamento, por mais científico que seja o método utilizado. Pela forma mais simples e antiga, o tamanho da pobreza pode ser definido por intermédio do estabelecimento de uma linha monetária associada ao critério de insuficiência de renda das pessoas para o acesso ao consumo básico.
Mas há outras modalidades mais complexas de se procurar medir a dimensão da pobreza, geralmente pela adoção de critérios que permitam identificar os elementos de natureza multidimensional. Nesse caso consideram, por exemplo, os aspectos relativos às vulnerabilidades presentes à norma de vida, sejam aqueles relacionados ao nível de vida dos melhores inseridos na sociedade (a pobreza relativa), seja um conjunto de parâmetros que apontem para um padrão de vida digna, contemplando vários indicadores nos campos da educação, saúde, moradia, transportes, entre outros.
Independente das formas possíveis e variadas das medidas de pobreza, que ademais da consistência técnico-científica necessária, pressupõe credibilidade e aceitação ampla pela sociedade, interessa destacar o melhor entendimento a respeito dos distintos tipos de manifestação da pobreza no Brasil. Isso porque sem a compreensão precisa de suas formas variadas de se manifestar, as políticas públicas adotadas visando a sua superação podem não ter o êxito esperado.
As políticas públicas devem atender à manifestação diferenciada da renda em todo o país
Do ponto de vista de um país de dimensão continental e de profunda heterogeneidade territorial, pode-se começar por distinguir a pobreza nas áreas rural e urbana e, entre esta, as regiões metropolitanas e não metropolitanas. No meio rural, a manifestação da pobreza tende a estar relacionada à presença de relações econômicas e sociais ainda não totalmente monetizadas, o que permite a adoção de modalidades de enfrentamento por meio de políticas públicas vinculadas à geração de ocupação e renda próprias do desenvolvimento agrário, por exemplo. Nas cidades, em geral, a pobreza tende a se expressar mais fundamentalmente por relações econômicas e sociais marcadamente monetizadas. Em outras palavras, é necessária a imposição de medidas de políticas públicas que não percam de vista as condições de funcionamento do mercado, como no caso de programas de garantia de renda e aportes de infraestrutura econômica e social. No meio urbano em que predominam as pequenas cidades, a existência da pobreza também tende a se diferenciar daquela que se manifesta nos grandes centros metropolitanos.
"A superação da condição de pobreza extrema
que atinge um a cada dez brasileiros
neste início da segunda década do século 21
(rendimento familiar per capita de
até um quarto de salário mínimo mensal),
conforme compromisso assumido
pela presidente Dilma, deve passar ainda por maior aperfeiçoamento
das políticas públicas."
Essa primária diferenciação da pobreza indica a importância do estabelecimento de uma tipologia apropriada de compreensão de sua manifestação no Brasil. Ou seja, a opção de uma política nacional de combate à pobreza que considere as diferentes formas de manifestação sob o risco de deixar de ser plenamente exitosa. Ao se considerar, por exemplo, a evolução dos diferentes tipos de pobreza no Brasil durante os últimos 30 anos, registra-se a existência de trajetórias nem sempre convergentes entre si. Embora exista inequívoca tendência de queda no contingente de pobres no Brasil, isso ocorreu em ritmos distintos. Enquanto a taxa nacional de pobreza extrema caiu de 42,9%, em 1978, para 9,4%, em 2008, a pobreza rural diminuiu de 72,5% para 22,9%. A pobreza urbana caiu mais rapidamente, pois passou de 18,4%, em 1978, para 5,5% nas regiões metropolitanas e de 38,1% para 7,8% nas regiões não metropolitanas no mesmo período de tempo.
Resumidamente, observa-se que, em 30 anos, a taxa nacional de pobreza extrema caiu 78,1%, fortemente influenciada pela maior queda nas regiões não metropolitanas (79,5%) e metropolitanas (70,1%). No campo, a taxa de pobreza extrema foi a que menos caiu (68,4%) entre 1978 e 2008. Além disso, percebe-se também que o comportamento cadente da pobreza extrema no Brasil se diferenciou por períodos de tempo.
Entre 1998 e 2008, por exemplo, a taxa de pobreza caiu mais intensamente no Brasil como um todo (45,3%), estimulada pela maior redução nas regiões não metropolitanas (45,8%) e rurais (45,3%). Somente nas regiões metropolitanas, a taxa de pobreza extrema foi reduzida mais intensamente durante os anos de 1978 e 1988 (38,6%) ante a queda de 32,9% no período recente (1998-2008).
De maneira geral, pode-se constatar que a cada 10 anos, a taxa nacional de pobreza extrema tem sido reduzida mais fortemente: 33,6% acumulado no período 1978-1988, 39,6% em 1988-1998 e 45,3% em 1998-2008. A maior sofisticação das políticas públicas, combinada com o melhor desempenho econômico brasileiro, explica certamente a trajetória crescentemente positiva do enfrentamento da pobreza extrema nos últimos trinta anos. A superação da condição de pobreza extrema que atinge um a cada dez brasileiros neste início da segunda década do século 21 (rendimento familiar per capita de até um quarto de salário mínimo mensal), conforme compromisso assumido pela presidente Dilma, deve passar ainda por maior aperfeiçoamento das políticas públicas.
De imediato, é imprescindível a definição objetiva da medida administrativa de mensuração da pobreza extrema, permitindo o acompanhamento e monitoramento dos resultados das ações de redução da quantidade de pobres no país nos próximos anos. Nesse sentido, a constituição de um grupo ministerial específico e adequado representa uma excelente decisão governamental. Simultaneamente, cabe apontar a necessidade da reconfiguração de um conjunto apropriado e melhor articulado de políticas públicas capazes de atender às especificidades da manifestação diferenciada da pobreza em todo o território nacional (rural, urbano metropolitano e não metropolitano, pelo menos). Somente considerada a taxa de pobreza extrema, nota-se que, para cada miserável existente nos grandes centros metropolitanos, há quatro vezes mais intensidade de sua manifestação no meio rural.
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*Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp. Escreve toda 2ª quinta-feira do mês.
Fonte: Valor Econômico online, 13/01/2011
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