terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A educação de Cupido

CLÁUDIO MORENO*
Imagem da Internet
Embora os deuses romanos tivessem nomes diferentes dos deuses gregos, todos eram, no fundo, entidades muito parecidas. Em Roma, Zeus trocou o nome para Júpiter, sem deixar de ser o poderoso senhor do Olimpo; Hermes passou a se chamar Mercúrio, mas continuou a ser o mensageiro dos deuses, com asas no capacete e nas sandálias. Só no caso do Amor, no entanto, houve uma mudança significativa: Eros, o deus grego, o belo jovem casado com Psiquê, foi substituído por Cupido, que era um menininho rechonchudo, com a aparência inocente de nossos anjinhos de calendário.
Essa mudança de imagem, explicavam os poetas, combinava melhor com o caráter brincalhão e irresponsável do deusinho, sempre pronto a perturbar a serenidade da vida com as inesperadas paixões que provocava com suas flechas invisíveis. Em sua Arte de Amar, Ovídio, o maior poeta latino, sugeriu que a única defesa contra esse temível e adorável inimigo seria educá-lo, domesticando-o por meio da poesia. Isso já tinha dado certo na educação de Aquiles, o grande herói da Guerra de Troia: seu tutor, o centauro Quíron, adestrou-o igualmente no manejo da espada, da lança e da lira, alegando que a música e a poesia eram indispensáveis para que o jovem guerreiro soubesse entender e exprimir os sentimentos que brotavam em sua alma adolescente.
"Para que não fuja,
quando vem nos visitar,
o Amor precisa ser educado, ilustrado, enriquecido
pelo que dele dizem
os poetas e os artistas."
A ideia, que parece ter fascinado a Antiguidade, continuou viva por toda a Idade Média, manifestando-se em inúmeras gravuras que representavam o Amor aprendendo a ler, até culminar, no Renascimento, com o quadro A Educação de Cupido, uma das obras primas de Correggio. Apesar da esplêndida nudez dos três personagens, a cena é inocente e familiar: o pequeno deus, com o rostinho sério, compenetrado, parece ler em voz alta o que está escrito no papel que lhe apresenta Hermes, seu professor. A seu lado, Vênus, a mãe, acompanha a lição, mas não olha para o filho; em vez disso, está voltada para nós, absorta e pensativa, talvez escolhendo as palavras para nos dizer que a educação de Cupido também é tarefa nossa.
Para que não fuja, quando vem nos visitar, o Amor precisa ser educado, ilustrado, enriquecido pelo que dele dizem os poetas e os artistas. É para isso que precisamos da Arte, pois só ela nos ensina a enxergar a vida de uma maneira mais rica, iluminada pela experiência que a espécie humana acumulou. Com ela, temos visões surpreendentes do que nem sequer imaginávamos – depois que conhecemos Van Gogh, os girassóis parecem bem diferentes... Com ela, aprendemos o nome dos sentimentos e começamos a distinguir as nuances do que antes era um todo indistinto; com ela, em suma, mudamos e crescemos – e crescem nossas exigências. O Amor só ganha com isso.

*Colunista da ZH
Fonte: ZH online, 11/01/2011

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