domingo, 25 de dezembro de 2011

As crianças por Rubem Alves

Rubem Alves*
NIETZSCHE E AS CRIANÇAS

POR oposição ao propósito da máquina educacional de transformar as crianças em adultos, Nietzsche sugeria o oposto e dizia que “a maturidade de um homem é encontrar de novo a serenidade que se tinha quando criança, brincando”.

Desanimado com a estupidez dos adultos, ele escreveu: “Gosto de me assentar aqui onde as crianças brincam, ao lado da parede em ruínas, entre os espinhos e as papoulas vermelhas. Para as crianças, eu sou ainda um sábio, e também para os espinhos e as papoulas vermelhas”. Os adultos não o entendiam porque ele escrevia como criança.
A CAIXA DE SAPATOS

Era 25 de dezembro. Na noite da véspera, Papai Noel havia visitado as crianças da vizinhança deixando para cada uma delas um presente. Eram presentes simples. Uma bola. Uma boneca comprada em loja, de celuloide, material antepassado do plástico. Uma boneca de pano que alguém fizera em segredo. Um caminhãozinho de madeira que se comprava na cadeia. Os presos, sem ter o que fazer, transformavam-se em fabricantes de brinquedos. Sim, parecia que Papai Noel visitara todas as crianças da redondeza. E todos os meninos e meninas saíam à rua, exibindo a sua alegria. Menos o Vinícius, menino de seis anos, meu vizinho. Papai Noel se esquecera dele. Ele estava muito longe, entregue a amores de capital. O Vinícius então apareceu puxando o presente que ele mesmo fizera: uma caixa de sapatos, amarrada a um barbante.
QUEM ENTRARÁ NO PARAÍSO?

Alguns não sabem brincar. Ao invés de brincar, abrem seu baú cheio de ferramentas de trabalho. Mas a criança não se interessa pela mala. Os chegantes se sentem ofendidos. Dizem que foram à escola para deixar de ser crianças e se tornar adultos. Suas ferramentas são sua prova. A Criança lhe sorri e lhes diz que, naquela escola, eles não passaram. Não podem entrar no Paraíso. Ficaram de DP. “Voltem quando tiverem deixado de ser adultos. Voltem quando tiverem voltado a ser crianças..”
TORNAR-SE CRIANÇA

Aquela estória de S. Pedro à porta do Paraíso com o livro da contabilidade divina nas mãos foi inventada por um agiota. Na verdade, o que acontece é o seguinte. Na porta do Paraíso está aquela Criança que nem consulta livro nem pergunta nada. Só abre um baú enorme, onde estão guardados todos os brinquedos inventados e por inventar, e diz: “Escolha um para brincar!”. Quem fica feliz e souber brincar entra.
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* Teólogo. Escritor. Educador.
Fonte: ALVES,Rubem – Do Universo à Jabuticaba. SP: Ed. Planeta do Brasil, 2010, pp. 50/52.
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