quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Síndrome de fim de ano

 Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE PEDRO SCALETSKY
Durante o ano, em meio a mil atividades, a gente, volta e meia, sente aquela vontade de parar, de tirar o pé, de aliviar, de diminuir o ritmo, essas coisas. A vida parece resumida ao trabalho e tudo o que se quer é uma válvula de escape, um passatempo, não fazer nada, deixar o tempo passar na manha do ganso, deitar na rede, ouvir música e fantasiar. Sonha-se com o final de ano e com o recuo estratégico proporcionado pelas festas e pelas férias. Fala-se mal das novelas e do baixo nível dos jogos de futebol. O ser humano é complexo. No inverno, só pensa no verão. No auge do calor, louva as qualidades do frio, bom para um vinhozinho e um final de semana em Gramado. Sente saudades dos jogos de domingo à tarde e anseia pelo começo, ao menos, do nosso campeonato gaúcho.

Trabalhei muito ao longo de 2011. Desejei muitas vezes que dezembro chegasse mais depressa. Sentia-me cansado, esgotado, saturado. Dezembro chegou de repente. Confesso que na tarde sombria de 25 de dezembro eu me senti meio perdido. Fiquei inquieto. Ataquei os restos do peru, fomos ao Barranco, li revistas de literatura, escrevi, folheei livros, pensei no passado, pensei no futuro, pensei no presente, fiz balanços disso e daquilo, recontei o número de ministros defenestrados, lembrei de algumas polêmicas, arrependi-me de algumas respostas e arroubos, lamentei não ter dado outras respostas e ter tido outros arroubos, desculpei os que me insultaram, insultei os que não me desculparam, tomei água com a porta da geladeira aberta, liguei para meio mundo (como dá vontade de ligar para meio mundo no final do ano) e planejei mudar radicalmente de vida. Tudo em duas horas.

No meio da tarde, a angústia aumentou. Comecei a sentir saudades de alguma coisa que não conseguia identificar. Abri as gavetas, mexi em papéis antigos, deparei-me com uma fotografia de quando eu tinha 25 anos e ouvia Belchior e Janis Joplin, tentei reler um texto escrito por mim quando andava pelos 19 anos e enfrentava os podres poderes. Nada entendi. A sensação de falta só aumentava. Um grande vazio, a boca seca, uma inquietude, se a palavra não for pomposa demais, metafísica, bom, convenhamos, quase metafísica, abissal, sim, isso mesmo, abissal é um termo adequado para tardes de Natal. Detalhe: nada tenho contra o Natal e costumo agarrar o peru com a mão sem o menor pudor ou constrangimento. Ainda assim, a angústia estava lá, espessa como uma picanha gaúcha. Aí eu me sentei e refleti demoradamente.

Tive uma iluminação. Já estava com saudades de me sentir cansado, esgotado, saturado. Tirei do fundo das pastinhas do computador alguns projetos guardados por falta de tempo e só de olhar para eles fiquei esbaforido. Um trabalho insano, descomunal, gigantesco. Estudei como enfrentá-los, por onde começar, de que jeito avançar. Aos poucos, quando mais me afundava neles, mais me sentia sereno, cansado, saturado, esgotado, feliz. Só uma pergunta não me deixou dormir tranquilo: serei um obcecado por trabalho, um escravo da labuta, um workaholic? Não gosto de ser nada definido em inglês.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Tradutor. Escritor. Colunista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 29/12/2011

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