Profissionais comentam dificuldades encontradas
ao exercer seu ofício
Embora muitas vezes próximo de um trabalho autoral,
tradução ainda não encontra devido
reconhecimento no país
Um tradutor não dá à luz novos livros. Mas pode melhorá-los. Ou matá-los.
Num ofício dividido entre a criação artística e a mera reprodução fidedigna dos originais, esse coautor de romances alheios vem ganhando prestígio maior do que as notas de rodapé podem dar.
O lançamento em português do mais recente romance do japonês Haruki Murakami, "1Q84" -programado pela editora Alfaguara para o segundo trimestre de 2012-, prova que traduzir é um trabalho autoral.
"O que fazemos exige um esforço artístico, uma vez que um texto é mais do que a mera soma das palavras", diz Lica Hashimoto.
Neta de japoneses, ela começou com textos técnicos há mais de 20 anos e hoje tem em mãos um romance que, só nos EUA, vendeu 1 milhão de cópias em 30 dias e, no Brasil, tem encomendas de livrarias há mais de dez meses.
A japonesa Meiko Shimon, que verteu para o português "O Mestre de Go", último romance do Prêmio Nobel de Literatura (1968) Yasunari Kawabata a ser lançado pela Estação Liberdade neste mês, diz que fazer pontes com o idioma japonês é muitas vezes "criar e recriar, mais do que apenas traduzir".
DIFICULDADES
O japonês impõe aos tradutores a dificuldade de trabalhar com três alfabetos diferentes, linguagem lacônica, inúmeros pronomes de tratamento e conjugações inexistentes em português.
Isso exige do tradutor algo próximo de uma coautoria, já que trechos inteiros têm de ser adaptados. "É difícil explicar peculiaridades sem perder a fluência do texto. Às vezes, nem as notas de rodapé esclarecem como é exatamente a coisa", diz Meiko.
Um exemplo da dificuldade de traduzir o japonês está em outro livro de Kawabata, "Kyoto". Nele, duas irmãs, embora gêmeas, são tratadas pelos substantivos "ani", irmã mais velha, e "imôto", irmã mais nova.
Em português, não há equivalente. Por equações como essa, Meiko diz que é comum ter um "nó na cabeça, que se prolonga por horas ou dias".
Em muitos países, os tradutores conseguem se especializar em um determinado autor ou estilo e há até mesmo prêmios literários para a categoria, mas, "no Brasil, o trabalho de tradutor não é valorizado", diz o tradutor e escritor Milton Hatoum.
Hoje, já existem originais em russo, japonês, árabe, alemão e hebraico traduzidos para o português sem escalas em versões inglesas ou francesas, como ocorria antigamente.
Mesmo assim, a maioria desses profissionais ainda vive se equilibrando em contratos incertos com as editoras, que pagam, em média, R$ 30 por página com 2.100 caracteres de tradução.
O escritor e tradutor Alexandre Barbosa de Souza, que trabalha para Companhia das Letras e Cosac Naify, diz que "em literatura, os bons tradutores costumam ser bons escritores, mas o essencial é ser um bom leitor".
"Poucos têm a oportunidade de ler melhor uma obra literária do que o tradutor."
Em 2012, Souza lançará sua obra de poemas "Livro Geral" pela Companhia, mesma editora que lançará "O Lugar Mais Sombrio", de Hatoum. Neste, a protagonista é justamente uma tradutora.
BUSCA DA ESSÊNCIA
"Uma boa tradução capta a essência do original: o ritmo, o tom e a dicção da linguagem, e também o contexto cultural e histórico da obra", descreve Hatoum.
"Não gosto de traduções literais, palavra por palavra, nem das que recorrem a artifícios exagerados, com o intuito de serem inventivas".
Para Souza, apesar de o risco de estragar as obras ser grande, há, em outros casos, a chance de melhorá-las.
"Acredito que o tradutor do Paulo Coelho seja melhor do que o Paulo Coelho original, mas nós deveríamos ser como goleiro num jogo de futebol, que, quando vai bem, é porque não se fez notar."
----------------------------- REPORTAGEM POR JOÃO PAULO CHARLEAUX COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Fonte: Folha on line, 17/12/2011
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