Gilson Dipp, Ex-corregedor nacional de Justiça e ministro do STJCorregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e responsável por determinar a abertura de inspeções em 22 tribunais do país, a começar por São Paulo, Eliana Calmon está no centro da guerra que sacode o Judiciário.
Contudo, na origem dos movimentos que buscam identificar irregularidades em pagamentos feitos aos magistrados, intenção agora ceifada por liminares do Supremo Tribunal Federal (STF), está um gaúcho de Passo Fundo: Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e corregedor do CNJ entre setembro de 2008 e setembro de 2010.
Em julho de 2009, Dipp solicitou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) o registro de movimentações de valores atípicas envolvendo magistrados. Ele explica que requereu as informações porque percebeu, ao final de inspeções de rotina, que os tribunais não dispunham de documentos para comprovar a regularidade das folhas de pagamento.
Dipp deixou o cargo sem receber os dados do Coaf. Os relatórios chegaram em fevereiro de 2011, quando Eliana Calmon já estava à frente do cargo. Baseada nestas informações, que revelaram a existência de movimentações incompatíveis com os rendimentos de magistrados, é que ela abriu investigações.
Depois, a crise explodiu. Entidades como a Associação dos Magistrados Brasileiros acusaram a corregedora de quebrar o sigilo de 231 mil pessoas. Duas liminares emitidas pelo STF em 19 de dezembro, véspera do recesso da Corte, esvaziaram os poderes do CNJ. Uma delas suspendeu as inspeções da Corregedoria. A outra proibiu processos disciplinares contra magistrados que não foram investigados antes pelas corregedorias estaduais.
Nesta entrevista, Dipp fala sobre a briga no Judiciário.
Zero Hora – O que a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estava se propondo a investigar? Há relação com o pagamento de auxílio-moradia, que foi considerado um direito dos magistrados?
Gilson Dipp – Não tem nada a ver com isso. Quando se começou a fazer inspeções dentro dos tribunais, era para ter o controle administrativo, financeiro, orçamentário e disciplinar. São examinadas as regularidades dos procedimentos, como quantos cargos de confiança existem, se há concurso público em andamento, se temos juízes em todas as comarcas. E também se examina, no aspecto administrativo, se os tribunais estão obedecendo a regra do nepotismo, a regra do pagamento dentro do teto (salarial). Porque há muitas irregularidades em pagamentos fora do teto, diárias pagas de maneira irregular ou errada e má aplicação de índices de correção monetária.
ZH – Foram essas informações que o CNJ buscou ao fazer pedido para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)?
Dipp – Os tribunais não tinham essas informações. Os juízes têm obrigação de mandar a declaração de bens, o imposto de renda, como todos os funcionários públicos. Eles tinham de apresentar aos tribunais. Isso é lei. Mas, em alguns tribunais, os juízes não mandavam. E os tribunais não cobravam. Face à deficiência nos tribunais, foi pedido a um órgão do Ministério da Fazenda, o Coaf, a relação de operações financeiras tidas como atípicas. Aquelas movimentações em valores maiores do que é compatível com os rendimentos.
"Mas hoje, com essa briga interna,
se enfraqueceu o CNJ, se enfraqueceu o Supremo,
e isso é grave. Houve enfraquecimento do Judiciário.
É só ver a reação da sociedade.
Mas acho que ao fim e ao cabo,
com todas essas divisões,
quem sai fortalecido são o CNJ
e as suas atribuições."
ZH – As reações aos atos da corregedora Eliana Calmon estão vindo principalmente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Qual o motivo?
Dipp – O tribunal de São Paulo sempre foi um tribunal com menos poder de gestão, com menos planejamento, até pelo seu gigantismo. Os juízes tinham um passivo grande a ser recebido. Todos eles. Os servidores também. Quando se anunciou a inspeção, houve essa reação por motivos óbvios. O presidente do CNJ é de São Paulo (Cezar Peluso), o presidente da AMB (Nelson Calandra, da Associação dos Magistrados Brasileiros) é do TJ de São Paulo.
ZH – Magistrados originários de SP estariam se protegendo?
Dipp – Ela (Eliana Calmon) anunciou que começaria (a inspeção) por São Paulo. Se ela dissesse que começaria pelo Piauí ou pela Paraíba, isso não daria problema nenhum. Talvez a inabilidade dela tenha sido anunciar que começaria por São Paulo. Aí as forças conservadoras reagiram. Isso é consenso geral entre os magistrados. Pelo que eu leio nos jornais, lá tem 353 desembargadores e não sei quantos juízes, mas apenas 17 desembargadores tiveram os atrasados devidos pagos de uma vez só. Ou seja, houve, em princípio, uma violação da impessoalidade. Alguns foram pagos de forma mais benéfica do que outros. Mas ninguém foi acusado ou investigado. É uma inspeção de rotina.
ZH – Então o foco do problema está no TJ de São Paulo?
Dipp – O tribunal de São Paulo é conservador. Pelo seu gigantismo, pela sua falta de planejamento, pela sua falta de gestão, eles (magistrados) mesmos ficam constrangidos porque sabem das suas deficiências. Em São Paulo, desde a criação do CNJ, há um histórico de que o tribunal sempre foi o mais refratário ao controle do CNJ. Isso não é de hoje. É de 2004.
ZH – O Judiciário não gosta de ser fiscalizado?
Dipp – É claro que não gosta. Nunca ninguém prestou contas de nada. O CNJ determina que os tribunais prestem contas. Tudo isso nunca houve no Judiciário.
ZH – O episódio colocou em lados opostos o presidente do STF e do CNJ, Cezar Peluso, e a corregedora Eliana Calmon. O alto escalão do Judiciário está rachado?
Dipp – Houve uma divisão interna no Conselho e no Supremo. Não há entendimento entre o presidente, a corregedora e os conselheiros. Esse desentendimento propiciou que as associações (de magistrados) se encorajassem e voltassem a carga contra o CNJ. É um problema político. Mas a reação pública em favor do CNJ é algo que nunca vi na minha vida. Então, alguma coisa está errada.
ZH – Quais os motivos da briga?
Dipp – Primeiro porque o que pensa o presidente não é o que pensa a corregedora. São estilos diferentes. Uma (Eliana Calmon) é agressiva e gosta de polêmica. O outro (Cezar Peluso) é conservador, vem de São Paulo. E com isso muitas atitudes da Corregedoria não agradavam ao presidente e vice-versa. Faltou diálogo. E os conselheiros também se dividiram. Nessa última composição, alguns conselheiros foram eleitos pelas instituições me parece que para defender certas teses, certos posicionamentos, e não defender a própria instituição que eles integram, que é o CNJ.
ZH – Como o Judiciário vai ficar depois dessa crise?
Dipp – 90% do Judiciário se acostumou com as boas práticas e sabe que isso é necessário até para se ter credibilidade com a sociedade. Mas hoje, com essa briga interna, se enfraqueceu o CNJ, se enfraqueceu o Supremo, e isso é grave. Houve enfraquecimento do Judiciário. É só ver a reação da sociedade. Mas acho que ao fim e ao cabo, com todas essas divisões, quem sai fortalecido são o CNJ e as suas atribuições.
ZH – A corregedora diz que estão querendo fazer um linchamento público e moral dela para enfraquecer as atribuições do CNJ. O senhor concorda?
Dipp – Acho que ela é a bola da vez. Ela se expôs muito. Essa reação contra ela acabou fazendo dela uma heroína nacional. E de heroína não tem nada. Ela simplesmente está cumprindo o mínimo que é de sua competência, mas é mulher. Criaram exatamente uma reação contrária a tudo que preconizavam.
ZH – Qual a sua opinião sobre as liminares concedidas pelo STF que restringiram o poder de fiscalização do CNJ e que cancelaram averiguações que estavam em andamento?
Dipp – O que há são medidas liminares concedidas dentro de um período nebuloso (no último dia antes do recesso). E talvez as pessoas não tivessem pensado na repercussão negativa disso tudo.
ZH – E sobre o mérito dessas liminares?
Dipp – Estou questionando a oportunidade das liminares. Quem deu as liminares deve ter tido a convicção de que era uma urgência urgentíssima. Sobre o mérito, não tenho a menor ideia. Mas que o STF está numa camisa de força, isso está.
ZH – Essas fiscalizações do CNJ envolveram ministros do STF?
Dipp – O STF não está sujeito à fiscalização do CNJ.
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Reportagem por CARLOS ROLLSING
Fonte: ZH on line, 27/12/2011
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