segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Os novos centros da Fé


PRIMEIRA COMUNHÃOO padre Marcelo Rossi na primeira missa do Santuário Mãe de Deus, em outubro.
A inauguração oficial da igreja está prevista para 2012 (Foto: Juca Varella/Folhapress)
A construção de megatemplos mostra a força
 do cristianismo brasileiro,
acirra a disputa por fiéis e revela como
orar entre milhares
de pessoas ajuda a sentir-se
mais perto de Deus
Jesus Cristo disse aos apóstolos, segundo o Evangelho de Mateus: “...E sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Inspirados nessa passagem da Bíblia, há 1.600 anos os cristãos erguem templos para louvar a Deus. No começo, eram simples e pequenos; no Renascimento, esculturas e pinturas de mestres como Michelangelo e Ticiano fizeram das igrejas palcos da grandiosidade do talento do homem; no século XX, os templos católicos perderam esses adereços litúrgicos e parte relevante de sua frequência. Agora, na primeira década do século XXI, as igrejas de todas as denominações cresceram. Ganharam capacidade de reunir, de uma única vez, dezenas de milhares de fiéis – a despeito de inovações como a televisão, o rádio e a internet, que tornaram os líderes das igrejas famosos e inventaram o exercício remoto e quase impessoal da fé. Ao custo de centenas de milhões de reais, os megatemplos se multiplicam nas grandes cidades brasileiras e atraem multidões antes vistas apenas em shows e jogos de futebol. Como exibição de fé, são verdadeiros monumentos a atestar o vigor do cristianismo brasileiro. Do ponto de vista social, testemunham o enorme desejo de participar que anima as multidões de fiéis. Se Deus está presente onde duas ou três pessoas se reúnem em nome Dele, como diz a Bíblia, os fiéis imaginam que sua presença será ainda mais intensa quando se reúnem 30 mil, 50 mil, 150 mil pessoas.
Megatemplos são construídos em todo o país e por várias religiões: a Igreja Católica inaugurará em 2012 o Santuário Mãe de Deus, para 100 mil pessoas, em São Paulo. Em Belo Horizonte, Minas Gerais, a Catedral Cristo Rei vai abrigar até 25 mil pessoas quando for consagrada, em três anos. Entre os evangélicos, várias denominações prometem inaugurar suas megaconstruções. Em Guarulhos, na Grande São Paulo, a Igreja Mundial do Reino de Deus planeja construir a Cidade de Deus, para 150 mil pessoas. No Recife, a Assembleia de Deus conclui o projeto de um templo para 30 mil pessoas. Em Belo Horizonte, a Igreja Batista de Lagoinha planeja acolher num mesmo teto 35 mil pessoas. “Os brasileiros têm necessidade de grandes basílicas e catedrais, de lugares grandes para congregar e orar”, diz o padre Marcelo Rossi, criador do Santuário Mãe de Deus.
O fenômeno é mundial e multirreligioso. Estados Unidos, Coreia do Sul e Guatemala têm grandes templos. Na Nigéria, a Winners Chapel (Capela dos Vencedores) acolhe 250 mil fiéis. No islamismo, a ideia de que a multidão amplifica a experiência religiosa é antiga. “Maomé diz que a oração em conjunto é 27 vezes maior do que a oração individual”, afirma o xeque Jihad Hassan, presidente do Conselho de Ética da União Nacional Islâmica, em São Paulo. Por isso, as principais mesquitas do mundo árabe, em Meca e Medina, estão frequentemente em obras de ampliação. A Mesquita do Profeta, em Medina, na Arábia Saudita, foi aberta no ano 622 com capacidade para centenas de fiéis – adequada à população da cidade, que girava em torno de 2 mil pessoas. Hoje, Medina tem uma população de quase 2 milhões de pessoas, e a mesquita pode abrigar 1 milhão de fiéis.
(Foto: divulgação)
No mundo cristão, o fenômeno dos templos multitudinários teve início na década de 1970, como reflexo da popularização das igrejas evangélicas. No Brasil, começou nos anos 1980, quando as igrejas evangélicas passaram a comprar grandes salas de cinema abandonadas, com capacidade para até 2 mil pessoas. Dez anos depois, surgiram edifícios religiosos como a Catedral Mundial da Fé, sede da Igreja Universal do Reino de Deus, no Rio de Janeiro, que abriga 15 mil fiéis. A Igreja Católica, representada por seu ramo carismático, reagiu – dentro de suas tradições arquitetônicas. “Um espaço que leve à reflexão não pode ser confundido com um auditório ou ginásio. Um local profano pode acomodar as pessoas, mas não ajuda na experiência religiosa”, diz o arquiteto Ruy Ohtake, autor do projeto do Santuário Mãe de Deus. A construção do templo é financiada pelo padre Marcelo Rossi com o dinheiro de doações e da venda do CD e do livro Ágape (publicado pela Editora Globo), que, juntos, já venderam 9 milhões de exemplares.
Um dos motivos que impulsionam a construção dos grandes templos é a afirmação de cada uma das igrejas ante as demais. “Erguer um templo grandioso é uma forma de se impor perante as demais denominações e de mostrar que ‘somente aqui você encontra Deus’”, diz Brenda Carranza, cientista social da PUC de Campinas, autora do livro Catolicismo midiático. Depois de atrair milhões de católicos, as igrejas evangélicas tentam, agora, se diferenciar e se impor. Para Ricardo Bitun, professor de ciências da religião da Universidade Mackenzie, quando uma igreja constrói um megatemplo, ela mostra, de forma simbólica, que não é um movimento religioso efêmero. “É uma mostra de que tem raízes fortes e que veio para ficar, um marketing tremendo”, diz ele. A construção dos megatemplos católicos sugere que a hierarquia católica não quer ficar fora dessa competição.
A preferência por grandes templos reflete outro fenômeno: a transformação de padres e pastores em ícones pop, capazes de atrair multidões. “Os megatemplos se convertem em megapalcos”, diz Carranza. Além de transmitir sua mensagem religiosa, o pastor tornado famoso pela televisão busca entreter e alegrar o público, como faria um artista. “As grandes igrejas dependem de uma figura carismática”, afirma Jeane Kilde, diretora do Programa de Estudos Religiosos da Universidade de Minnesota, dos Estados Unidos. Os fiéis querem estar fisicamente próximos ao ídolo religioso, e a presença dele – aliada ao poder da multidão – fortalece a catarse que é parte essencial dos rituais. Quando se tem um templo enorme, o líder religioso pode falar ao vivo, de uma única vez, para multidões que, no passado, somente poderiam ser atendidas em diferentes cerimônias. Não se deve esquecer, também, que, na era da religião à distância, missas ou cultos com dezenas de milhares de pessoas fornecem excelente material televisivo.
EM NOME DE ALÁ
Mesquita Istiqlal, na Indonésia, com capacidade para 120 mil fiéis. Erguido nos anos 1970,
 o maior templo muçulmano da Ásia marca a expansão do islamismo fora da Arábia (Foto: Bay Ismoyo/AFP)
A mensagem
Para você
Rezar com milhares de pessoas é uma forma
envolvente de manifestar a fé
Para a sociedade
Ao construir megatemplos, correntes religiosas
mostram sua força na disputa por mais fiéis

Há também questões econômicas por trás dessas construções. Um exemplo eloquente da mistura de interesses econômicos e religiosos é o Templo de Salomão, da Universal. Para concluí-lo, a igreja ainda precisa comprar um prédio de apartamentos no cruzamento da Avenida Celso Garcia com a Rua Júlio César da Silva, na zona central de São Paulo. Dos 40 apartamentos, que têm em média 100 metros quadrados, 30 já foram comprados. Estima-se que cada um tenha custado entre R$ 300 mil e R$ 350 mil. Se apenas um proprietário se recusar a vender, o prédio continuará de pé, e o projeto do Templo de Salomão terá de ser revisto. “Para mim ofereceram R$ 300 mil”, diz uma moradora. “Gosto daqui e, por esse valor, não saio. Talvez se melhorarem a proposta.” Os moradores acusam a Igreja Universal de fazer pressão e forçar a saída dos condôminos. “Eles não estão pagando condomínio dos 30 apartamentos que já compraram”, disseram a ÉPOCA dois moradores. Sem o dinheiro desde abril, a administração teve de demitir os cinco funcionários do condomínio em setembro. “Nós nos revezamos para fazer a limpeza das áreas comuns”, afirma uma moradora. Os contratos para manutenção dos elevadores, interfones e circuito interno de TV foram cancelados. Um dos elevadores está desativado. “Quando o outro der problema, vamos ter de usar as escadas”, diz. “Estão nos estrangulando, mas aguentaremos até onde der.” Procurada por ÉPOCA para responder às acusações dos moradores, a Igreja Universal não respondeu até o fechamento desta edição.
O Templo de Salomão não servirá apenas para realizar cultos. O espaço terá apartamentos, que funcionários envolvidos na obra dizem que serão usados pelo bispo Edir Macedo, líder da Iurd. O apartamento de Macedo tem 740 metros quadrados, academia de ginástica, jardim interno e quatro suítes com banheira de hidromassagem (a principal com jacuzzi de 3,5 metros x 4 metros). O apartamento fica atrás da nave, no 7º andar. No 8º andar, há uma área de lazer com 176 metros quadrados com churrasqueira, sauna e outra jacuzzi. “É um projeto suntuoso”, diz um arquiteto que trabalhou na elaboração da planta. A reportagem de ÉPOCA visitou o canteiro de obras. Lá, um funcionário mostrou o andamento das obras e mencionou o lado onde será construído o “apartamento do bispo”. “Ele vai morar aqui?”, a reportagem perguntou. “Claro que não”, respondeu o funcionário. “O bispo vive em Miami. O apartamento é só para quando ele estiver em visita.”
CULTO NO TELÃO
Igreja Willow Creek de Illinois, nos Estados Unidos, para 7 mil pessoas, em foto de 2005.
Pioneira no movimento das igrejas com visual de auditório,
 ela vem perdendo fiéis para templos menores (Foto: John Gress/Reuters)
A história dos megatemplos está ligada a um movimento chamado emerging church (igreja emergente), liderado pelo pastor Bill Hybels. Em 1974, ele percebeu a existência de um enorme número de pessoas que não frequentavam igrejas porque as achavam “chatas” e rejeitavam símbolos religiosos como Jesus crucificado ou vitrais com cenas bíblicas. Com os dados dessa pesquisa, criou a Igreja Comunitária Willow Creek, uma das três mais populares dos Estados Unidos. Ela reúne no culto principal, em sua sede em South Barrington, Illinois, cerca de 7 mil fiéis. O templo tem espaço para crianças e restaurantes.
Os megatemplos de hoje, católicos ou evangélicos, seguem o mesmo padrão. No Santuário Mãe de Deus, há espaço para restaurantes – e o padre Marcelo Rossi pediu que a visão que os fiéis têm do altar fosse totalmente desimpedida. “Quero que as pessoas me vejam de qualquer parte, e quero poder vê-las”, diz ele. A igreja foi projetada sem colunas, privilegiando a visão e a participação sobre a introspecção. A intenção é propiciar o êxtase religioso que parece ser uma marca essencial tanto dos cultos evangélicos quanto das missas carismáticas católicas. “Quando se vê no meio da multidão, o fiel sente que não está sozinho na fé”, diz o pastor Marco Feliciano, do Ministério Tempo de Avivamento. O arcebispo de Belo Horizonte, dom Walmor de Azevedo, em cuja arquidiocese está sendo construída a Catedral Cristo Rei, tem opinião semelhante: “A fé cristã não é para ser vivida apenas individualmente”.
Nos Estados Unidos, onde o movimento “mega” começou há 30 anos, já se percebe seu declínio. Não há mais grandes igrejas em construção. As mesmas pessoas que achavam conforto na multidão vieram a sentir falta, mais tarde, da relação pessoal que encontravam nos cultos menores, em que o pastor ou o padre conhecem cada um pelo nome. “Os fiéis descobrem que querem um contato mais direto com o Divino, que não conseguem a partir de sermões impessoais”, afirma Kilde. O líder religioso carismático que se dirige a uma multidão recorre, necessariamente, a temas genéricos. “Como é impossível falar com um deles de cada vez, a palavra tem de tocar o coração da maioria”, diz o pastor Marco Feliciano. A empregada doméstica Rosângela Benção, de 33 anos, expressa o sentimento de quem foi tocado. Nos dias de semana, ela frequenta os cultos da igreja Deus é Amor, que reúne 80 pessoas, no bairro do Brás, região central da capital paulista, onde mora. Aos domingos, participa do culto no Templo da Glória, sede mundial da igreja, no bairro do Glicério, que abriga até 60 mil pessoas. Embora afirme sentir a “presença de Deus” nos dois locais, diz que, no Templo da Glória, a sensação é mais forte: “Quando você vê tanta gente dando glória (a Deus), sente uma fé maior”.

(Gráfico: Gerson Mora, Luíz Salomão, Marco Vergotti, Pedro Schimidt e Rodrigo Fortes.
Foto: Helvio Romero/AE)



(Gráfico: Gerson Mora e Pedro Schimidt)
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REPORTAGEM POR HUMBERTO MAIA JUNIOR

FONTE: Revista ÉPOCA on line, nº 709 - 19/12/2011

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