Antonio Prata*
Anti-spam não resolve nada: em vez de
eliminar e-mails indesejados,
os agrupa numa antessala da caixa de entrada
"Saiba quem são os ETs que vivem entre nós, seus ideais e sua missão salvadora na Terra." Fiquei um tempo olhando a mensagem, pensando no que seria mais estranho: existirem extraterrestres, estarem eles entre nós, terem uma missão salvadora ou, no ano da graça de 2011, ainda não havermos criado uma ferramenta eficaz contra spams?
Anti-spam, convenhamos, não resolve nada: em vez de eliminar os e-mails indesejados, os agrupa numa antessala da caixa de entrada, oportunamente chamada de Quarentena -espécie de ralinho de pia que, de tempos em tempos, temos que limpar. É pior, aliás, do que o ralinho de pia, pois na pequena tela de arame é altamente improvável encontrarmos um anel ou outro objeto de valor, de modo que podemos simplesmente bater a sujeira no lixo, sem prestar muita atenção no que jogamos fora; já na barafunda do anti-spam há quase sempre joias perdidas, mensagens de amigos ou parceiros de trabalho que foram barradas por engano, obrigando-nos a, todo santo dia, frequentar de olhos bem abertos esse Freak Show, onde um elenco bizarro de comerciantes, golpistas, hackers e ativistas de todos os matizes se une para aumentar nossos pintos, diminuir nossas barrigas, vender-nos Rolex falsificados, infectar nosso HD, alertar-nos para o envolvimento da Dilma com as Farc ou o complô da Johnsons & Johnsons com a CIA e os maçons, que estaria por trás de eventos aparentemente tão díspares quanto a morte do Kennedy, a derrota do Brasil em 1998 e a saída da Fátima Bernardes do Jornal Nacional.
Sempre que me aventuro pelos pântanos da Quarentena, ponho-me a pensar como meu nome foi parar na lista de cada remetente. Confesso que no início da internet, quando os primeiros "Enlarge your penis" surgiram no meu 486, cheguei a ficar preocupado. Será que alguma ex-namorada furibunda havia espalhado boatos (inverídicos, é claro) sobre minha pessoa? Só fui entender que a propaganda era ampla, geral e irrestrita assim que começaram a chegar os primeiros "Enlarge your breasts".
Hoje, recebo cerca de cem spams por dia. Vão de cursos de massagem holística do Himalaia a cupons de desconto para um Pesque & Pague em Indaiatuba. De convites para workshops de liderança a flyers de festas de swing (não estou falando da música); de textos de blogueiros fascistas que acham que a "Veja" é uma revista de esquerda até blogueiros stalinistas que acusam a "Caros Amigos" de fazer parte da grande mídia burguesa. Se fossem verdadeiros metade dos e-mails que me mandam com links para supostos depósitos em minha conta, eu estaria escrevendo essa crônica num laptop de ouro, e, se tivesse respondido a apenas uma das falsas mensagens em que o banco pedia meus dados, provavelmente estaria redigindo esse texto à mão. Pensando bem, até que não seria má ideia: tenho gasto tanto tempo limpando a Quarentena que talvez trabalhasse mais rápido com papel e caneta. Vou tentar. Ou, então, torcer para que a missão salvadora dos ETs seja nos ensinar a produzir o verdadeiro anti-spam, aquele que transformará o antigo ralinho de pia num potente triturador, capaz de fazer picadinho desses sólidos dejetos da loucura humana.
-------------------------
* Escritor. Cronista da Folha
antonioprata.folha@uol.com.br
@antonioprata
Fonte: Folha on line, 14/12/2011
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário