quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A dinastia comunista

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE PEDRO SCALETSKY

Como não se ter pena de um personagem que perdeu o poder por ter sido pego tentando visitar a Disney? Pobre desse filho de Kim Jong-il. Se pudesse, eu escreveria a sua biografia. Talvez um romance contando o episódio que arruinou a sua existência. Fico imaginando as estratégias que adotou, as minúcias dos planos, a obsessão e a coragem para se lançar na grande aventura: ver o Mickey de perto, comer um hambúrguer e tomar uma Coca-Cola. Meu livro poderia se chamar "A Tentação do Ocidente". Isso me fascina mais do que a criação paradoxal de uma dinastia comunista por seu avô Kim Il-Sung. Fico pensando também no irmão do primogênito descartado por ser efeminado. Vejo-o triste e oprimido na solidão do palácio do povo. Por que os comunistas implicam tanto com os gays? Pensando bem, se eu fosse Kim Jong-il deserdaria mesmo o fujão que foi à Disney. Tudo tem limite para um pai comunista. Ir à Disney desonra a família de um guia supremo. Não há perdão para quem comete um crime desses.
"Isso me fascina mais do que a
criação paradoxal de uma dinastia comunista
por seu avô Kim Il-Sung. Fico pensando
também no irmão do primogênito descartado
por ser efeminado. Vejo-o triste e oprimido
na solidão do palácio do povo.
 Por que os comunistas implicam
 tanto com os gays?"

Comparei Kim Jong-il com Joãosinho Trinta no meu blog. Um leitor não gostou. Bobagem. Adoro Joãosinho Trinta. Foi um gênio. Ele e Kim Jong-il tinham pontos em comum: viviam na fantasia. Só que a fantasia do coreano era mórbida, monstruosa, letal, a fantasia dos que Nietzsche chamava de "melhoradores do mundo". Kim Jong-il morreu na Coreia do Norte. Trinta, no Maranhão. Os comunistas adoram fábulas e parábolas. Essa história de que teriam aparecido dois arco-íris e uma estrela no céu quando do nascimento do agora finado Kim é quase tão surreal quanto perder o poder por ter ido à Disney. Tenho quase certeza de que a biografia autorizada de Kim Jong-il foi escrita por Paulo Coelho. Salvo se foi redigida por Fernando Morais, comunista e acostumado a fazer biografia chapa branca, como a do ex-mago. Outra característica curiosa dos comunistas com poder é o gosto por funerais barrocos: caixão de vidro, vermelho em profusão, toda uma mitologia de encomenda. Certamente é a isso que se chama de materialismo dialético e histórico.
O herdeiro do trono da Coreia do Norte é Kim Jong-un, general de 30 anos de idade, rapaz admirado por sua sensatez, equilíbrio e definição: jamais sonhou em ir à Disney, nunca foi flagrado ouvindo Lady Gaga, não desmunheca e gosta de óculos de sol. Um filho perfeito para o gosto do seu pai. A minha hipótese permanece: acho que Kim Jong-il não nasceu na Sibéria nem na montanha sagrada dos norte-coreanos, mas, filho de um bicheiro, em Nilópolis, lugar que visitava secretamente e de onde teria levado criações de Joãosinho Trinta para carnavalizar os desfiles militares e os telejornais da sua utopia folclórica. Cuba, que visitei, e Coreia do Norte, que só posso imaginar, são para mim as verdadeiras Disney. Quase tão absurdas quanto Papai Noel de trenó suando à frente de um centro comercial da Assis Brasil. Como o comunismo infantiliza os homens com suas lendas e com a figura do pai generoso e líder iluminado, não é estranho que os herdeiros do trono sonhem com Pateta.
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* Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário. Tradutor. Colunista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 22/12/2011

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