Com a ideia fixa de fazer um menino paralítico
andar na abertura da Copa do Mundo,
Miguel Nicolelis vai deixando
aliados pelo caminho
por Bernardo Esteves
Miguel Nicolelis correu o Brasil nos últimos meses para promover seu primeiro livro para o público leigo. Em todas as palestras de divulgação de Muito Além do Nosso Eu, lançado em nove cidades, o neurocientista mostrou à plateia fotos da macaca Aurora. Ela foi a protagonista de uma experiência que ele organizou na Universidade Duke, nos Estados Unidos. Com um chip implantado no cérebro, a macaca usou o pensamento para movimentar um braço robótico, sem que ela própria precisasse mover um músculo.
Nicolelis acredita que a pesquisa tem enorme potencial para vir a devolver a mobilidade a pessoas incapacitadas por lesões medulares, caso das paraplégicas. Com um implante no cérebro, elas poderiam imaginar o movimento de seus membros e, com os sinais elétricos gerados por essa mera intenção, movimentar um esqueleto artificial que ficaria fora do corpo.
Nas palestras, o cientista costuma chorar no exato momento em que fala da eventual concretização da experiência. Foi o que ocorreu, em julho, na Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip. Lá, primeiro ele mostrou um esboço da veste robótica que será comandada pela mente do paralítico. Em seguida, anunciou que gostaria de fazer a primeira demonstração pública da tecnologia no jogo de abertura da Copa de 2014. E por fim disse: “Nosso desejo é que uma criança brasileira, até então quadriplégica, possa capitanear a Seleção Brasileira em direção ao campo e entrar no campo à frente do time nacional e, no país do futebol...” Com a voz embargada, Nicolelis foi interrompido por aplausos. Retomou o raciocínio pouco depois, com lágrimas nos olhos: “... e executar, no país do futebol, o primeiro gol da ciência brasileira para toda a humanidade.”
No começo de outubro, Miguel Nicolelis e seu grupo de Duke publicaram mais um artigo numa das revistas científicas mais renomadas internacionalmente, a Nature. Ele mostrou que macacos não só são capazes de comandar um braço virtual com a atividade cerebral, mas também conseguem receber de volta informações sobre a textura dos objetos tocados pelo artefato. Seria possível, portanto, que uma veste robótica enviasse ao cérebro informações acerca do terreno sobre o qual anda, ou a superfície que toca.
Miguel Ângelo Laporta Nicolelis está desde 1989 nos Estados Unidos, onde foi fazer carreira depois de se graduar em medicina e ter feito doutorado em fisiologia, nos dois casos pela Universidade de São Paulo. Em Duke, o seu grupo é um dos mais adiantados nas pesquisas sobre o desenvolvimento de interfaces cérebro-máquina. Também foi um dos criadores de um instituto de pesquisa de neurociência em Natal, que já atraiu ao Rio Grande do Norte quinze pesquisadores de outros estados e países, milhões de reais em verbas federais, e atende à população pobre da região.
O bom trânsito na grande imprensa, nas revistas especializadas e em centros de pesquisa prestigiados, suas palestras e lágrimas misturando paralisia, ciência e futebol, o vai e vem entre a rica Duke e a pobre Natal colocam Nicolelis numa Estocolmo potencial e imaginária. O paulistano de 50 anos, de olhos verdes, barba espessa e boné do Palmeiras representa a torcida nacional por um prêmio Nobel que nunca veio.
Os neurônios são as células responsáveis pelo processamento e transmissão da informação. Nicolelis diz que seu trabalho consiste em escutar as sinfonias compostas por grandes populações dessas células. Não é possível, segundo ele, entender a atividade cerebral estudando um único neurônio, como os neurocientistas fizeram ao longo do século XX – seria como querer compreender a Nona Sinfonia a partir do oboé.
Em Muito Além do Nosso Eu, Nicolelis se apresenta como um dos que abalaram a ideia de que o cérebro tem regiões especializadas em determinadas funções cognitivas, a ponto de haver neurônios encarregados de tarefas específicas. Essa abordagem, que no fundo seria uma fantasia, deu lugar a uma visão do cérebro na qual as funções cognitivas são processadas de forma horizontal, “distribuída”, no jargão dos estudiosos.
Para Nicolelis, a aceitação da visão “distribucionista”do cérebro deve muito aos trabalhos de John Chapin, com quem ele trabalhou na Filadélfia, assim que chegou aos Estados Unidos. Chapin usou sensores capazes de registrar simultaneamente a atividade elétrica de algumas dezenas de neurônios. Ele empregou um feixe com filamentos flexíveis e finíssimos, de aço inoxidável, com poucos milímetros de comprimento. Em pesquisas com ratos, esses microeletrodos perfuravam o cérebro e mediam os disparos de vários neurônios individuais ao mesmo tempo.
O pulo do gato ocorreu quando se descobriu, por meio da atividade elétrica monitorada pelos eletrodos, que havia padrões que podiam ser traduzidos em instruções mecânicas para comandar um braço robótico. Foi um movimento ousado: o grupo mostrou que não era preciso decodificar a atividade elétrica do cérebro, ou mesmo entender como ele funciona. Bastava encontrar uma forma de canalizá-la para um fim específico. O princípio foi demonstrado numa experiência com a macaca Aurora, que Nicolelis considera a mais importante de sua carreira – e por isso mostra fotos dela em palestras.
Para ler o texto inteiro (longo) clique aqui:
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-63/questoes-neuroludopedicas/o-chute
-----------------------------------
Fonte: Revista Piauí - dezembro/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário