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Nascida em Santa Cruz do Sul, RS, com uma infância em família de origem alemã, acreditando em fadas e duendes e sonhando em ser a bonequinha Emília, para ser irreverente sem ser castigada, aos 11 anos já lia, no original, textos de Goethe e Rilke. “Mas isto não era virtude, era natural”, segundo ela. Desde cedo, gostava de ler: “Eu lia muito, tudo, de maneira caótica. Mas o resultado não foi tão ruim. Hoje, abro o livro, olho a orelha, as primeiras páginas... não está interessante, não leio mais. Quando você é menos exigente, lê tudo o que aparece”. Com formação em letras anglo-germânicas, ficou dividida entre professora e tradutora e ser mãe de três filhos. A propósito, diz que a condição das mulheres durante muito tempo as deixou “pedindo licença para existir”.
Mas a prova de ter superado estes padrões culturais é que, depois de viuvar duas vezes, está casada, feliz, pela terceira. Mas, independente do estado civil, tem brilho próprio. No olhar, no talento e nos posicionamentos assumidos publicamente. Ingredientes que a fazem brilhante e profissionalmente respeitável. Com raízes numa cultura humanista sólida, a partir dos 40 anos decide pela literatura e agora, aos 70, é um sucesso através de seus textos, onde escreve sobre suas inquietações, acumuladas ao longo dos anos, são passadas a limpo em publicações.
Além dos livros editados em diversos lugares do mundo, tem espaço nobre reservado numa das melhores vitrines da imprensa brasileira. É a primeira e única mulher articulista de Veja, a revista de maior circulação do país. Com uma tiragem de um milhão e duzentos mil exemplares, este é, no mínimo, o público que a lê quinzenalmente. Sua crônicas são tratadas em sala de aula, disputadas e, dos articulistas, é uma das que mais recebe cartas dos leitores. Sua literatura é objeto de estudo e de teses, no Brasil e no exterior.
Tradutora de mais de cem obras, já versou para os brasileiros lerem autores como Thomas Mann, Herman Hesse, Virginia Wolf, Bertold Brechet e tantos outros. Transitando por gêneros variados, entre crônicas, contos, romances, poesias, ficção, literatura infantil, publicou 20 livros. A maioria deles com grande tiragem. Mas o fenômeno de vendas foi seu Perdas e Ganhos, durante um ano, na lista dos mais vendidos no Brasil. “Se quisesse ganhar dinheiro, teria feito Perdas e Ganhos II. Teria ficado rica. Mas escrevo o livro que quer ser escrito”. Atualmente escreve Medos, Mitos e Mentiras, enquanto Criança Pensa já está pronto, aguardando apenas as ilustrações. “Claro que criança pensa, e pensa maravilhosamente bem. Neste mundo tão consumista, uma das coisas importantes que se pode ensinar às crianças é a leveza, a naturalidade...”
É requisitada como palestrante para diferentes tipos de ouvintes, executivos, médicos, psicólogos, professores e mulheres.
“Escrever é tentar arrumar as minhas ideias (...)
minha literatura é uma mistura do belo e do sinistro...,
misturo o terrível com a magia (...)
na verdade, sou todos os meus personagens,
do triste anãozinho de O Silêncio dos Amantes,
à prostituta mais desbragada.
Sou todos eles.(...) Acho que faço uma
literatura de caráter intimista,
com grande carga psicológica (...)
Como escritora, aborda temas da realidade humana, a solidão, desencontros, angústias, afetos, pequenos prazeres diários, entre outras coisas. Como articulista, faz uma leitura crítica dos acontecimentos do momento. Sem medo de parecer moralista, evoca valores, alguns que, embora fundamentais, pela falta de uso, parecem já estar mofando no fundo do baú da memória da pessoas. E faz isso de uma forma simples que todos a entendem e por ela se sentem entendidos. “Busco ser transparente de forma que nada se interponha entre o meu leitor e aquilo que estou querendo dizer”. Tanto quando escreve, mas mais quando faz palestras ou, como no caso desta entrevista, fala num tom de natural intimidade, como quem está com uma velha amiga, tomando chá, num final de tarde. “Escrevo exatamente o que penso, do jeito que quero, na linguagem que eu quero” e “se não tenho nada pra dizer, fico quieta”, dia Lya. E é assim que sua inquietação com a vida, dentro e além do dia-a-dia, pela forma firme e sábia, pode passar à densidade de um olhar filosófico. Mas, sem querer complicar as coisas, a verdade é que sua transparência a torna compreendida e lida.
Depois de ter sido, segundo ela, “uma trabalhadora braçal”, traduzindo oito, dez horas diárias para o sustento da família, agora está “mais tranquila”. Se é que pode ser chamada assim quem, aos 70, levanta na madrugada para não perder uma ideia, escreve crônicas a cada quinze dia e um livro por ano, além de outros compromissos.
Acha que “a fama é uma coisa meio besta”. Como uma das escritoras brasileiras mais lida no momento, é caseira e não gosta de badalações. “Tenho horror à noite de autógrafos (...) não pertenço a nenhum grupo (...) sou bicho da minha casa...”, confessando que, no fundo, ainda é um pouco tímida. Por outro lado, faz questão de manter hábitos singelos que, simplesmente, lhe dão prazer de saborear a vida com vagar. Um dos seus luxos é ser meditativa. “Sou uma pessoa que ficam horas contemplativas. Fico quieta, pensando alguma coisa que vou escrever um dia...” E diverte-se contando que não pode colocar sua escrivaninha junto à janela, pois não trabalharia. “Me perderia no tempo a olhar a paisagem. Preciso ficar fechadinha pra trabalhar”. A propósito disto, lembrando um de seus personagens, alerta: “a gente tem de fazer do tempo nosso bichinho de estimação, senão ela nos devora”.
Enquanto seu lado realista diz que “a vida é mais interessante que a ficção” e que “é preciso saber ligar a humildade com uma certa autoconfiança”, seu lado transcendental conclui: “acho que tem uma continuação depois, seja como energia, como consciência (...) deve ter um significado um pouco além desta nossa rasteira vida cotidiana”.
“(...) viver é como subir uma escada rolante pelo lado que desce. Para cima nos puxa o desejo de realização, para baixo nos conclamam a mediocridade, a acomodação, a inércia e sentimentos menos elegantes com a inveja, o ciúme. (...) Há muito desperdício de energia das pessoas buscando coisas que não têm a menos importância. (...) É a dificuldade que a gente tem de dar significado, um sentido para a vida, porque somos bombardeados por mísseis de mentira que nos atrapalham no desejo de ter uma vida mais intensa”.
Declara que ser intuitiva é seu ponto forte: “Me fio muito e tenho uma intuição poderosa. Normalmente, tudo dá muito certo quando sigo minha voz interior. O que é a intuição? É exatamente saber sem raciocinar. É aquela fulguração, uma coisa que diz: vai por aqui... e tu vais e dá certo. Vai, sem muito raciocínio... sem cálculo, sem muita explicação, e acerta. É a sensação na boca do estômago. Eu escuto muito bem meu interior. Tenho uma intuição muito boa. Sou ligada neste meu lado. Intuição e imaginação são minhas duas melhores facetas”.
Como articulista, deixa de lado a poesia e assume a crítica: “Tenho certas coisa populistas que eu não gosto. O Bolsa Família, por exemplo, deveria ser uma coisa para ser recebida durante um tempo, enquanto nós te preparamos para ter uma profissão”. E quem pensa que ela não presta atenção nos movimentos sociais se engana. De olho no MST, observa: “às vezes, velhos fazendeiros que conseguiram seus bens com muito sacrifico, daí vem o MST, entra, mata o gado, dá paulada nos peões, judia dos velhos proprietários e, quando sai, suja com fezes a casa inteira e escreve ‘nós voltaremos’. Então, isso não é um movimento digno de agricultores prejudicados. Acho que a grande maioria nem são agricultores...”.
E, para comprovar seu poema, “alguém diz que sou bondosa: está tão enganado que dá pena”, desabafa: “A coisa pública está péssima (...) a educação está num nível como nunca vi, de péssima qualidade e um governo que não é muito interessado em alfabetização e educação. Alfabetizar não é só ensinar a escrever o nome. É ensinar o sujeito a compreender o documento que ele assina embaixo (...) Quem lê vota diferente”.
"seu lado transcendental conclui:
“acho que tem uma continuação depois,
seja como energia, como consciência (...)
deve ter um significado um pouco além
desta nossa rasteira vida cotidiana”.
Como profissional que batalhou muito até chegar aonde chegou, faz algumas observações válidas pra qualquer área de trabalho: ”Primeiro, a pessoa tem que se preparar muito bem pra isso. Você não pode querer ter sucesso porque teu pai era famoso, era rico; tua mãe era tal, ou porquê você é bacana, bonitão. Você tem é que se preparar muito bem porque a competição é enorme e a vida é cruel. Tem que aprender a começar de baixo. O pessoal quer um emprego, mas já quer se chefe e ganhar bem aos 20 anos. Tem é que se preparar muito e nunca assumir a postura de vítima injustiçada: como?..., eu, aos 24 anos, fiz faculdade e ganho só R$ 1.500 no meu emprego? ... Tudo é um longo caminho. E o bonito está nisso, a conquista do teu espaço. Não entrar na vida profissional pensando: o mundo me deve isso, estudei tanto, me preparei tanto e agora o mundo me deve, a sociedade me deve um ótimo emprego, um ótimo dinheiro... Não é assim. Há que trabalhar, conquistar o espaço”.
A escritora assim se vê: “Escrever é tentar arrumar as minhas ideias (...) minha literatura é uma mistura do belo e do sinistro..., misturo o terrível com a magia (...) na verdade, sou todos os meus personagens, do triste anãozinho de O Silêncio dos Amantes, à prostituta mais desbragada. Sou todos eles.(...) Acho que faço uma literatura de caráter intimista, com grande carga psicológica (...) Quem quer estudar minha obra deve ler Mar de Dentro. Meu estilo?... Sei lá...a esta altura, acho que meu estilo é o estilo Lya Luft...”
Os leitores dizem que ela é maravilhosa. Ela assim se autodenomina: “Sou uma amadora da vida”. E usando palavras de seu compadre Erico Veríssimo – sim, o de Um Certo Capitão Rodrigo, de O Tempo e o Vento, padrinho de um de seus filhos – declara: “Eu me amo, mas não me admiro”. E faz questão de dizer também: “Não sou uma pessoa nem triste nem trágica. Sou mais para divertida (...)
“Me interesso pelo lado escuro da vida, mas não quero viver o lado escuro (...) Na Bruxa está meu lado gaiato (...) Tenho um olho triste que escreve e um olho alegre que vive”.
Entre tantas coisas, a escritora Lya Luft insiste: que nós nos distanciamos do bom senso; que pensar é transgredir a ordem da mediocridade, é sair da manada; que a delicadeza está nos fugindo; que o mundo é maravilhoso em muitas coisas, mas é perigoso em outras; que precisamos ser mais inteiros e mais alegres; que estamos muito confusos; que carinho também se aprende; que os valores podem nos salvar; que precisamos desta coisa maravilhosa que é parar pra pensar; que precisamos nos fazer respeitar como seres humanos, que, que, que.... São muitos quês interessantes que ela tem se esmerado pensando e escrevendo. E o público, sensível, tem retribuído, lendo o que ela escreve.
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FONTE: Revista impressa Performance Líder, SP, 01 Semestre 2009, pg.50/54.
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