Manfredo Araújo de Oliveira*
Adital
Num
texto recente, Robson de Souza nos lembra uma consideração do filósofo esloveno
Zizek que nos ajuda a compreender aspectos do momento em que vivemos: "a
unificação de todos os medos (e/ou discursos do medo) numa (falsa) verdade é o
grande objetivo que sempre moveu os ideais dos grupos e líderes mais
conservadores. Esta estratégia justificou, por exemplo, o nazismo (os nazistas
tinham medo dos judeus, dos homossexuais...); ou o golpe civil-militar de 1964
(medo do comunismo). A soma de muitos medos (os verdadeiros ou aqueles
construídos no imaginário social) produzum ambiente propício para se criar um clima de pânico; instalar a desconfiança
generalizada; propagandear uma insatisfação irracional, mesmo num espaço
institucionalmente normal e com funcionamento adequado das instituições. A
partir daí, podem-se construir as saídas autoritárias através de pseudo-heróis "salvadores
da pátria”...
Isto
certamente é um elemento fundamental para aprofundar o clima generalizado de
medo, vingança e ódio que torna simplesmente impossível um debate civilizado e
respeitoso de ideias e pontos de vista sobre os rumos do país. A atitude que se
exige de nós certamente é outra: neste momento de crise e de perplexidade,
sentirmo-nos pessoas desafiadas a agir com discernimento e responsabilidade
frente ao momento e a trilhar novos caminhos; o primeiro fazer é aprender da
crise para aprofundar nossa concepção de uma sociedade nova, verdadeiramente
democrática, justa e sustentável. Os
movimentos sociais, como diz o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil,
mobilizam-se para que a democracia se aprofunde através da distribuição de renda
e das riquezas, ampliação de direitos, saneamento básico, garantia de direitos
dos trabalhadores e trabalhadoras, democratização dos meios de comunicação e de
uma segurança pública eficaz e cidadã. Estas são as agendas essenciais, insistir
nelas significa contrapor-se à tendência vigente de pôr os interesses privados
e os caprichos políticos acima do bem coletivo e das tarefas urgentes para a
superação da crise econômica e social na luta persistente e teimosa pelos
direitos e pela dignidade da vida.
L.
Boff nos aponta alguns pontos fundamentais, entre os quais nos hoje referimos a
três, de que não podemos abrir mão para que a desigualdade vergonhosa que nos
marca possa ser vencida. Em primeiro lugar, a prevalência do capital social
sobre o capital individual. Isto significa que o que faz o povo propriamente
evoluir não é só matar-lhe a fome e fazer dele um consumidor, mas
fortalecer-lhe o capital social constituído pela educação, pela saúde, pela
cultura e pela busca do bem-viver. Estas são as condições que conduzem à
efetivação de uma cidadania plena. Em segundo lugar, cobrar uma democracia
participativa, construída de baixo para cima com uma presença forte da
sociedade organizada, de modo especial, pelos movimentos sociais que enriquecem
a democracia representativa. Em terceiro lugar se apresenta uma questão nunca
seriamente enfrentada entre nós: o pagamento das vítimas de nossa formação
social: dos indígenas quase exterminados, dos afrodescendentes feitos escravos,
dos pobres em geral esquecidos pelas políticas públicas e humilhados pelas
classes dominantes.
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* Padre e filósofo. Professor na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Mestre em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, Itália, e
doutor em Filosofia pela Universidade Ludwig-Maximilian de Munique,
Alemanha. Assessor das Pastorais Sociais e padre da
Arquidiocese de Fortaleza. É Presidente da ADITAL
Fonte: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?boletim=1&lang=PT&cod=88938
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