Susan Neuman, professor da New York University
A pesquisadora americana Susan Neuman aponta a importância de os pais cultivarem o hábito da leitura nos filhos
Missão das leituras
Lúcia Guimarães - O Estado de S. Paulo
22 Maio 2016 | 16h 13
NOVA YORK - A nova edição da pesquisa
Retratos da Leitura no Brasil, publicada na última quarta-feira, 18, é
um desafio para aqueles que gostam de ver o copo meio cheio. Sim, o
número de leitores no Brasil aumentou desde 2011. Eles passaram de 50% a
56%. Mas, quando se considera que 44% dos habitantes da oitava economia
do mundo não leem regularmente, em pleno século 21, e que 30% nunca
adquiriram um livro, é difícil encontrar causa para celebração.
Uma
pesquisa divulgada em outubro passado pelo Pew Research Center revelou
que sete em dez norte-americanos leram um livro – concluindo ou não,
durante o ano anterior. A média de leitura na população geral do país é
de doze livros por ano. Mas o livro eletrônico não parece estar criando
novos leitores, as vendas de livros digitais estão desacelerando nos
Estados Unidos, enquanto as vendas de livros impressos continuam
sólidas.
Com o começo próximo do verão no hemisfério norte, a mídia
norte-americana divulga inúmeras listas de livros para se ler nas
férias, dos romances leves para consumir na praia a livros de não
ficção. É um típico exemplo cultural da leitura associada ao lazer.
Celebridades como Bill Gates são ouvidas. Na lista de cinco que Gates
ofereceu este ano, há apenas um romance, Seveneves, de Neal Stephenson, uma história de ficção científica.
A cultura importa, e sabemos que bons exemplos também. Tivemos
um presidente intelectual, seguido de um presidente que confessou não
ter a menor paciência para ler e uma presidente que, em campanha, lutou
para se lembrar do que estava lendo. O presidente intelectual não
inspirou, que se saiba, os brasileiros a ler mais, e antes que o acusem
de descaso, é importante saber que o hábito de leitura não se adquire
imitando chefes de Estado, e sim quem governa a vida do futuro leitor.
“Mas que números tristes”, lamentou a psicóloga e educadora
Susan Neuman sobre a pesquisa dos hábitos de leitura no Brasil. Neuman é
professora da Universidade de Nova York e foi subsecretária de educação
no primeiro mandato de George W. Bush, encarregada de educação
fundamental e secundária. Ela é reconhecida como uma das principais
autoridades do país em desenvolvimento na primeira infância e
alfabetização. Publicou vários livros, o penúltimo deles, em 2012, um
estudo sobre o efeito da pobreza na alfabetização, Giving Our Children a Fighting Chance: Poverty, Literacy, and the Development of Information Capital.
Neuman participou de um estudo pioneiro usando a tecnologia de
eye-tracking, que acompanha o menor movimento dos olhos, e concluiu que
bebês de até 14 meses expostos ao contato regular com livros são
capazes de reconhecer, por exemplo, se o livro está de cabeça para
baixo. O estudo do qual ela participou, publicado em 2014, também
derrubou o mito de que seria possível ensinar bebês a ler. Na época, ela
comentou que a enxurrada de mídia eletrônica que promovia alfabetização
precoce tinha um público alvo: pais ansiosos para tornar seus filhos
mais competitivos na escola. Mas, como ela explica nesta entrevista ao Aliás,
preparar a criança para a leitura pós-alfabetização é muito mais do que
colocar um livro à sua frente. O hábito da leitura por curiosidade e
prazer depende, em boa parte, de boas memórias da infância em torno de
palavras e histórias. E elas dificilmente se formam na ausência de
exemplos adultos e de afeto.
Diante dos números que a senhora considera tão
preocupantes, como a pesquisa brasileira pode refletir a infância dos
não leitores?
Há lições críticas que já aprendemos sobre como criar condições para a
criança ler visando o objetivo real de leitura mais tarde em sua vida.
Se uma criança não vê ninguém lendo habitualmente já é ruim, porque ela
está sempre à procura de modelos que indiquem como o mundo funciona. Se
não observa à sua volta uma cultura de leitura, tem menos chances de se
sentir atraída por livros.
Em 2014, a Associação de Pediatria dos Estados Unidos
passou a recomendar que, nas primeiras visitas a consultórios, os
médicos recomendassem aos pais que lessem para os filhos bebês.
Sim, é importante ler para o bebê regularmente. Mas a futura
alfabetização não depende apenas do objeto livro. Há várias atividades
que contribuem para ela. Cantar para as crianças é muito importante,
elas adquirem linguagem e aprendem com rimas. É preciso conversar
bastante com a criança, mantendo contato de olhos. E brincar também,
brincar com objetos, não necessariamente brinquedos fabricados para este
fim. Hoje, a gente vê que escolas sofisticadas, frequentadas pela
elite, usam pedras, materiais que forçam a criança a improvisar e
exercitar a imaginação abstrata. Lembro que o começo do aprendizado de
matemática é um sistema de símbolos que vai exigir capacidade de
abstração. Por exemplo, quando uma criança desenha rabiscos e lhe conta
uma história sobre o que está naquele papel, tudo isso contribui para
alfabetização. De modo que não ter brinquedos caros, mas ser engajada
por adultos em brincadeiras, está longe de ser uma desvantagem, porque a
criança apura seu imaginário.
Em países com populações pobres como o Brasil, é comum
os pais não terem livros em casa. Quando são limitadamente
alfabetizados, podem se sentir intimidados na leitura para as crianças.
É preciso explicar aos pais que não sabem ler que eles podem ajudar na
futura alfabetização dos filhos. O importante é terem atividades que
envolvam conversa. Até mostrar imagens sem ler um texto e conversar
sobre elas é uma atividade proveitosa.
Quando a criança chega à escola, o quanto professores atentos podem corrigir uma primeira infância com pouca atenção adulta?
Na verdade, a chave da capacidade de aprender está num adulto que
demonstre cuidado. Sabemos que o desejo de aprender aumenta com a
segurança que vem de se ter abrigo, alimentação e carinho. Pode vir de
mãe, pai, avó, parente, qualquer modelo de adulto que “abrace” a criança
com sua atenção, que a faça se sentir segura para explorar. A
experiência com a leitura cedo é acompanhada de um aprender a aprender,
adquirir compreensão sobre narrativas. Os dois primeiros anos de
escolaridade são importantes mas, se a criança chega lá sem ter
experimentado o estímulo adulto, não há professor dedicado que possa
compensar na sala de aula. Falo de uma desvantagem que pode acompanhar o
aluno pelo resto de sua vida escolar. Sempre digo, quando a criança
pisa na escola pela primeira vez chega na companhia da geração que a
enviou para lá.
Até quando a criança que não lê ainda pode ser recuperada para a leitura habitual na vida adulta?
Hoje chegamos a um consenso sobre a terceira série do ensino
fundamental. Ali deve ser o limite. Se o aluno não aprendeu a ler até a
terceira série, está com problemas. Não deve ser enviado ao ano letivo
seguinte sem se recuperar ou terá mais chances de fracasso acadêmico. Há
cinco anos, fundações e ONGs educacionais começaram campanhas para
endossar essa ideia e as secretarias de educação do país, apesar de sua
autonomia, tendem a aceita-la.
O quanto se conhece sobre o efeito de gadgets eletrônicos que caem nas mãos de crianças muito antes de chegarem à escola?
Hoje a gente ouve crianças reclamando “estou com tédio”, querem que tudo
venha até elas. Como disse, na primeira infância é sempre bom estimular
a abstração e não deixar a criança isolada com gadgets. Mas estamos
começando a avaliar resultados positivos com aplicativos, as crianças
demonstram grande facilidade de compreender histórias em plataformas
digitais. Há o popular Speakaboos, de leitura interativa, e também o
Learn With Homer para aprendizado pré-escolar de leitura a partir dos
três anos.
Se a senhora tivesse que enfrentar corte de gastos
como o que o governo brasileiro vai enfrentar, como atacaria o problema
do baixo índice de leitura?
Apostaria em bibliotecas – fixas ou móveis. Elas são centros de
aprendizado para a vida toda, um presente que se renova. Dão também uma
sensação de segurança, são um elo comunitário.
A senhora é a favor de programas públicos de estímulo à leitura?
Sim, sou entusiasta de programas públicos. Eles são uma grande ajuda,
não só para as crianças, como para famílias. Tive uma ótima experiência
com bibliotecas móveis no Nepal, um país predominantemente rural, com a
ONG Read. As famílias venciam o isolamento e as unidades se tornaram
também uma fonte de atividade e construção da capital social.
Por que certos programas de incentivo ao livro fracassam?
Um problema que vejo é o tom excessivamente didático. É a ideia de
leitura quase como um privilégio da elite que deve ser imitado. Esquecem
de associar a leitura a brincadeiras e ao afeto adulto. Nem toda mãe ou
todo pai pode passar muito tempo lendo à noite para cada filho. Mas não
importa, nem que seja alguns minutos, abrace e beije a criança, olhe
nos olhos enquanto abre um livro. Ela guarda estas emoções na memória e
vai sempre associar a leitura a momentos preciosos.
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Fonte: http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,missao-das-leituras,10000052797
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