Você sabe o que é multiculturalismo? Ou relativismo cultural? Não vou
fazer diferença entre os dois, apesar que, se fôssemos falar de firulas,
poderíamos fazer.
Multiculturalismo é, na fonte, uma derivação do velho relativismo
sofista de gente como o grego Protágoras ("O homem é a medida de todas
as coisas", como cita Platão em seu diálogo "Teeteto"). Esse relativismo
antigo foi banhado no relativismo romântico do século 18 de gente como o
filósofo alemão J.G. Herder: cada cultura tem seus valores e suas
"verdades".
Relativismo é o seguinte: a verdade depende do ponto de vista, do
momento histórico, do contexto geográfico, dos traumas psicológicos de
cada um, da vontade do freguês, enfim, da cultura. Daí chegamos à ideia,
já prevista no romantismo, que não se pode julgar uma cultura por
parâmetros de outra cultura.
Esse credo tem por vantagem evidente não se obrigar a franceses pensarem
como russos ou vice-versa. Ou a cristãos pensarem como muçulmanos ou
vice-versa. Mas, nem sempre a prática cabe na teoria...
Não há dúvida que os relativistas têm razão em muito do que afirmam
desde Protágoras e que, muitas vezes, caímos na metafísica ou na
conquista de culturas por outras culturas quando queremos encontrar um
parâmetro universal para a "verdade".
Uma outra derivação desse tema do multiculturalismo é quando este cruza
com o blá-blá-blá dos "opression studies" e se afirma que não se pode
oprimir "outras" culturas submetendo-as à lei do Estado ou do país em
que esta cultura "outra" vive.
Mas, como sempre, quando se passa da teoria à prática, grande parte
desses arranjos teóricos maravilhosos caem por terra e o que aparece
mesmo é a covardia.
Exemplo disso é o famoso caso em que meninas menores foram exploradas
sexualmente entre, aproximadamente, 1997 e 2013, numa rede capitaneada
em grande parte por paquistaneses muçulmanos na cidade inglesa de
Rotherham. O psiquiatra inglês Theodore Dalrymple discute isso
largamente em sua obra.
A morosidade do processo legal teve como uma das causas centrais o
receio das autoridades de serem acusadas de preconceito pelo fato de
grande parte da liderança da rede de abuso ter estado nas mãos de
cidadãos britânicos de origem paquistanesa muçulmana.
Muitos grupos de defesa das mulheres viram na "opressão" da minoria
muçulmana em questão uma razão para serem "leves" nas acusações. Quem é
mais vítima, as meninas ou eles?
Enfim, teorias como a dos "opression studies" e seus cálculos paranoicos
de quem é mais ou menos oprimido por quem acabam em papinho furado a
favor de quem mete mais medo mesmo na hora do "vamos ver".
Imagem do Filme: Cinco Graças
A verdade é que esses "movimento sociais" são de butique e temem
enfrentar grupos articulados, motivados, ricos e violentos como os
grupos islamitas, que não estão nem aí para os tais valores
"progressistas" dos ocidentais, então preferem se esconder atrás do
papinho multicultural de "respeito a outras culturas".
O argumento para deixar as meninas à própria sorte é facilmente
sustentado no tal multiculturalismo e sua ideia de que "a cultura é
autônoma em seus costumes".
Pois bem, o resultado prático disso é que para muitos grupos de defesa
da mulher é mais fácil xingar professores universitários amedrontados
"do lado de cá da cultura" ou políticos idiotas "do lado de cá da
cultura", ou seja, bater em bêbado na ladeira.
Na hora de enfrentar dilemas duros como a violência contra a mulher
entre grupos religiosos fundamentalistas muçulmanos ou governos
islamitas, a coisa fica difícil. É mais fácil atacar os suspeitos de
sempre.
O recente filme turco "Cinco Graças", de Deniz Gamze Ergüven, premiado
em vários países, é um exemplo de como meninas são presas em suas casas e
proibidas de frequentar a escola a fim de mantê-las dentro do universo
repressor do governo islamita do presidente turco Recep Tayyip Erdogan.
Diante de fatos assim, é mais fácil discutir a metafísica de gênero dos
banheiros nos restaurantes. Esses "movimentos sociais" morrem de medo do
islã. Preferem ir a festivais de cinema...
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* Filósofo. Escritor. Ensaísta.
ponde.folha@uol.com.br
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/05/1769132-cinco-gracas.shtml
Imagem da Internet
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