A escritora americana Lauren Groff, autora do romance "Destinos e fúrias" - Megan Brown / Divulgação
Badalado romance foi escolhido o favorito do presidente Barack Obama em 2015
RIO - Na mitologia
grega, as moiras são as três irmãs que tecem o fio da vida, senhoras dos
destinos. Já as erínias, chamadas pelos romanos de fúrias, são as
personificações da vingança que punem os mortais. Essas duas forças mitológicas
movem as vidas de Lotto e Mathilde, casal protagonista do romance “Destinos e
fúrias” (Intrínseca), da escritora americana Lauren Groff. Um dos livros mais comentados
do ano passado, finalista do National Book Award e eleito o favorito do
presidente Barack Obama em 2015, o romance aborda um dos temas mais recorrentes
da literatura — o casamento — de modo pouco usual. A começar pela grande
quantidade de cenas de sexo, um objetivo da autora desde que começou a
rascunhar as primeiras páginas, enquanto ainda escrevia o seu romance anterior,
“Arcadia” (inédito em português). Lauren argumenta que há uma desproporção
entre a presença do sexo nas nossas vidas e sua presença na ficção em geral.
— Como escritora,
sempre fiquei afastada desse assunto e me questionei o porquê. Eu estava com
medo. Com medo das pessoas dizerem que eu não poderia falar sobre isso. E,
francamente, é uma bobagem. Na maior parte das narrativas sobre o casamento não
há sexo. E por muitos séculos, até hoje, sexo é uma das razões fundamentais
para se casar. No livro, muitas vezes os personagens não conseguem expressar
suas emoções através das palavras e o fazem através dos seus corpos — diz a
escritora, em entrevista por Skype de sua casa em Gainesville, na Flórida. —
Dependendo do leitor eu acho que posso ter mais ou menos sucesso, mas,
honestamente, eu prefiro ver mais sexo em romances e não menos.
O livro é dividido em
duas partes. Em “Destinos”, quem conduz a narrativa é Lotto. Herdeiro de uma
fortuna, dono de um carisma fora do comum e um sucesso avassalador com as
mulheres, ele nunca precisa se esforçar para conseguir o que quer. Sua carreira
de conquistador acaba ao avistar Mathilde numa festa, por quem se apaixona e
com quem se casa semanas depois, escondido da família. Por quase 200 páginas, a
mulher vive à sombra do marido.
Na segunda parte,
intitulada “Fúrias”, é Mathilde que conduz a história, pragmática e vingativa.
Os 24 anos de casamento ganham outra perspectiva na sua voz, e surgem
revelações. Lotto nunca se perguntou quem Mathilde era, nunca quis saber sobre
o seu passado. A esposa doce e obediente, compreende-se então, era uma
construção sua. O que não os impediu de se amarem por mais de duas décadas.
As ambiguidades do
casamento, os papéis que homem e mulher assumem na relação e as regras
invisíveis que atravessam essa instituição fascinam Lauren e a levaram a
escrever.
Capa do livro "Destinos e fúrias" de Lauren Groff
- Divulgação
— Na verdade, eu sou
bastante ambivalente em relação ao casamento. Sou casada, mas continuo pensando
que, historicamente, essa instituição é uma bagunça. É algo misógino, um
desastre. Eu queria pensar sobre as regras para as mulheres, o que elas
escolhem para elas e porque fazem essas escolhas para si mesmas. Eu não sabia
se tinha algo interessante a dizer sobre o casamento. Mas quando você sente uma
ambiguidade tão intensa sobre alguns aspectos da sua vida, aí você vê que, se
pressionar bem forte, pode encontrar um romance — afirma ela.
NARRATIVA EM
TRÊS DIMENSÕES
Lauren reconhece que
o teatro é uma influência importante de “Destinos e fúrias”. Lotto é ator e,
após uma trajetória de mais baixos do que altos, descobre-se, ou melhor, é
descoberto por Mathilde como um dramaturgo talentoso. Ao longo da narrativa,
volta e meia o leitor é surpreendido por comentários entre colchetes que,
explica a autora, fazem a função do coro das tragédias gregas. Em outros
momentos, personagens secundários irrompem trazendo novas perspectivas sobre o
casal. Os dois elementos formam, assim, uma terceira dimensão da narrativa e do
casamento de Lotto e Mathilde.
— Um casamento não é
só intimidade, não acontece apenas no espaço entre duas pessoas. É também uma
performance na frente de outras. Você vai a uma festa, vê um casal. O fato
deles estarem juntos se torna a única ideia de quem eles são. Eu queria ter
certeza que as diferentes ideias sobre o que era o casamento de Lotto e
Mathilde estivessem refletidas na narrativa. Eu tenho uma alergia à
simplicidade. Acredito que as coisas são incrivelmente complexas e complicadas.
Há muita beleza na ambiguidade.
Uma das chaves para
compreender o sucesso do romance nos Estados Unidos e a escolha do presidente
Obama é a sua reflexão sobre o privilégio: como a trajetória de um indivíduo é
afetada pelas condições em que nasceu e cresceu. Para a escritora, isso está
longe de ser um consenso, principalmente no Sul do país. E Lauren inclui aí a
Flórida, estado onde mora há dez anos e se sente um tanto deslocada.
— O Sul dos Estados
Unidos é religioso e conservador e eu não sou. As regras de gênero são rígidas.
Mulheres só fazem algumas coisas e não podem expressar sua raiva em público,
por exemplo. E eu faço isso. Na academia onde vou três vezes por semana, há um
grupo de homens de 70 anos, todos ricos, que acham que chegaram nessa posição
porque são inteligentes, determinados e disciplinados. Eu olho para eles e
penso: “Não!”. Há muitos privilégios invisíveis. O presidente Obama entende o
que é isso. Ele é um homem negro nos Estados Unidos e isso é muito difícil.
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Reportagem por Leonardo Cazes
Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/livros/lauren-groff-reflete-sobre-genero-privilegio-ao-abordarcasamento-19386738
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