Muito se fala sobre a necessidade de os
historiadores terem compromisso com a verdade e eu acredito que muitos
tenham esse compromisso. Mas existe um problema aí que, às vezes, não é
notado exatamente porque muita gente acredita piamente estar procurando a
verdade mesmo quando não está.
A questão é a seguinte: se você for
educado para acreditar que a Lua é um lugar habitado, vai começar a
escrever sobre os tipos de vida que supõe que lá existam, e, para você,
isso é um compromisso com a verdade. Quando o indivíduo parte de um
ponto torto, chegará a um destino muito mais distorcido. Em outras
palavras, se partir de uma mentira, não chegará à verdade, e, quando
isso ocorre na História, o professor se torna um contador de estórias, o
que não condiz com sua proposta inicial. Por exemplo, se o indivíduo
acredita que a mais-valia é um dogma ou, quase isso, não será capaz de
estudar economia sem dar tilt.
Não estou dizendo que sou eu que tenho a
verdade, longe de mim, pois como escreveu C.S. Lewis, este deve ser um
fardo insuportável. Mas digo, sim, que os pressupostos que se baseiam só
na luta de classes estão errados, ainda que seja essa luta de classe
pós-moderna e colorida que envolve desde gênero às outras fobias criadas
nos laboratórios da demência.
Quando o professor relativiza a ditadura
soviética dizendo que “não foi bem assim”, não está sendo professor de
História, está querendo escrever fábulas. Quando o professor diz que o
povo cubano tem outra filosofia de vida que não a “consumista” e, por
isso, dirige carros velhos sem se importar, ele estará recitando uma
poesia escrita com as tintas da sua paixão ideológica.
Quando você ouvir – como já ouvi –
alguém enunciando que em Cuba o povo se preocupa mais com o “social” –
palavra mágica – do que com a economia, você não ouve um historiador,
mas um mitólogo rudimentar. Sempre que o professor de História disser
que o nazismo foi uma ideologia totalitária e apontar o comunismo como
algo que “só foi ditatorial porque deturpado”, você não está perante um
historiador, mas perante um bardo contemporâneo e desqualificado.
O intrigante disso tudo é que muitos
professores desdenham os mitos e fábulas dizendo que isso não passa de
mera diversão e, talvez por isso, criem as suas próprias que, por sinal,
são bem mais desinteressantes. O problema é que essas ficções criadas
por eles nem mesmo podem ser concebidas como divertidas, pois, ao passo
que na literatura os mortos podem ressuscitar, na fábula dos ideólogos
os mortos, que foram realmente mortos, são enterrados em valas coletivas
e abertas pela pá ideológica.
A discussão sobre a influência da
subjetividade na historiografia é vasta, é um debate ainda bastante
frequente e, claro, indispensável, mas penso que, na prática, muitos
historiadores ainda não levam isso a sério.
Dizer que o século XX foi uma era de
extremos, como disse o marxista Eric Hobsbawm, é verdade, porém que isso
jamais se repetirá como alguns suspeitam, não é. Ainda que neguem que a
História seja a “Mestra da Vida”, acreditar nisso é o primeiro passo
para que tudo volte a ocorrer. Hoje, na Síria, a humanidade mostra sua
face mais bruta, por isso ainda prefiro interpretar a alma humana com
pessimismo, sem aquele romantismo rousseauniano do bom selvagem e isso
nenhum jacobino com Lattes vai mudar.
No que diz respeito às pressupostos com
as quais analisamos a sociedade, o conceito bíblico da “Queda” é, de
longe, mais prudente do que a mitologia romântica do “Bom Selvagem”.
Finalmente, para o contador de fábulas,
aí, sim, defendo uma revolução, mas uma revolução historiográfica e que,
creio firmemente, será recusada por ele. No fim das contas, seria
aconselhável ao contador de estórias que se julga cientista, um bom divã
para tentar compreender seus próprios ressentimentos e misérias
existenciais que, erroneamente, são atribuídos somente ao meio exterior.
Deixem as fábulas para a literatura fantástica, não confundam. No mundo real não há heróis.
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* Economista pela PUC com MBA de Finanças pelo IBMEC, trabalhou por vários
anos no mercado financeiro. É autor de vários livros, entre eles o
best-seller “Esquerda Caviar” e a coletânea “Contra a maré vermelha”.
Contribuiu para veículos como Veja.com, jornal O Globo e Gazeta do Povo.
Preside o Conselho Deliberativo do Instituto Liberal.
Por Thiago Kistenmacher, publicado pelo Instituto Liberal
Fonte: http://www.institutoliberal.org.br/blog/professor-de-historia-ou-contador-de-estoria/
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