segunda-feira, 30 de maio de 2016

Craques e super-heróis


guilherme wisnik*
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O mundo dos super-heróis já não é o mesmo. Hoje, ao invés de protegerem gloriosamente a Terra contra monstros ou gênios do mal, são vistos com suspeita pela sociedade, dado o estrago que causam em suas batalhas, e terminam digladiando-se em temerárias guerras entre heróis.

Esse cenário, que vemos nos recentes filmes "Batman vs. Superman - A Origem da Justiça" e "Capitão América - Guerra Civil", parece expressar perfeitamente o imaginário de um mundo pós-Guerra Fria, no qual a figura do inimigo dual desapareceu. Sem a ameaça do inimigo ideológico e militar claramente identificável, resta uma batalha campal permanente e endêmica entre pares, na qual o seu aliado pode revelar-se, subitamente, um adversário.

Tal é o imaginário de um mundo para o qual a paranoia agressiva irrompe de repente em ações terroristas ou catástrofes naturais, e não mais em um esperado ataque do exército inimigo. Depois de pouco mais de 20 anos da queda do muro de Berlim, vemos hoje suas consequências alterarem o "ethos" do super-herói na indústria cinematográfica.

Assim, já não se trata mais da moral redentora e universalizante do antigo super-herói, portador da liberdade individual, emblema do capitalismo e avesso do comunismo. Agora os heróis estão inseridos nas malhas da burocracia de uma sociedade multicultural que questiona todos os privilégios, os foros especiais.

Mas não é só isso. Trata-se também, no fundo, de uma disputa entre marcas: Marvel versus DC Comics. Na impossibilidade de fazer ressoar, hoje, a batalha épica de cada super-herói contra seus antagonistas, essas gigantes companhias de entretenimento reúnem os seus astros em duas espécies de seleções mundiais, como as da Nike e da Adidas: Batman, Super-Homem e Mulher Maravilha de um lado e Capitão América, Homem de Ferro e Homem-Aranha, de outro.

Aliás, o eclipse dos super-heróis corresponde a um momento em que a vinculação dos craques de futebol às marcas esportivas tende a equiparar ou até suplantar suas ligações com clubes ou seleções nacionais, e onde a antiga seleção da Fifa (uma espécie de ONU do futebol) desaparece enquanto agremiação de excelência ecumênica em detrimento das seleções das marcas.

Significativamente, nas agressivas campanhas de marketing dessas marcas, os craques de futebol são cada vez mais apresentados como se fossem super-heróis imbuídos da tarefa de salvar a humanidade. É o que se vê, por exemplo, na propaganda "Craques x Demônios", em que uma seleção de jogadores vestidos de preto, como se fossem ninjas, ou Homens-Aranha dark, ao usarem as chuteiras Nike se tornam capazes de escalar a fachada fascista do Palazzo EUR, em Roma, penetrando pelas janelas o seu interior para resgatar a bola (Nike), que lá está guardada a sete chaves por demônios robóticos como um ídolo totêmico.

Qualquer criança (ou adulto) de boa fé estranhará a ausência de Lionel Messi nessa equipe superpoderosa. Ocorre que Messi é "propriedade" da Adidas, e não da Nike e, portanto, é como se não existisse nesse episódio de ficção feito com personagens da vida real. Pois, a propósito, se Cristiano Ronaldo tem todos os atributos de um Super-Homem do mundo atual, vacinado contra a criptonita, Messi, com seu físico franzino e olhar abobado, parece ser a matriz de um super-herói que ainda está por ser inventado.

Para ver o comercial da Nike:  https://www.youtube.com/watch?v=iHWh_RTue-4
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*É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e crítico de arte.
Escreve às segundas, quinzenalmente.

Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilherme-wisnik/2016/05/1776226-craques-e-super-herois.shtml
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