No começo, parecia coisa de adolescente. Terminar uma frase com uma
carinha sorridente? Um coração palpitando? Duas mocinhas dançando? Que
infantil, não?
Pois a intenção daqueles que levaram essas pequenas figurinhas —hoje
conhecidas como "emojis" (da junção das duas palavras em japonês que
significam imagem + personagem)— para os telefones celulares, nos anos
1990, não ia além disso mesmo: seduzir a atenção dos jovens, que se
comunicavam com tanta intensidade por meio de mensagens de texto.
A popularização dos emojis, porém, vem extrapolando expectativas e
faixas etárias —além de obrigar os produtores dos aparelhos a incorporar
novos pacotes de figuras a seu teclado a cada ano. Eles incluem rostos
com diferentes expressões, profissões, esportes, comidas, animais,
instrumentos musicais, bandeiras, meios de transporte, entre outras
coisas. Inclusive um montinho de cocô.
Os emojis já são usados por adultos em e-mails para falar de negócios,
em textos de "chats" sexuais, nas artes visuais e até mesmo na
literatura. Uma versão de "Moby Dick", o clássico de Herman Melville,
foi "traduzida" para a linguagem emoji e pode ser comprada online.
Em 2015, o Oxford English Dictionary escolheu o emoji do rosto soltando lágrimas de alegria como a palavra do ano.
PARA-LINGUAGEM
Com tudo isso, dos papos juvenis, os emojis foram parar nas
universidades, onde linguistas debatem seu papel na evolução das
comunicações e dentro de cada língua.
"Obviamente que os emojis não são um idioma, mas vêm se transformando
num importante elemento da ´para-linguagem´. Ou seja, tudo aquilo que
usamos junto com as palavras para dar-lhes o significado que queremos: a
entonação, a expressão facial, o modo de olhar ou a linguagem
corporal", diz à Folha o britânico Vyvyan Evans, professor de linguística da Universidade de Bangor.
"Num mundo em que as comunicações têm sido cada vez mais eletrônicas e
menos ´ao vivo´, o emoji exerce uma função ´para-linguística´
importante", diz Evans.
John McWhorter, da universidade de Columbia, diz que, depois dos
adolescentes, foi a vez das mulheres mais velhas incorporarem os emojis
ao seu dia-a-dia. "Mulheres tendem a ser mais expressivas e abertas na
linguagem", explica. Mas, para Evans, hoje os símbolos já são usados
igualmente entre os sexos.
"Tudo depende do contexto cultural. Sociedades menos rígidas tendem a
ver os emojis como um modo divertido e espontâneo de se comunicar.
Depende menos do sexo e mais do contexto cultural", explica.
Para Evans, para entender os emojis deve-se aplicar a mesma lógica da
compreensão das palavras. "Sabemos que palavras têm um significado
relativamente estável num conjunto linguístico, ainda que possam ser
usadas para significar outras coisas, dependendo do contexto da frase ou
da situação. O mesmo ocorre com os emojis, que são, nesse caso,
´palavras´, mas que viajam entre países e idiomas diferentes."
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Isso explicaria, segundo Evans, porque o emoji que representa a
berinjela, por exemplo, ganhou, no Ocidente, o significado de um pênis
(mas reforça que as mulheres preferem usar, para referir-se ao órgão em
questão, o emoji da banana).
Outro exemplo é o emoji que traz duas mãos espalmadas. "No Japão, isso é
um sinal de gratidão, de reconhecimento. Enquanto no Ocidente cristão,
parece mais alguém rezando, e dessa forma é usado", explica.
Emojis também servem para provocar ironia ou mudar completamente o
significado de algo. Dizer "eu te odeio" é uma afirmação dura. Dizer "eu
te odeio" e acrescentar a isso um emoji de uma piscada de olho
transforma a mensagem em algo sarcástico.
Mas a viagem dos emojis entre as diferentes culturas também trouxe
outros dilemas. O primeiro a ser notado foi a falta de diversidade
étnica. No começo, eles representavam apenas "pessoas" brancas. Vieram,
então, os emojis com várias tonalidades de cor de pele.
Depois, foi a vez do grito das feministas, revoltadas ao ver mulheres
aparecendo apenas como noivas, bailarinas, pintando as unhas e quase
sempre usando cor-de-rosa. Logo surgiram emojis com mulheres exercendo
profissões antes reservadas apenas aos emojis masculinos.
Em "The Story of Emoji", Gavin Lucas conta a trajetória do fenômeno
desde sua incorporação aos celulares, pelo engenheiro japonês Shigetaka
Kurita, até os dias de hoje, quando um consórcio baseado na Califórnia, o
Unicode, transformou-se numa espécie de "órgão regulador" do lançamento
de novos emojis. Existem, hoje, mais de 800 nas novas versões dos
smartphones.
Uma das novidades do pacote preparado para 2017, segundo anunciado, é um
emoji que representa a sarcástica personagem Lady Violet, interpretada
por Maggie Smith, na série "Downton Abbey".
No livro de Lucas, a história do emoji é contada também por meio de
obras de arte inspiradas em emojis. "Eles são tão variados e tão
expressivos que viram um instrumento poderoso para a expressão
artística", diz Lucas à Folha.
REVÓLVER, BOMBA
Outro sinal de que os emojis deixaram de ser coisa de criança é o fato
de estarem sendo discutidos em tribunais. Na Virginia, uma corte está
decidindo se uma adolescente estava realmente planejando um ataque à sua
escola ao escrever no Instagram "me encontre na biblioteca" ao lado dos
emojis de revólver, bomba e colégio.
Outros casos de ameaças pessoais por meio de emojis foram registrados em Nova York e em Michigan.
Para definir de maneira simples um emoji, Evans usa uma imagem poética.
"Quantas vezes não topamos com emoções ou atos que não sabemos
denominar? A palavra 'cafuné', por exemplo, do português brasileiro, não
tem tradução para o inglês, eu teria de usar uma frase inteira para
explica-la. Um emoji poderia dizer isso para mim", explica.
Entre intelectuais, porém, também há os que se recusam a discutir os
emojis a sério, vendo nas mensagens de texto um empobrecimento da
linguagem.
"Só posso dizer a esses que têm preconceito com emojis que eles não
estão entendendo bem como a comunicação está evoluindo", resume Evans.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/1773410-emojis-invadem-as-conversas-e-geram-discussao-sobre-evolucao-da-linguagem.shtml
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