sábado, 21 de maio de 2016

Emojis invadem as conversas e geram discussão sobre evolução da linguagem


No começo, parecia coisa de adolescente. Terminar uma frase com uma carinha sorridente? Um coração palpitando? Duas mocinhas dançando? Que infantil, não? 

Pois a intenção daqueles que levaram essas pequenas figurinhas —hoje conhecidas como "emojis" (da junção das duas palavras em japonês que significam imagem + personagem)— para os telefones celulares, nos anos 1990, não ia além disso mesmo: seduzir a atenção dos jovens, que se comunicavam com tanta intensidade por meio de mensagens de texto. 

A popularização dos emojis, porém, vem extrapolando expectativas e faixas etárias —além de obrigar os produtores dos aparelhos a incorporar novos pacotes de figuras a seu teclado a cada ano. Eles incluem rostos com diferentes expressões, profissões, esportes, comidas, animais, instrumentos musicais, bandeiras, meios de transporte, entre outras coisas. Inclusive um montinho de cocô. 

Os emojis já são usados por adultos em e-mails para falar de negócios, em textos de "chats" sexuais, nas artes visuais e até mesmo na literatura. Uma versão de "Moby Dick", o clássico de Herman Melville, foi "traduzida" para a linguagem emoji e pode ser comprada online

Em 2015, o Oxford English Dictionary escolheu o emoji do rosto soltando lágrimas de alegria como a palavra do ano. 

PARA-LINGUAGEM
 
Com tudo isso, dos papos juvenis, os emojis foram parar nas universidades, onde linguistas debatem seu papel na evolução das comunicações e dentro de cada língua.
"Obviamente que os emojis não são um idioma, mas vêm se transformando num importante elemento da ´para-linguagem´. Ou seja, tudo aquilo que usamos junto com as palavras para dar-lhes o significado que queremos: a entonação, a expressão facial, o modo de olhar ou a linguagem corporal", diz à Folha o britânico Vyvyan Evans, professor de linguística da Universidade de Bangor.
"Num mundo em que as comunicações têm sido cada vez mais eletrônicas e menos ´ao vivo´, o emoji exerce uma função ´para-linguística´ importante", diz Evans.
John McWhorter, da universidade de Columbia, diz que, depois dos adolescentes, foi a vez das mulheres mais velhas incorporarem os emojis ao seu dia-a-dia. "Mulheres tendem a ser mais expressivas e abertas na linguagem", explica. Mas, para Evans, hoje os símbolos já são usados igualmente entre os sexos.
"Tudo depende do contexto cultural. Sociedades menos rígidas tendem a ver os emojis como um modo divertido e espontâneo de se comunicar. Depende menos do sexo e mais do contexto cultural", explica.
Para Evans, para entender os emojis deve-se aplicar a mesma lógica da compreensão das palavras. "Sabemos que palavras têm um significado relativamente estável num conjunto linguístico, ainda que possam ser usadas para significar outras coisas, dependendo do contexto da frase ou da situação. O mesmo ocorre com os emojis, que são, nesse caso, ´palavras´, mas que viajam entre países e idiomas diferentes." 


Editoria de Arte/Folhapress

Isso explicaria, segundo Evans, porque o emoji que representa a berinjela, por exemplo, ganhou, no Ocidente, o significado de um pênis (mas reforça que as mulheres preferem usar, para referir-se ao órgão em questão, o emoji da banana). 

Outro exemplo é o emoji que traz duas mãos espalmadas. "No Japão, isso é um sinal de gratidão, de reconhecimento. Enquanto no Ocidente cristão, parece mais alguém rezando, e dessa forma é usado", explica. 

Emojis também servem para provocar ironia ou mudar completamente o significado de algo. Dizer "eu te odeio" é uma afirmação dura. Dizer "eu te odeio" e acrescentar a isso um emoji de uma piscada de olho transforma a mensagem em algo sarcástico. 

Mas a viagem dos emojis entre as diferentes culturas também trouxe outros dilemas. O primeiro a ser notado foi a falta de diversidade étnica. No começo, eles representavam apenas "pessoas" brancas. Vieram, então, os emojis com várias tonalidades de cor de pele. 

Depois, foi a vez do grito das feministas, revoltadas ao ver mulheres aparecendo apenas como noivas, bailarinas, pintando as unhas e quase sempre usando cor-de-rosa. Logo surgiram emojis com mulheres exercendo profissões antes reservadas apenas aos emojis masculinos. 

Em "The Story of Emoji", Gavin Lucas conta a trajetória do fenômeno desde sua incorporação aos celulares, pelo engenheiro japonês Shigetaka Kurita, até os dias de hoje, quando um consórcio baseado na Califórnia, o Unicode, transformou-se numa espécie de "órgão regulador" do lançamento de novos emojis. Existem, hoje, mais de 800 nas novas versões dos smartphones. 

Uma das novidades do pacote preparado para 2017, segundo anunciado, é um emoji que representa a sarcástica personagem Lady Violet, interpretada por Maggie Smith, na série "Downton Abbey". 

No livro de Lucas, a história do emoji é contada também por meio de obras de arte inspiradas em emojis. "Eles são tão variados e tão expressivos que viram um instrumento poderoso para a expressão artística", diz Lucas à Folha

REVÓLVER, BOMBA
 
Outro sinal de que os emojis deixaram de ser coisa de criança é o fato de estarem sendo discutidos em tribunais. Na Virginia, uma corte está decidindo se uma adolescente estava realmente planejando um ataque à sua escola ao escrever no Instagram "me encontre na biblioteca" ao lado dos emojis de revólver, bomba e colégio. 

Outros casos de ameaças pessoais por meio de emojis foram registrados em Nova York e em Michigan. 

Para definir de maneira simples um emoji, Evans usa uma imagem poética. "Quantas vezes não topamos com emoções ou atos que não sabemos denominar? A palavra 'cafuné', por exemplo, do português brasileiro, não tem tradução para o inglês, eu teria de usar uma frase inteira para explica-la. Um emoji poderia dizer isso para mim", explica. 

Entre intelectuais, porém, também há os que se recusam a discutir os emojis a sério, vendo nas mensagens de texto um empobrecimento da linguagem. 

"Só posso dizer a esses que têm preconceito com emojis que eles não estão entendendo bem como a comunicação está evoluindo", resume Evans. 
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Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/1773410-emojis-invadem-as-conversas-e-geram-discussao-sobre-evolucao-da-linguagem.shtml

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