Miguel Oliveira Panão
Foto de Robina Weermeijer em Unsplash
Se Deus existe, por que razão nem todas as pessoas acreditam n’Ele? Será Deus um fruto da nossa imaginação? Ou terão as pessoas que não acreditam n’Ele alguma limitação cognitiva? A experiência de Deus é mental, física, um misto de ambas, ou nada tem a ver com o que experimentamos no corpo? Há quem se dirija a Deus como um amigo, e outros como se fosse um tirano. E há quem pense ao ver alguém dirigir-se a Deus que está a falar para o vazio, ou para si próprio pensando que Alguém o escuta. Porém, tudo aponta para a existência de uma relação entre o nosso cérebro e a linguagem como forma de aprofundar o que pode ser uma experiência com Deus.
Nos anos 1970, o médico americano Herbert Benson MD realizou diversos estudos sobre “A Resposta de Relaxação”, uma técnica de respiração profunda para diminuir a pressão sanguínea e os níveis de ansiedade. Curiosamente, observou que se adicionasse uma palavra que tivesse um sentido e significado especiais para a pessoa, a “Resposta de Relaxação” era mais eficiente. Frequentemente, essas palavras eram de teor espiritual.
Apesar da vida espiritual desenvolver-se num plano existencial diferente dos planos físico e mental, será através destes últimos dois que percepcionamos o primeiro. Rezar passa pelo nosso cérebro e não há volta a dar. Por isso, como envolve o nosso cérebro, é possível estudar a vida espiritual a partir da relação que essa tem com a actividade cerebral, como numa área nova do conhecimento que vim a saber chamada de — neuroteologia. Não se trata de justificar qualquer plano existencial divino, ou sequer a existência de Deus a partir de estudos realizados nos planos físico e mental. A neuroteologia é uma síntese entre as neurociências e o efeito que a espiritualidade exerce no nosso cérebro, procurando, assim, compreender melhor a relação entre a ciência cerebral e a religião. Uma via dialogal interessante para crentes e não-crentes.
No relacionamento entre ciência e teologia, existem muitas formas de interpretação desta relação;, mas a perspectiva que me parece mais abrangente é a do diálogo. Nesse sentido, a neuroteologia não pretende conhecer Deus a partir dos conhecimentos das neurociências, mas conhecer o efeito que Deus tem sobre o nosso cérebro mediante o modo como O compreendemos e que visão temos da Sua pessoa.
O neurocientista Andrew Newberg no seu livro ”How God Changes Your Brain” explica existirem duas redes cerebrais básicas que unidas tornam real a percepção de Deus na mente humana. A primeira rede identifica Deus como objecto de estudo e a segunda identifica a possibilidade de nos relacionarmos com “Deus-objecto”. Confesso ter alguma dificuldade em compreender o modo como Newberg identifica estas redes. Pois, também poderia identificar Deus como sujeito, em vez de objecto, e que talvez faça mais sentido por não sermos nós aqueles que são capazes de O conhecer, mas ser Ele que se dá a conhecer a nós. Depois, embora eu possa ter uma relação com o meu iPhone-Objecto, não há objecto no mundo — por definição — comparável ao relacionamento que temos com qualquer sujeito, logo, menos comparável ainda quando nos referimos a Deus, por não ser um Sujeito qualquer. Mas a ideia de Newberg sobre estas redes cerebrais é interessante.
Dentro do nosso cérebro, os nossos neurónios ligam-se numa imensa rede relacional de trocas de impulsos, reacções químicas, e através das quais, misteriosamente, construímos pensamentos e reconstruímos memórias. Por isso, é legítimo pensar como lida o nosso cérebro com um Sujeito como Deus. A neuroteologia aponta para o lobo frontal como a parte onde estão contidas todas as ideias que temos de Deus, assim como os valores lógicos da fé. Depois, a amígdala permite às pessoas temer Deus ou sentir a Sua ira, ao passo que o corpo estriado e o córtex cingulado anterior permitem às pessoas sentir-se seguras quando estão com Deus e experimentam o Seu amor. Por fim, o tálamo coordena esta rede relacional neuronal e seria o elemento cerebral responsável por fazer Deus parecer, objectivamente, real ao nosso cérebro. Não importa se conhecemos ou não todas as partes do cérebro que mencionei. O que importa é que os estudos neuroteológicos identificaram estas áreas como associadas a alguns aspectos do efeito que o nosso relacionamento com Deus tem sobre nós. Mas isso significa que, afinal, Deus não é uma ideia na cabeça das pessoas.
Para muitos cérebros, Deus é um conjunto alargado e diversificado de experiências associadas a uma noção d’Ele que está próxima do modo como nos vemos a nós próprios. Pessoas zangadas com a vida tendem a explorar uma noção de Deus-Zangado. Pessoas que procuram amar na vida tendem a explorar uma noção de Deus-Amor. O que a neuroteologia conseguiu perceber é que a vivência interior da noção de Deus-Amor afecta o nosso cérebro de um modo totalmente diferente da noção de Deus-Zangado.
As pessoas que se focam em Deus como Amor desenvolvem uma matéria cinzenta cerebral mais espessa nos córtex pré-frontal e cingulado anterior, desenvolvendo, por isso, uma melhor capacidade de se focar e manter concentrados, são mais compassivos e têm uma maior capacidade para a empatia. Os níveis de stress são mais baixos, assim como a pressão sanguínea, tornando-se mais fácil para essas pessoas poderem perdoar-se a si mesmas e aos outros. E ao longo da vida, a actividade na amígdala tende a diminuir, centrando-se menos no medo para sobreviver e mais no amor para, realmente, viver.
É preciso ser crente em Deus-Amor para beneficiar daquilo que essa noção pode fazer ao nosso cérebro? Lembro-me de ouvir em miúdo a frase — «vive como se tivesses fé e a fé ser-te-á dada.» — ou seja, finge; que Deus existe, experimenta a noção que Ele revelou aos cristãos de ser-amor e vê o que acontece ao teu cérebro. Podemos criticar esta abordagem como uma forma de manipulação cerebral das pessoas que depende das noções de Deus, revelando, de facto, que Deus não existe. Por outro lado, se posso beneficiar da ideia d’Ele como Amor, por que razão sujeitar-me aos valores morais que uma religião me propõe?
Com toda a sinceridade, nunca estaremos em condições de verificar a veracidade de Deus-Amor senão depois de morrer. Mas o convite de Deus ao longo da história da experiência religiosa tem sido sempre o mesmo — escolhe a vida. E agora, a neuroteologia diz-nos que saber aprender a pensar em Deus-Amor faz bem à cabeça. E mais do que mudar a ideia que temos de Deus, a neuroteologia revela que darmos espaço a que Deus nos mude por dentro, melhora a nossa saúde mental. Algo que precisamos hoje para superar esta pandemia.
* Professor Universitário), Blog & Autor
Fonte: https://agencia.ecclesia.pt/portal/saber-aprender-a-pensar-em-deus-amor/ 21/07/2021
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