Para entender por que é tão difícil combatê-la no Brasil, precisamos pensar em quem são os agentes envolvidos e como funcionam seus incentivos
O presidente Bolsonaro chegou ao poder, em grande parte, graças ao seu discurso anticorrupção e anti-PT. Nos momentos finais de sua campanha em 2018 ele defendeu o combate à corrupção e prometeu que, se eleito, não trocaria cargos por apoio político. Suas palavras foram: “O que está em jogo é a perpetuação dessa máquina podre que nós temos aí, que vive da corrupção, para tirar de vocês o atendimento médico, a educação, a segurança. É uma máquina podre que sobrevive, se retroalimenta da desgraça, da corrupção. O que está em jogo é a corrupção, são os grupos que não querem sair de lá porque vivem disso, vivem mamando nas tetas do estado”.
Menos de três anos após essas afirmações, temos um governo no centro de diversas acusações de corrupção com compras de vacinas e utilização de orçamentos secretos e bens superfaturados em troca de apoio político. A pergunta natural que surge é: por que um presidente eleito com uma agenda anticorrupção não controla a corrupção? Uma primeira resposta poderia ser que o governo Bolsonaro tentou controlar a corrupção, mas que seus esforços foram afetados pela pandemia e neutralizados por uma burocracia corrupta e políticos vorazes por recursos. Mas dadas as ações tomadas por Bolsonaro para enfraquecer a Operação Lava Jato e órgãos de controle como Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Polícia Federal e Procuradoria-Geral da República, não parece que o combate à corrupção seja sua prioridade. Muito pelo contrário, seu governo se caracteriza pelo desmantelamento de estruturas de controle nas mais diversas áreas.
Mas a falta de esforços do presidente eleito para controlar a corrupção não é a única explicação para sua persistência no país. Para entender por que é tão difícil acabar com a corrupção no Brasil precisamos pensar em quem são os agentes envolvidos com corrupção e como funcionam seus incentivos. Precisamos também separar claramente dois tipos de corrupção: aquela que envolve burocratas do serviço público e aquela que envolve políticos. Sem modificar os incentivos desses agentes, não adianta gritar que a corrupção acabou.
A corrupção na burocracia se caracteriza pelo objetivo de enriquecimento ilícito. Tanto faz se falamos de um policial que busca extorquir traficantes de drogas ou de um burocrata no Ministério da Saúde que busca superfaturar compras de hospitais. Uma das formas em que economistas pensam neste tema é relacionar a corrupção com a teoria de economia do crime do americano Gary Becker. Nesse contexto, a corrupção que será executada depende da probabilidade de o agente ser pego roubando, da punição pelo ato ilícito e da renda de quem está cometendo esse ato.
Auditorias e transparência aumentam a probabilidade de pegar burocratas roubando. Nesse sentido, a disponibilidade de dados em portais de transparência e a Lei de Acesso à Informação fazem com que irregularidades possam ser mais facilmente descobertas. No entanto, de nada serve descobrir irregularidades se os agentes que cometem atos ilícitos não são punidos. No Brasil, o Judiciário ainda é muito leniente com agentes públicos, principalmente de corporações poderosas como a Polícia Militar ou o Exército.
A pergunta natural é: por que um presidente eleito com uma agenda anticorrupção não controla a corrupção?
Uma outra solução proposta na literatura desde o trabalho de Becker em parceria com George Stigler, publicado em 1974, é uma combinação de auditorias com salários mais altos que desestimulem a corrupção. Quando agentes públicos ganham altos salários, o custo de oportunidade de extorquir indivíduos ou empresas para prover um serviço público se torna exorbitante. O trabalho “The Role of Wages and Auditing during a Crackdown on Corruption in the City of Buenos Aires" (traduzindo livremente, “O papel dos salários e das auditorias no combate à corrupção em Buenos Aires”), dos economistas Rafael Di Tella e Ernesto Schargrodsky, corroboram com a hipótese de que salários altos geram menos corrupção, especialmente quando níveis de auditorias não são máximos. No entanto, para que esses salários gerem um desincentivo para a roubalheira, agentes públicos têm que perder seu emprego ao serem pegos roubando, coisa que acontece com menos frequência do que o desejado.
A corrupção que envolve políticos é diferente das atividades ilícitas na burocracia já que o objetivo dos agentes não é só enriquecer mas se reeleger. Dado que as eleições no Brasil custam bastante dinheiro, candidatos têm incentivos a desviar recursos públicos para suas campanhas e fazer favores para indivíduos e empresas que possam ajudar a financiar campanhas políticas. Isso continua sendo verdade mesmo depois da proibição de financiamento empresarial de campanhas em 2015 como mostra a ampla apuração da jornalista Patrícia Campos Mello. Um dos problemas com a proibição do financiamento empresarial é que agora sabemos ainda menos sobre quem financia campanhas já que recursos são doados por pessoas físicas, muitas delas laranjas de empresários. O limite aos gastos de campanhas políticas introduzido nas eleições de 2016 ajudaram a tornar as campanhas mais baratas e aumentar a concorrência política, mas ainda não sabemos se ajudaram a combater a corrupção política.
Alguns fatores institucionais fazem com que a corrupção política no Brasil seja significativa. O primeiro deles é um sistema de partidos políticos extremamente centralizado na mão de poucos caciques que “vendem” vagas em partidos em troca de recursos. A falta de partidos programáticos e uma extrema fragmentação partidária faz com que indivíduos possam trocar de partidos atrás do “melhor negócio”. Na maioria das eleições não existem eleições primárias, o que dificulta a concorrência intrapartidária. A reforma recente de aumentar os recursos públicos para financiar campanhas deu ainda mais poder aos “donos” de partidos políticos que distribuem recursos com pouquíssima prestação de contas. Outro aspecto que facilita a corrupção em cargos legislativos são distritos eleitorais extremamente grandes com muitos candidatos o que dificulta o papel dos eleitores em responsabilizar seus representantes. Reformas recentes que proibiram coligações em eleições proporcionais e aumentaram cláusulas de barreira para recursos e tempo de propaganda ajudarão a resolver alguns desses problemas.
Muita gente (inclusive eu) acreditou que a operação Lava Jato mudaria de forma significativa a punição pelos atos de corrupção, aumentando tanto a probabilidade de um agente corrupto ser punido como a magnitude dessa punição. Hoje vemos que os órgãos de controle estão enfraquecidos e o Judiciário desprestigiado por irregularidades que vieram à tona com reportagens da Vaza Jato. A corrupção continua frequente em muitas burocracias municipais, estaduais e até a federal. E quando há grandes somas de dinheiro envolvidas em compras públicas, ela continua aparecendo na forma de superfaturamentos e licitações fraudadas. A Lava Jato gerou uma grande renovação no Congresso, mas muitos dos políticos eleitos não corresponderam às expectativas dos eleitores.
Leva tempo para mudar o equilíbrio institucional de uma sociedade onde a corrupção é abundante para outra onde a corrupção é limitada. A transformação exige mudanças educacionais, culturais e institucionais que se complementam como mostram Alberto Bisin e Thierry Verdier no trabalho “On the Joint Evolution of Culture and Institutions” (“Sobre a evolução conjunta de culturas e instituições) e Tim Besley e Torsten Persson em “Democratic Values and Institutions” (“Valores democráticos e institucionais”). No curto prazo, mais importante do que tentar acabar com a corrupção, precisamos buscar atrair melhores pessoas para a política, tornar os governos cada vez mais transparentes, fortalecer órgãos de controle, fomentar uma mídia ativa e independente e cobrar responsabilização do Judiciário e dos partidos políticos. Desconfie de qualquer político que atue contra esses princípios e que queira acabar com a corrupção no grito.
*Claudio Ferraz é professor da Vancouver School of Economics, na University of British Columbia, Canadá, e do Departamento de Economia da PUC-Rio. Ele é diretor científico do JPAL (Poverty Action Lab) para a América Latina. É formado em economia pela Universidade da Costa Rica, tem mestrado pela Universidade de Boston, doutorado pela Universidade da Califórnia em Berkeley e foi professor visitante na Universidade de Stanford e no MIT.
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