Marisa Sousa a 2021-07-16
”Com o tempo não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros.” — Mário Quintana
“Não defino solidão apenas como sentirmo-nos privados de amor, companhia ou intimidade. Nem é apenas uma questão de nos sentirmos ignorados, invisíveis ou negligenciados por aqueles com quem interagimos regularmente (…). Também tem que ver com sentirmos a falta de apoio e de atenção dos nossos concidadãos, dos nossos empregadores, da nossa comunidade, do nosso governo. Tem que ver com sentirmo-nos desligados, não apenas daqueles de quem deveríamos ser íntimos, mas também de nós mesmos.” Noreena Hertz é uma conceituada economista, professora e comunicadora, considerada pelo The Observer “uma das principais pensadoras a nível mundial”. No seu mais recente livro, O Século da Solidão (Temas e Debates), traça o retrato e a dimensão da nossa solidão e lança uma semente de esperança, propondo soluções para a combater. Partilhamos consigo alguns dados e curiosidades que servirão, certamente, como desassossego para que possa integrar este livro na lista das suas leituras prioritárias.
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O sítio na internet da empresa Rent-a-Friend, ou “aluga-um-amigo”,
fundada por Scott Rosenbaum, que testemunhou a ascenção deste conceito
no Japão, a operar agora em dezenas de países em todo o mundo, dispõe de
mais de 620 mil amigos platónicos para aluguel.
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No Reino Unido, o problema tornou-se tão significativo que o primeiro-ministro, em 2018, nomeou um ministro da Solidão.
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Esta não é apenas uma crise de saúde
mental; tem implicações físicas: a investigação mostra que a solidão é
pior para a nossa saúde do que não praticar exercício físico, tão nociva
como o alcoolismo e duas vezes mais prejudicial do que a obesidade.
Estatisticamente, a solidão equivale a fumar quinze cigarros por dia.
Isto acontece independentemente do dinheiro que ganhamos, do sexo, da
idade ou da nacionalidade.
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Os nossos smartphones e, em
particular, as redes sociais desempenharam um papel determinante:
roubando a nossa atenção e afastando-a das pessoas em volta, alimentando
o que há de pior em nós, pelo que nos tornámos cada vez mais zangados e
tribais, comportando- nos de forma cada vez mais exibicionista e
compulsiva em busca de gostos, retuítes e seguidores, erodindo a nossa
capacidade de comunicar eficazmente ou com empatia.
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Se formos pessoas solitárias, teremos um
risco 29% superior de doença coronária, 32% de AVC e 64% de desenvolver
demência clínica. A probabilidade de morte prematura é quase 30%
superior para quem se sente sozinho. Um estudo de 2010, com pessoas que
tinham passado por um período de solidão causado por um acontecimento
específico, como a morte de um companheiro de vida ou a mudança para uma
cidade nova, determinou que, apesar de a solidão ter sido delimitada no
tempo (neste caso, durou menos de dois anos), a esperança de vida era
mais reduzida. Considerando o período de isolamento forçado a que a
maioria de nós foi sujeita em 2020 e em 2021, ouvem-se as campainhas de
alarme.
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Já antes de o novo coronavírus atacar, o conceito “sem contacto” estava a tornar-se o nosso modo de vida, a nossa escolha ativa. “Alguma vez caminhou na floresta e deu um salto para trás por, ao ver um galho no chão, ter pensado que era uma cobra?”, pergunta a Dra. Stephanie Cacioppo, diretora do Laboratório de Dinâmica Cerebral da Universidade de Chicago. “A mente solitária vê cobras a toda a hora.”
Existem atualmente inúmeros estudos científicos que associam a solidão
nos humanos a sentimentos de hostilidade para com os demais. Hannah Arendt,
um dos titãs do pensamento intelectual do século XX, foi das primeiras a
escrever sobre o elo entre solidão e a política da intolerância.
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Cada vez mais jovens abordam cirurgiões plásticos com fotografias das suas pessoas “photoshopadas”, filtradas e digitalmente alteradas, para que as reproduzam.
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À medida que os robôs se tornam mais
sofisticados, empáticos e inteligentes, surge o risco de que possam
ajudar-nos a combater a solidão num plano pessoal e individual, mas que,
ao fazê-lo, estejam a encorajar-nos a distanciarmo-nos dos outros
humanos.
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Em França, os trabalhadores das empresas
com mais de cinquenta colaboradores têm o “direito de se desligar”
legalmente garantido desde 1 de janeiro de 2017. Na prática, o que isto
significa é que as empresas têm de negociar com os colaboradores a sua
disponibilidade fora de horas e enfrentar multas se exigirem que os
colaboradores respondam a comunicações fora do horário regular ou
estipulado (…). Mais recentemente, em janeiro de 2021, o Parlamento
Europeu considerou o “direito a desligar” um direito fundamental, apesar
de ter adiado em três anos o compromisso da Comissão Europeia de
produzir uma diretiva.
- Precisamos de nos apressar menos e de parar mais para conversar (…). Temos de encorajar os nossos filhos a perguntarem à criança que se senta sozinha ao almoço se não quer companhia e temos de fazer o mesmo por aquele colega de trabalho que almoça sempre sozinho na secretária. O antídoto para o Século da Solidão, em última análise, é apenas estarmos sempre disponíveis para o outro, independentemente de quem esse outro seja.
Por agora, feche esta revista e cumprimente o funcionário do café, diga bom dia ao vizinho, telefone à sua mãe, sorria à pessoa que se sentou ao seu lado no metro, marque aquele jantar que anda a adiar há meses, guarde o telemóvel, acene ao idoso que está todos os dias sozinho à janela, cumprimente a senhora que, no mercado, a atende sempre com um sorriso nos lábios. Estamos muito perto de não estarmos longe de mais.
Fonte: https://www.bertrand.pt/blogue-somos-livros/livrolicos/artigo/e-agora-o-que-fazer-com-esta-solidao-/192165
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