quarta-feira, 28 de julho de 2021

Medalhas no skate

MÁRIO CORSO*

Folha de Rondônia News - Fatos e notícias do Brasil e Rondônia resumo de  novelas - Site de Roberto Gutierrez

O esporte é um universo que me é alheio. Por extensão, nas olimpíadas sigo nessa batida: olho desinteressado, sem genuína conexão. O esforço e a disciplina férrea do atleta não me comovem. Não me orgulho disso. Sou um míope desastrado, sem desenvoltura para práticas desportivas. Meu desdém é uma mal disfarçada inveja, não escondo. Em minha defesa, tenho razões para crer que a bola não gosta de mim, ainda vou provar isso.

Mas a emoção pelas nossas medalhas no skate é genuína. Nunca imaginei ele como um esporte olímpico, é uma boa surpresa. O skate é um esporte conectado com a minha geração, testemunhei sua chegada ao Brasil. Nem havia skates para vender, meu primeiro skate foi feito em casa. Na verdade foi uma empreitada coletiva. A ideia foi do meu amigo Nilson. Ele não tinha destreza com ferramentas. Eu tinha, por isso, a sociedade.

Nilson pensou que partindo de patins pregados a uma tábua poderíamos chegar a um skate. Fomos tentar. Enquanto desmontava e cortava os patins, adverti meu amigo de que a operação era irreversível. Não conseguiria montar de volta, se desse errado, ficaríamos sem skate e sem patins. Ele era bom patinador e apegado ao seu instrumento. Temia ver meu amigo frustrado.

Subestimei o Nilson, ele estava atento ao possível fracasso. Quando terminei de cortar, ele me revelou que os patins eram da irmã. Os dele estavam a salvo no quarto. Eu gostava da Neice, jamais toparia fazer isso sabendo da mutreta. Mas o crime estava feito. Esforcei-me ainda mais para transformar aquela maçaroca de peças em algo que deslizasse. Muitas tentativas e nasceu algo viável.

Depois de vários tombos, domamos o bicho e corríamos a cidade em busca de lugares para andar. Então entendi que o skate é filho da urbanização, primo do concreto, das calçadas lisas, dos pisos de garagens coletivas em edifícios. Ele nasceu da necessidade dos jovens de inventar algo para gastar energia no meio que eles dispunham. Acabaram os gramados e as árvores, restava o asfalto para conquistar. O skate é o triunfo da criatividade juvenil frente a um espaço hostil ao ato de brincar.

As pistas próprias para o skate vieram muito tempo depois. Na época eram como dois esportes: andar propriamente dito e percorrer a cidade em busca de pistas improvisadas. Sinceramente, eu gostava mais da aventura urbana. Conhecer lugares, encontrar parceiros, trocar experiência sobre a mecânica da prancha.

Na minha época, as meninas não se arriscavam no skate. Anos depois, é um prazer vê-las inventando um jeito próprio de andar, mais leve, mais dançado. Fiquei comovido com a Rayssa Leal, já conhecia os vídeos dela como a fadinha do skate. Agora ela faz história sendo a mais jovem atleta brasileira a conquistar uma medalha olímpica. Parabéns, Rayssa! Parabéns, Kelvin Hoefler!

* Psicanalista, membro da APPOA (Associação Psicanalítica de Porto Alegre). Escritor.
Imagem da Internet
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/zh/acessivel/materia.jsp?cd=38d7159f24ba7db8c1875a4fe596c529 

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